“The Raid 2” começa pouco tempo após os eventos intensos do primeiro. Rama (Iko Uwais) descobre que a rede de corrupção dentro da polícia é mais extensa do que ele imaginava e agora ele se encontra envolvido diretamente. Temendo pela segurança de sua família, ele aceita a missão perigosa de se infiltrar no império criminoso de Bangu (Tio Pakusadewo) e é enviado para a prisão a fim de se aproximar de Uco (Arifin Putra), filho do chefe do crime. Agindo como seu guarda-costas de confiança, ele o protege das várias situações perigosas de sua rotina enquanto tenta juntar provas para derrubar os policiais corruptos.
Existem certas obras que parecem existir em seu próprio universo. Não numa galáxia distante, mundo alienígena, futuro distópico ou realidade paralela, às vezes é em Nova York, Londres, Roma, Moscou e outros lugares facilmente reconhecíveis. O que caracteriza essa definição de universo diferente são as regras que fazem um lugar familiar parecer algo novo porque a lógica cerceando os eventos não é a mesma que se vê todos os dias. Claro, isso é muito comum e é o que gera frases como “Isso só acontece em filme”. Comédias românticas clichês estão aí para provar que até mesmo a história ambientada nos cenários mais banais têm sua cota de fantasia. Mas existem exemplos que exacerbam isso ainda mais. “The Raid 2” é um filme de ação, então, naturalmente, essa frase acaba sendo dita por motivos diferentes.
A ponte com a série “Yakuza” dos videogames foi quase imediata. Ela acompanha Kazuma Kiryu em seus envolvimentos majoritariamente infelizes com a máfia japonesa; traições e maquinações complexas arrastando o personagem por situações de perigo que colocam a sua vida e a de outros em risco. Tais encontros normalmente resultam em violência e, claro, é de se pensar que mafiosos não brincariam em serviço para evitar comprometimentos desnecessários, as tais pontas soltas. Logo, não haveria motivo para deixar intrometidos com vida. Faria todo o sentido usar armas de fogo e outros meios para exterminar esses problemas e, no entanto, a maior parte do jogo envolve combate corpo a corpo. Se os inimigos possuem armas a seu dispor, qual a lógica de engajar numa luta contra um indivíduo muito forte? “The Raid 2” funciona praticamente nestes mesmos termos e é até similar em seu enredo de colocar uma pessoa imersa num mundo de crime.
Isso não é dizer que os bandidos andam desarmados porque sim, para haver uma chance de o protagonista ganhar numa luta justa e ver o sol raiar na próxima cena. Diferente de “Yakuza”, em que as armas de fogo não são fatais, “The Raid 2” respeita a lógica em um nível aceitável e traz várias cenas em que os malfeitores tentam resolver a situação com um dedo no gatilho, porém é claro que a munição eventualmente acaba e os meios clássicos voltam à tona. Só poderia ser assim. Sendo a continuação de “The Raid: Redemption“, a principal mecânica do filme permanece o Pencak Silat, denominação generalista de artes marciais indonésias, e traz seus melhores momentos quando o surreal se apresenta com um grupo de inimigos simplesmente escolhendo engajar na clássica pancadaria generalizada e relativamente organizada.
Essa última qualidade, por sua vez, se dá pela direção de Gareth Evans em outra demonstração de domínio do cinema de artes marciais e da qualidade de deixar o movimento fluir sem a interferência de artifícios cinematográficos. Sendo justo, é fácil falar que se deve deixar a câmera rodar e os atores demonstrarem sua habilidade, mas para isso é preciso que os atores tenham habilidade, enquanto é mais comum que eles tenham rostos bonitos e pouco ou nenhum domínio de artes marciais. “The Raid 2” definitivamente não sofre deste problema porque Iko Uwais e Yayan Ruhian não são o que se chama de estrelas de Hollywood. Eles mal são conhecidos e isso pouca importa porque eles cumprem sua função nos aspectos realmente importantes para uma obra do gênero. Quando acabam as balas da pistola, ela se torna objeto de arremesso como qualquer outro, um quebra-galho antes da troca de tiros se tornar uma troca de murros. Não há como sentir falta de fabricações e cortes rápidos quando as lutas simplesmente fluem e todos os envolvidos desviam da aparência de coreografia falsa. A intensidade das cenas de ação é apenas uma consequência natural da competência dos envolvidos.
Não se pode criticar a ação de “The Raid 2”. As regras que definem o conceito de universo único funcionam a favor das grandes seqüências de luta, especialmente aquelas envolvendo grupos enormes, um contra muitos ou muitos contra muitos. Não há muita lógica em uma tentativa de assassinato numa prisão se tornar uma microrrebelião com todos os prisioneiros do pátio brigando entre si e, como se não fosse o bastante, até os guardas se juntam à briga. A variedade em um mesmo filme é visível e não se limita aos mesmos conceitos o tempo todo, tal como a idéia de um grupo inteiro partir para cima de alguém quase um de cada vez. Armas de fogo às vezes aparecem, como dito, assim como há bastante de briga clássica nos mais diferentes ambientes e também uma característica interessante do Pencak Silat de usar quaisquer objetos ao alcance como possível arma.
Uma evolução desse conceito é a presença de personagens que poderiam ser caracterizados como os chefes se “The Raid 2” fosse um jogo; pessoas sem muita personalidade, mas que se distinguem por serem mais fortes que os capangas comuns e possuem alguma característica distintiva. Diretamente de “Streets of Rage”, há uma menina que usa óculos o tempo todo e dois martelos como arma, um rapaz que mata seus inimigos arremessando bolas de beisebol e usando seu taco, além do assassino mais confiável de um dos vilões e sua dupla de adagas curvas. Adições substanciais, estes personagens são parte do que faz essa continuação ser melhor, mais intensa e com mais ação que o primeiro.
Infelizmente, essa mesma tendência de expandir o conceito original mostra efeitos não tão interessantes. Tudo bem, é bom ter a chance de engrandecer algo que já era bom inicialmente, porém há formas e formas de fazer isso. Criar uma série de subtramas e um enredo que às vezes parece muito mais complexo do que deveria ser não é uma forma boa. Não que subtramas e um enredo complexo sejam ruins, a questão é que isso resulta numa duração de 150 minutos contra os 100 minutos do original. Fica a impressão de que “The Raid 2” é desnecessariamente longo ao mesmo tempo que consegue deixar a ação ainda melhor do que já se viu antes. Eis uma oportunidade desperdiçada de fazer algo superior ao original, enquanto o que se tem é algo no mesmo nível — que ainda é bem alto, vale dizer.