A conclusão da nova trilogia de “Star Wars” chega sem fôlego, sem a mesma empolgação por trás dos dois predecessores. Com um deles sendo praticamente uma refilmagem trocando personagens e o outro um passo na direção completamente oposta, o anúncio do retorno de J.J. Abrams na direção resultou em praticamente uma totalidade de fãs insatisfeitos, ambos os que haviam gostado da abordagem conservadora e os que haviam gostado da desconstrução de Rian Johnson em “The Last Jedi”. Já era tarde demais para voltar à proposta inicial depois das grandes mudanças da segunda parte da trilogia. Nem para lá, nem para cá, “The Rise of Skywalker” chega com o fardo de consertar supostos problemas e tentar agradar a todos, se colocando numa posição prejudicial à sua integridade como obra.
O sacrifício de Luke Skywalker permite que a Resistência escape da Primeira Ordem e sobreviva para se preparar para uma guerra há muito tempo se aproximando. Mesmo com todos os preparativos constantes, a hora chega cedo demais. Uma transmissão do suposto falecido Imperador Palpatine coloca Kylo Ren (Adam Driver) no seu encalço para completar sua missão de conquistar supremacia da galáxia e de seduzir Rey (Daisy Ridley) para o lado negro da Força. Uma corrida inicia para evitar que a Nova Ordem ganhe a vantagem e domine a galáxia.
Assim como aconteceu desde “The Force Awakens”, “The Rise of Skywalker” foi acompanhado de vazamentos constantes sobre a história, quais atores estariam presentes e até situações específicas da produção. A diferença é que neste caso não houve apenas revelações sobre o enredo. Ficou claro que havia algo errado quando surgiram anomalias como vários finais gravados, inclusão de personagens novos e mudanças drásticas no enredo. Não parecia bom. O simples fato de mudar elementos grandes como o final por causa da reação da audiência já demonstra a inclinação de tentar lamber feridas e lançar exatamente o que se esperaria da série através de elementos de sucesso comprovado no passado. Nenhuma novidade para essa trilogia. Exceto que dessa vez se vai ainda mais longe.
Gostando do resultado ou não, é um fato que “The Last Jedi” tentou algumas coisas novas. O direcionamento apresentado desconstruiu alguns clichês da série e se distanciou da prévia abordagem derivativa de construir a trama quase exclusivamente com elementos antigos. Entretanto, a controvérsia foi grande demais, opiniões agudamente polarizadas entre amor e ódio para o desagrado da Disney. Eis que surgiu a idéia de usar “The Rise of Skywalker” para consertar tudo aquilo considerado ousado ou polêmico, uma demonstração gritante da filosofia por trás dessa nova trilogia: manter tudo em terreno seguro, sem arriscar nada. O resultado é, mais do que nunca, engessado por claramente não se permitir errar, sempre pisando em gelo fino e levando a aventura pelos caminhos mais óbvios enquanto abusa de conveniências para evitar qualquer complicação.
Com tantas decisões sendo reescritas, muito de “The Rise of Skywalker” acaba se construindo em cima de coincidências e conveniências; um personagem tendo a solução imediata para um problema, chegando no lugar certo por acidente, contornando uma conseqüência tida antes como definitiva na próxima cena e assim por diante. Parece que simplesmente deixaram isso passar porque é um filme de aventura e seria aceito de qualquer forma. Qualquer um consegue acompanhar uma história que se resume a buscar um objeto para chegar em um lugar, brigar de sabre e derrotar o grande vilão para que tudo se resolva mais uma vez numa batalha espacial pelo futuro do universo. Tudo para aliviar a carga de absorver retificações constantes.
O grande problema de voltar atrás de decisões passadas é o preço pago: perda de identidade da obra fazendo a reescrita. O propósito de uma história deve sempre ser seguir em frente de um jeito ou de outro, não gastar tempo voltando atrás do que já foi feito para definir novas verdades. Fica pior quando o novo status desejado é outra vez derivativo do passado, estando mais para reforçar clichês do que difundir a essência da série como um todo. Em vez de trabalhar a questão da moralidade binária e como isso pode ser um limitante para indivíduos poderosos forçados a se colocar em um lugar ou em outro, por exemplo, fortalecer idéias de que todo personagem principal precisa ser filho ou neto de alguém parece mais interessante. Tem de haver alguma nova arma devastadora na manga dos inimigos, uma nova Estrela da Morte a cada filme porque sim.
Isso retoma a perpetuação da filosofia dessa nova trilogia é a noção dos roteiristas de poder e antagonismo. Até mesmo a criticada Segunda Trilogia se mostrou mais inteligente nesse sentido por tentar usar de manipulação política, militar e psicológica para derrubar a República e instaurar o Império. Existem problemas na execução, sim, muito já foi falado disso. Não deixa de ser uma forma mais diversificada de antagonismo que apenas introduzir uma arma, uma nave ou uma frota maior a cada filme e tratar isso como novo o grande perigo para o universo, sempre com uma falha crítica de design que causa sua destruição. A Estrela da Morte, antes impressionante por ser do tamanho de uma lua, ficou ainda maior em “Return of the Jedi”, adquiriu o tamanho de um planeta inteiro em “The Force Awakens” e em “The Rise of Skywalker” vira uma piada. Dar um Star Destroyer de 60km de largura para Snoke não é superlegal, é comparável ao prazer fútil de se gabar por ter um carro maior ao mesmo tempo que desvaloriza um veículo militar icônico da série. Aqui só piora porque a questão do poder e habilidade de Rey permanece sem explicação, nunca se dá um contra-argumento lógico para a questão Mary Sue para além de uma desculpa barata.
Curiosamente, só não se pode acusar a nova trilogia de ser mal entretenimento. Eles são competentes como filmes de ação e “The Rise of Skywalker” não é diferente. Rey superpoderosa, com mira impecável e a sorte de todos os Jedi não deixa de resultar em seqüências dinâmicas e bem dirigidas, funcionando pelo menos em nível básico. Isso sempre pesou a favor por conta dos pecados se encontrarem nas decisões criativas e no roteiro, que aqui chega perigosamente perto de ter os piores diálogos da série. Curiosamente, o filme demora para mostrar por que as críticas têm sido tão duras. Não que ele seja excelente de começo, apenas começa sem ser um desastre até chegar perto do clímax, onde os problemas ficam claros. Poderes usados arbitrariamente, sem explicação e sem desenvolvimento para além do clássico “porque sim” — ou melhor, porque a Força trabalha de formas misteriosas — além de decisões plenamente ruins bem na conclusão. Até mesmo o Imperador Palpatine é tirado do seu túmulo sem uma explicação para tornar sua presença aceitável ao invés de um recurso pobre para preencher o vácuo da morte de Snoke. Se havia alguma idéia vinda da pessoa que matou o vilão, em primeiro lugar, talvez fosse mais inteligente consultar com ela para ver qual seria o próximo passo.
Mais promessas de novidades, de uma nova história, da conclusão de uma saga iniciada mais de três décadas antes. Até se tentou despertar empolgação usando a carta da conclusão da saga da família Skywalker, como se essa fosse uma continuação direta da história da família como os seis primeiros filmes foram, estando mais para uma tentativa desesperada de uma trilogia em apuros. E foi só um truque no final das contas, pois aconteceu a mesma reciclagem de antes, uma reorganização de elementos existentes com pouca ou nenhuma inovação. A falta de visão — e de originalidade, conseqüentemente — da produção levou ao caos por não haver uma direção definida desde o começo, o que fica claro com cada troca de diretor e os rumos conflitantes. Com “The Rise of Skywalker” chega o fim da trilogia arroz com feijão.