A magnólia é uma das plantas mais antigas e primitivas de todos os tempos, talvez entre as primeiras plantas do planeta. Assim como toda flor, possui pétalas conectadas por uma estrutura que as torna parte de um todo. Talvez a metáfora de Paul Thomas Anderson para nomear esse filme seja mais complexa que isso, mas não soa de todo errado quando se pensa na proposta da obra: conectar histórias diferentes de personagens diferentes e explorar o sofrimento como elemento comum entre eles. Afinal de contas, há algo mais primitivo do que a alternância de prazer e dor? Sofrimento e prazer? “Magnolia” é uma história — ou uma coleção delas — sobre o drama em sua forma mais básica e eficiente.
O policial Jim Kurring (John C. Reilly) não é dos mais respeitados entre seus parceiros de trabalho e acaba se apoiando no seu senso forte de responsabilidade. Um chamado comum o manda para a casa de Claudia Gator (Melora Walters), filha de um famoso apresentador de televisão com quem tem uma relação péssima. Ele é Jimmy Gator (Philip Baker Hall) e apresenta há 30 anos “O Que as Crianças Sabem?”, um programa em que uma equipe de crianças compete com adultos respondendo perguntas sobre praticamente tudo. Mas uma das crianças está farta de ser marionete do pai e começa a repensar sua participação. O programa, por sua vez, é propriedade de Earl Partridge, um doente milionário em seus últimos momentos de vida e com uma relação peculiar com Frank Mackey (Tom Cruise), que vende livros e dá palestras ensinando homens a conquistar qualquer mulher.
Não é pouca coisa. Nem ao menos algo simples, “Magnolia” é composto por arcos diferentes conectados em alguns pontos não imediatamente perceptíveis. É diferente de “Relatos Selvagens” e sua estrutura bem definida de contar seis pequenas histórias unidas no formato de longa-metragem. Mesmo elas tendo um tema em comum, sua ligação narrativa direta não existe. Aqui é diferente. A princípio pode parecer que também se trata de contos isolados, ainda que contados de forma intercalada, porém a obra logo revela que sua estrutura é muito mais complexa que isso ao demonstrar ligações concretas entre cada protagonista. Isso é evidente já na premissa mais complexa que a maioria dos filmes por aí. Por um lado, ela pode ser detalhada a fim de contar um pouco sobre o arco de cada um; em contrapartida, poderia ser descrita como a história de pessoas distintas que vêem suas vidas conectadas.
“Enquanto isso, de volta ao rancho…” Essas foram as palavras de Alfred Hitchcock a respeito de uma dinâmica narrativa que busca prender o espectador ao cortar as cenas em seus pontos altos e transferir a ação para outro local. Ao construir uma cena com cada passo elevando a tensão em direção a um evento conclusivo, cria-se expectativa por ele e então… nada. Uma nova situação e apenas uma certa indignação da curiosidade não satisfeita, uma vontade ainda maior de descobrir como a cena prévia se concluiria enquanto uma nova provocação começa com a nova cena. “Magnolia” é o avatar dessa dinâmica e, pensando bem, não poderia ser diferente. Apenas apresentar seqüências inteiras, começando uma nova no fim da outra, não é nem um pouco dramático. O gancho é necessário para que haja certa antecipação pela continuação da história interrompida e a corrente narrativa se mantenha de pé, algo especialmente importante em um filme com mais de 3 horas de duração.
Poder-se-ia dizer que é um grande feito da Edição saber exatamente qual a hora de cortar a cena e passar para a próxima, criando uma montagem dinâmica que se reinventa constantemente para não deixar que o interesse morra antes da hora em que as tramas começam a mostrar suas conexões. E é exatamente por esse último detalhe que não se pode dizer que é uma questão apenas de Eedição, pois é evidente que cada pedaço de história foi concebido de forma que os fragmentos sejam funcionais dentro da grande colcha de retalhos que compõe o todo da narrativa de “Magnolia”. Existem momentos e momentos, alguns menos importantes e outros que simplesmente não poderiam ser interrompidos.
Mesmo estes primeiros sendo menos impactantes que os últimos, é um grande mérito do roteiro evitar um momento sequer em que uma interrupção acontece e um trecho novo entra como um interlúdio vazio de caráter meramente funcional; ou seja, uma cena que interrompe outra sem trazer seu próprio conteúdo e apenas serve como um intervalo pouco mais relevante que um comercial seria. “Magnolia” atinge seu nível de excelência através de uma organização caoticamente organizada, um plano que parece ser um constante entrecorte de momentos e de personagens sem estrutura aparente, sendo que na verdade é fruto de planejamento e experimentação. É um sucesso tamanho que não permite dizer facilmente que esse arco é melhor que esse outro, pois tudo se liga e finalmente se atinge um patamar de unidade narrativa, no qual até as partes menos cativantes são perdoadas porque influenciam algum ponto de outra parte favorecida.
Quanto às atuações, não há muito o que dizer além de “Magnolia” ser uma oportunidade de explorar uma gama maior de sentimentos em um mesmo lugar. Claro, sofrimento é uma constante na vida de todos os personagens, mas a causa ser diferente em cada resulta na demonstração de facetas diferentes do mesmo conceito. Para o espectador, é especialmente interessante ver essa representação heterogênea, uma pilha de nervos ambulante como Julianne Moore sofrer por uma razão distinta do frustrado Donnie Smith (William H. Macy) e seu passado mal resolvido. “Magnolia” poderia ser a definição de um fracasso gigantesco, levando em consideração os privilégios que Paul Thomas Anderson recebeu depois do sucesso de “Boogie Nights“, mas isso não acontece. No lugar, aparentemente há um exemplo da tal visão do diretor se concretizando em um projeto ímpar e muito bem-sucedido.