“Rambo: Last Blood” sempre soou como uma boa idéia. Desde que uma versão envelhecida do personagem foi introduzida em “Rambo”, de 2008, passei a pensar em como uma história de encerramento com ele velho poderia trazer uma visão nova do mesmo conceito. Em vez do cabeludo de bandana sem camisa, suado e gritando, há um grande homem velho servindo de mera lembrança do passado. Mas a experiência não morre, o espírito idem e para muitos inimigos isso já é demais. Algo como “O Velho Logan” passa pela mente, um Wolverine velho, amargurado e sem motivação para lutar acaba descobrindo um novo propósito e mostra que suas habilidades não desapareceram. Essa é mais ou menos a proposta aqui. Mais ou menos.
John Rambo (Sylvester Stallone) tem passado seus dias no rancho em que nasceu. É uma vida calma criando e domando os cavalos do rancho, uma realidade bruscamente diferente do passado de sofrimento e violência que viveu antes. Carmen (Paz Vega) e sua neta Gabrielle (Yvette Monreal) vivem junto com ele, que ajudou a criar a garota e a considera praticamente a filha que nunca teve. Entretanto, Gabrielle teve um pai de fato e sempre quis saber o que aconteceu com ele. Após finalmente descobrir onde ele está, a menina parte para o México para encontrá-lo e acaba caindo nas mãos de traficantes de humanos. Cabe a John partir para uma última missão para salvar quem ama.
“Rambo: Last Blood” já está nos planos faz tempo. Os 11 anos de espera não foram propositais e não têm importância narrativa em especial como o tempo passado em “T2 Trainspotting” e “Before Sunset“. O projeto apenas foi adiado, cancelado e reiniciado várias vezes, patinando no limbo de desenvolvimento sem chegar a lugar algum. Stallone chegou a desistir do personagem, voltar, assumir a direção e enfim ficar só com crédito de roteirista e ator principal. Voltando um pouco no passado, uma curiosidade aparentemente irrelevante a respeito do quarto filme chama a atenção: uma das premissas consideradas foi o resgate de uma garota no México, a qual foi rejeitada por ser boa, mas não ter a essência do personagem. Com certeza não é acidente o ator ter dito isso e hoje o filme produzido passar exatamente a mesma impressão. Para tanto tempo de produção, o resultado ser genérico e sem o mínimo de inspiração é uma grande decepção. Se não houvesse o nome Rambo e Sylvester Stallone no elenco, seria facilmente largado com os filmes de ação secundários que saem aos montes por aí.
O filme não é completamente terrível. Os supostos motivos para críticas ironicamente compõem os pontos fortes da obra. Ela pode até pecar em várias questões, não por ter violência explícita, antagonismo simplificado e cenas de ação com o objetivo de empilhar corpos. Sim, pode-se dizer que “First Blood” não tinha nada disso por conta de a contagem de corpos ser baixíssima, mesmo com a tensão constante e a agressividade dominando. Ser diferente não qualifica um problema porque todas as outras continuações já saem deste caminho e não são ruins por isso. Talvez por outros motivos, não por isso exatamente. “Rambo: Last Blood” é a mesma coisa. Faz todo o sentido o personagem agir dessa forma, mais violento do que nunca. O que um homem em seus 70 anos, atlético e forte, mas ainda em seus 70 anos, pode fazer contra inimigos com armamento similar e muito mais condicionamento físico? Apelar para a brutalidade e não dar brecha para que eles possam tirar vantagem de qualquer forma, garantir que o inimigo caia e permaneça no chão.
O fato de essa não ser uma idéia original mostra como é um raciocínio lógico. A vida pode tirar o fôlego e a juventude de John Rambo, não sua experiência. Ele sabe onde dói mais, onde atirar para matar e todos os meios para completar sua missão de obliterar aqueles que o opõem. Supostamente isso se tornou controverso atualmente, sendo que o protagonista sempre foi um homem em conflito eterno com sua afinidade e perícia para a violência. “Rambo: Last Blood” apenas traz outro motivo para os instintos suprimidos retornarem. É um bom motivo? Não exatamente. É aí que começam os problemas.
Considerando que o próprio Stallone não foi o maior entusiasta da idéia de um resgate no México e um confronto com as organizações criminosas de lá, é pouco surpreendente que o público pense o mesmo. É razoável pensar no personagem reconstruir parte de sua vida na velhice e descobrir parte do lado bom da vida ao lado de uma nova família. E então perder tudo subitamente e se encontrar de volta em velhos hábitos. É claro que o passado sempre assombrou o homem, só não era necessário mostrar isso da forma mais clichê possível. “Rambo: Last Blood” é uma história simples por natureza que comete o pecado do simplismo por vias da estupidez.
Com isso, seria correto dizer que a história é direta ao ponto. Neste caso, até demais e a ponto de não haver a menor da sensatez narrativa de dar destaque a certos eventos para enunciar sua importância. Pegando um exemplo simples, é como se a clássica cena de “Titanic” com Jack e Rose abrindo os braços na ponta do navio durasse 15 segundos. Existe uma razão por trás de princípios narrativos como o tamanho de um objeto no quadro ou a duração de uma tomada. É apenas lógico o espectador dar importância para uma cena que dura mais tempo. Independentemente disso. “Rambo: Last Blood” começa no mesmo ritmo que termina: rápido e sem parar nem mesmo por tempo o bastante nas partes que importam. O diálogo é resumido para falar o óbvio do explícito do artificial, tudo para ser o mais rápido possível. Um pouco mais de cadência não se encontra nem mesmo quando finalmente chega o momento da ação tomar conta, quando finalmente parece que o filme dará destaque a algo. Há uma pressa inexplicável e injustificável de forma alguma porque a história claramente se prejudica. Não se pode chegar a falar em ritmo quando ele claramente não trabalha a favor da obra.
Pensando na idéia central, na premissa e até mesmo na sua execução, “Rambo: Last Blood” parece estar com tudo no lugar. A primeira envolve um soldado veterano, um dos melhores de todos os tempos, recolhido em um canto isolado com muitas memórias e um conforto modesto; a segunda traz um motivo para tirar o centro do protagonista, ameaçar uma das poucas coisas que ele ama; a terceira traz uma ação diferenciada, mais violência compensando falta de agilidade e resistência por conta da idade, brutalidade para evitar qualquer erro. Ao mesmo tempo que tudo isso se encontra aqui, é de uma forma mediana, pouco inspirada ou plenamente ruim. Além do exemplo do quadrinho do Velho Logan, outro exemplo deste mesmo conceito dando certo é “Unforgiven“, que traz essas qualidades para o Velho Oeste em uma obra magnífica. Duro é pensar que se jogou no lixo a oportunidade de fazer algo parecido com a conclusão dessa série.