Tem algo muito similar a “Bohemian Rhapsody” aqui. Não é muita surpresa, então, que a mesma pessoa tenha dirigido as duas obras. Por mais que Bryan Singer tenha eventualmente recebido o crédito único de diretor no filme sobre o Queen, ele foi demitido no meio da produção e substituído por Dexter Fletcher, que conduziu o projeto até o final. É dito que a maior parte da fotografia principal já havia sido feita quando o segundo diretor entrou em jogo, mas uma rápida olhada nas duas obras revela uma afinidade de estilo e, assim, coloca em jogo novamente quanta influência Fletcher teve no primeiro caso. Com certeza não se trata de uma coincidência. “Rocketman” parece muito ser outro fruto da mesma árvore, o que pode ser bom ou ruim dependendo a quem se pergunta.
Reginald Kenneth Dwight é um garoto de subúrbio da Inglaterra. Tímido e calado, encontra pouco afeto de seus pais e quase nenhum consolo no resto do tempo. Tudo começa a mudar quando o garotinho descobre algo novo e interessante no piano, finalmente algo surge para reformar a estagnação de um cotidiano frustrante e criar algo digno de orgulho. Eventualmente o garoto cresce e se torna Sir Elton Hercules John (Taron Egerton), um nome construído com popularidade e dinheiro, fama e sucesso, mas também de provas constantes e sofrimento. O estrelato não vem sem toda a turbulência no trajeto.
“Bohemian Rhapsody” dividiu opiniões e até causou certo nível de polêmica quando foi indicado a várias categorias no Oscar. A história do Queen fez parte de um movimento de produções populares tomando espaço na cerimônia e fez as pessoas repensarem se foi de fato por causa de qualidade ou porque sua popularidade e o gênero fizeram um casal conveniente para quem buscava diversificar a competição. Não foram poucas as críticas mais fortes e o assim surgiu o indicado a Melhor Filme com o menor escore no Rotten Tomatoes, citando apenas um exemplo. Não direi que é uma produção sem seus méritos, porém nem a história de minha banda favorita foi o bastante para ocultar seus problemas.
“Rocketman” tem pecados para compartilhar e talvez até mesmo o pior deles: soar genérico. Estilo sem substância também descreve parcialmente uma obra que imediatamente chama a atenção pelo brilho generalizado de uma estética buscando destacar o indivíduo acima de tudo. É claro que “Rocketman” é a história de Elton John e, naturalmente, não há como esperar outra coisa diferente de ele ser o protagonista. Mesmo assim, não deixa de ser estranho como esse destaque do sujeito em relação à sua história soa artificial, como se ele fosse maior que ela própria. Popularidade não deve ser tomada como termômetro de relevância narrativa, assim como um protagonista é tão supremo quanto sua importância dentro dela. Isto é, se a coerência e o bom senso forem norteadores da narrativa.
Tudo depende do quanto se permite dentro da história. E “Rocketman” se mostra muito confortável com excessos. Faria sentido, considerando que a própria vida de Elton John é repleta deles, contudo o que se encontra é um resultado ambivalente. Por um lado, o destaque dado ao lado exibicionista e extravagante do cantor em suas roupas, principalmente, fazem todo o sentido por serem parte da identidade visual criada ao longo de uma carreira inteira. Provavelmente é uma satisfação extra para os fãs mais assíduos encontrar figurinos marcantes usados em tal ano em tal show, enquanto para o resto da audiência é algo um pouco menor a se admirar, mas admirável ainda assim. O excesso só não é um efeito totalmente construtivo porque não tem consistência: ora cumpre seu objetivo efeito de transformar certos momentos em verdadeiros espetáculos, principalmente pela fotografia; e ora parece que as canções, as roupas e outros elementos não passam de uma prostituição tosca da figura de Elton John.
O outro lado menos chamativo dessa tendência se apresenta na presença constante de músicas do artista espalhadas ao longo do filme. Novamente, não se trata de um problema por si porque, bem, “Rocketman” é um musical. Seria absurdo criticar a existência de números, então o que resta fazer é se voltar para como eles são executados dentro da obra. É neste ponto que o lado genérico surge mais evidentemente. Ao pensar em como colocar essa idéia em prática, uma das primeiras formas que vêm à mente é escolher os maiores sucessos do artista e espalhá-los pelo filme de forma mais ou menos uniforme. É exatamente isso que acontece e é um tanto frustrante se deparar com tal aplicação pouco inspirada, que por vezes aproveita deixas um tanto rasas para encaixar “Rocketman”, “Goodbye Yellow Brick Road” ou “Saturday Night’s Alright (For Fighting)” porque sim, como se fosse um fim em si mesmo. Se ao menos as performances vocais de Taron Egerton fossem boas, talvez aí pudesse existir certo consolo.
Crítica similar não poderia ser feita à interpretação de Egerton no resto do tempo, que não só fornece um bom veículo para a caracterização física do protagonista mas também demonstra o alcance dramático necessário para atingir as notas mais importantes da vida do cantor. Isso é de extrema importância se tratando do grande diferencial entre “Bohemian Rhapsody” e “Rocketman”: o conteúdo. Enquanto a idéia de usar as músicas conhecidas enfraquece a narrativa por parecer uma celebração gratuita somada a uma tentativa barata de agradar ao público, todo o resto mostra compromisso com extrair o melhor da história de vida de Elton John. Realmente não é das histórias mais incomuns por envolver os elementos clássicos de criação conturbada, sentimentos reprimidos, sucesso repentino e excessos envolvendo drogas e ego, porém cada caso é um caso e isso nunca deve ser descartado.
A biografia do Queen parece esquecer disso ao tentar encaixar a individualidade num molde pré-fabricado, não sendo muita surpresa ver que justamente os piores elementos foram os mais manipulados. “Rocketman” valoriza suas particularidades. Por trás de todo o exagero, de toda a glorificação, da estética chamativa e das intermissões musicais há a história de um homem com problemas perceptíveis e acessíveis para o espectador que queira entender um pouco mais sobre ele. Basta estar aberto para notar que existem algumas lições a serem aprendidas nos eventos mostrados. Não como sermões de uma obra moralista e pouco sutil na transmissão de uma moral, e sim como aprendizados que o próprio protagonista abraça e aos quais a audiência tem o privilégio de conhecer. A despeito de deslizes no que jaz em torno, o cerne da história é bem representado.