Não consigo lembrar de um tempo em que as pessoas ficavam empolgadas por filmes dos X-Men. Mesmo quando eles começaram a primeira onda de super-heróis no cinema havia muita gente criticando a adaptação por motivos desde os uniformes pretos de couro até o fato de toda a adaptação parecer mais uma transposição crua em vez de quadrinhos em forma de filme, como acontece hoje em dia. Desde “X-Men: The Final Stand”, então, o trajeto foi errático com poucos pontos altos encontrados em “First Class” e “Days of Future Past”. Depois veio “Apocalypse” arrastando o nível para baixo novamente e agora “Dark Phoenix”, numa época em que novamente não existe empolgação por novas aventuras mutantes. Aliás, nada da mesma fonte antiga, só existe expectativa pelos filhos do átomo no Universo Cinematográfico Marvel.
Após Jean Grey (Sophie Turner) ser encorajada a liberar as travas de seu poder durante o confronto com a entidade chamada Apocalypse, ela demonstra os primeiros sinais de ser uma força possivelmente indomável. Seu passado com o Professor Xavier (James McAvoy) confirma que sua estabilidade é mesmo um assunto delicado e frágil, mas que foi mantido sob controle todos esses anos. Isso muda quando os X-Men embarcam numa missão para resgatar um ônibus espacial que perdeu contato com a Terra. Jean acaba entrando em contato com a tal Força Fênix e seu poder é amplificado descontroladamente, tornando-a uma força possivelmente perigosa para todos ao seu redor e interessante para outros mal-intencionados.
Novamente uma história de Fênix Negra. Será que realmente faltam arcos dos X-Men para adaptar no cinema? “Dark Phoenix” é parte do último respiro da Fox no comando dos direitos sobre os heróis e talvez a produtora tenha querido algo mais seguro em vez de queimar outro arco importante. Até parece, como se os engravatados se preocupassem com algo mais do que a perspectiva de lucro da obra atual, nada como pensar em arcos narrativos para além das obras individuais. De qualquer forma, é curioso que tenham escolhido especificamente o arco que marca o pior episódio da trilogia original dos Anos 2000, algo que poderia soar como má idéia por conta da reputação construída com o fracasso do passado. E é ainda mais infeliz que pela segunda vez tenham queimado a chance de adaptar um dos arcos mais marcantes da equipe de Charles Xavier, talvez selando permanentemente as chances de uma adaptação respeitável no cinema.
Mas também não é um lixo absoluto como tem sido dito por aí. Confesso que todas as prévias a que assisti de “Dark Phoenix” passaram uma péssima imagem compatível com a recepção atual. Parecia que um chorume ainda pior que “X-Men: Apocalypse estava a caminho com potencial de ser ainda pior que “X-Men Origins: Wolverine”. Nem mesmo a escolha de identidade visual da publicidade soava atraente, apenas uma forma de minimalismo simplista e preguiçoso, comparável a texto em Arial branco sobre fundo preto. A despeito disso, o resultado foi menos catastrófico do que o esperado porque não é um fracasso imensurável, uma conquista não muito celebrável, há de se dizer, mas que ao menos chega mais perto do que seria uma avaliação justa. Menos pior pode não chegar a ser bom, mas não deve deixar de ser considerado.
A primeira coisa a se pensar é que “Dark Phoenix” é uma aventura X-Men diferente das anteriores e da maioria das obras lançadas atualmente, mais focadas na ação e na exposição de superpoderes em ação do que explorar outros elementos narrativos possíveis dentro do universo de super-heróis. Algumas boas histórias dos filhos do átomo envolvem de pouca a nenhuma ação e não são menos respeitadas por isso. Certo, talvez o arco da Fênix Negra não seja o melhor exemplo disso, mas desacelerar as coisas e focar em outros aspectos não deve ser excluído como possível abordagem. Há, inclusive, evidências aqui que isso poderia ter funcionado de alguma forma, mesmo que não do jeito que se vê. Fraturas nas relações internas dos X-Men levando às primeiras dissonâncias dentro de uma mesma equipe, Charles Xavier mostrado como um indivíduo passível de erros humanos, a exploração de um herói enfrentando problemas psicológicos e perdendo o controle. Nada disso é inerentemente ruim , pelo contrário.
Nem tudo deve ter algo a ver com o elemento específico de Jean Grey ganhar poderes demais. A idéia de ela perder o controle por receber muito poder de uma vez só, por exemplo, tem seu sucesso muito mais dependente da performance do que do fato concreto. Usar efeitos especiais para colocar veias flamejantes no rosto da atriz não é o mesmo que uma demonstração de insanidade crível, deveria ser apenas um detalhe complementar à atuação. “Dark Phoenix” peca mais gravemente no ramo das atuações, em geral, e sofre por decisões feitas em outros filmes. Por mais que se reclame dos filmes dos Anos 2000, o elenco era feito em grande parte de atores competentes e que se encaixavam perfeitamente em seus papéis. Isso mudou quando “First Class” renovou praticamente a equipe inteira e trouxe versões mais jovens de todos, o que funcionou para atores como James McAvoy e Michael Fassbender e não tanto para outros.
A própria Sophie Turner como Jean Grey é o maior exemplo de como a nova geração é falha. Seu papel em “Dark Phoenix” de fato não era dos mais fáceis, considerando a idéia de explorar o descontrole emocional como principal fator criador de conflito. Uma pessoa tendo todos seus bloqueios mentais e mecanismos de defesa arrombados de uma vez, os mesmos que protegiam a pessoa de verdades que ela ainda não está preparada para enfrentar, é um evento facilmente incapacitante e enlouquecedor. Se todas as vergonhas, decepções e arrependimentos fizessem uma visita sem aviso, apenas uma mente muito sã agüentaria o impacto e, bem, uma mente muito sã provavelmente já teria feito as pazes com boa parte dessas mesmas questões. Quem acaba abrindo a porta é uma mente frágil e as conseqüências disso, que deveriam ser graves, simplesmente não são sentidas na atuação limitada de Turner, que sempre parece estar dois ou três passos atrás das demandas de cena.
Isso também vale para a maior parte do resto do elenco de “Dark Phoenix”. Os novos Ciclope, Noturno, Tempestade e Fera não deixam de passar a impressão que são apenas versões jovens de rosto renovado, deixando a desejar também por não terem muito o que fazer com seus papéis rasos, embora nem esse pouco renda bons frutos. Jessica Chastain, então, é a representante ideal de vilã vazia e que só atrapalha o desenvolvimento da idéia da insanidade nascente em Jean Grey. A personagem quer o poder da Força Fênix e é isso, mais nada de relevante. Até chega a atrapalhar por tratar tal poder como uma batata quente facilmente transferível entre hospedeiros, como se não fosse nada realmente.
Nem mesmo bons personagens de outros filmes conseguem entregar participações decentes quando todo o resto é tão raso e simplista. Jennifer Lawrence como Mística está no ápice da interpretação preguiçosa e seu arco envolvendo o Fera e o Professor Xavier, principalmente, acaba refletindo tal qualidade por nunca sair do patamar de melodrama apressado. Quanto aos preocupados com ação, ela é reduzida em quantidade e em escala aqui, não chegando a categorizar “Dark Phoenix” como um filme do gênero. Ela não é ruim também e, a despeito de momentos mais contidos, consegue entregar alguns bons momentos dos mutantes se soltando e lutando sem muitos freios. O porém infeliz é que até nesse ponto há motivo para frustração quando a conclusão da última seqüência de ação se mostra tão anticlimática e pouco empolgante. É um gosto ruim finalizando uma experiência medíocre, ainda que não totalmente desastrosa.