Quando os MUTOs acordam de sua hibernação milenar e começam a devastar cidades sem esforço, um outro monstro surge para frustrar seus planos, tendo sucesso na derrota antes de retornar para os oceanos. Só há um porém: é quase impossível evitar danos colaterais quando se fala em criaturas de 200 metros. A humanidade descobre novos monstros, agora chamados titãs, e prefere deixá-los em segredo e em hibernação controlada, indo contra a vontade do exército de exterminar todos. Mas quando uma organização ecoterrorista começa a liberar os titãs a fim de deixar o planeta restabelecer seu equilíbrio sozinho a situação foge do controle e Godzilla ressurge. Sim, “Godzilla: King of the Monsters” faz jus ao seu título.
Confesso que a cada novo anúncio de produção envolvendo Godzilla surge um pouco de medo. Isso com certeza era mais justificável há uns anos, quando praticamente todas as tentativas de trazer o Rei dos Monstros para o ocidente resultaram em desastre ou, no mínimo, algo desnecessariamente pior do que a contraparte japonesa. Dois exemplos perfeitos são o “Godzilla” de 1998, desastroso, e a americanização do original de 1954 chamada também de “Godzilla, King of the Monsters!” com várias adições tidas como negativas. Mas então veio “Godzilla” em 2014 e mostrou que uma produção americana poderia dar bons frutos. Mesmo com o público apontando problemas, o espírito da obra era diferente e respeitava a essência da criatura. Não obstante, “Godzilla: King of the Monsters” ainda deixou um frio na barriga quando foi anunciado que King Ghidorah, Mothra e Rodan estariam envolvidos. O tamanho da queda subitamente aumentou.
Se tudo desse errado, sabe-se lá em quantos anos surgiria uma outra tentativa multimilionária com os monstros principais da Toho. “Vingadores: Ultimato” é um evento e tanto e até hoje tem quebrado recordes lá e cá, “Godzilla: King of the Monsters” é mais ou menos a mesma coisa em menor escala para os não muitos que acompanham Godzilla no cinema. Nada de um reptiliano que caminha na horizontal e é morto com mísseis fajutos como qualquer outro monstro, essa é a encarnação definitiva do Grande G no ocidente e que tem dado certo até o momento. Certo o bastante para planos envolvendo King Kong e outros monstros serem levados a sério. Este é o momento em que atores com roupas de borracha se tornam criaturas cheias de vida e com todas as possibilidades da tecnologia a seu favor para serem tão vivas e reais quanto possível.
A espera é recompensada. Foram cinco longos anos desde “Godzilla“, com apenas “Kong: Skull Island” servindo como um tipo de consolo não tão satisfatório no meio do caminho. Alguns acertos e idéias infinitamente melhores que as do King Kong da Toho ainda foram insuficientes, pois a vontade era por espinhos dorsais brilhando em azul neon e rajadas atômicas devastando tudo. “Godzilla: King of the Monsters” é a resposta perfeita para todos os espectadores que reclamaram da falta do Rei dos Monstros no último filme e estende sua presença para muito além dos 10 minutos. Sem ter de repetir o suspense de mostrar a criatura aos poucos, o longa se vê livre para mostrar fazer a revelação sem — muita — cerimônia e já mostrar um colosso brilhante no meio do oceano ainda no começo. Ademais, a presença de outros três monstros preenche ainda mais o tempo de tela com motivos similarmente satisfatórios para o espectador ficar empolgado.
“Godzilla: King of the Monsters” mostra como uma idéia simples pode ter um fundo de genialidade. Lembro-me de uma vez que um tio estava fascinado ao ver “Transformers” pela primeira vez, incrédulo pelo que o desenho dos Anos 80 havia se tornado com todos os detalhes no design dos robôs. Era como ver uma criança fascinada com seus carrinhos, só que a criança cresceu e o brinquedo evoluiu. Monstros gigantes são a mesma coisa. Nada de profundo ou revelador sobre a natureza humana ali, apenas uma releitura daquilo que toda criança já fez: construir um castelo de areia, baldinho por baldinho, e destruir tudo depois de pronto. Num nível básico, este filme resgata este sentimento de satisfação destrutiva ao colocar um monstro derrubando um arranha-céus inteiro em cima de outro numa batalha de puro instinto territorial. Há algo melhor do que isso? Bem executado, feito direito com cidades em miniatura ou metrópoles computadorizadas, é difícil pensar em outra coisa que se iguale pelo menos nos momentos em que a ação flui, os quais não são poucos aqui.
Ser uma das melhores experiências disponíveis de monstros gigantes demolindo cidades e a si mesmos não significa que problemas não existem. Quase como se fosse regra de filmes envolvendo situações tensas, existem diversos momentos em que se procura a lógica e apenas se encontra uma falta dela ou mesmo uma decisão estúpida. Então se pode pensar que pessoas sob pressão fazem besteiras mesmo, mas não convence. De todas as coisas que os personagens poderiam fazer, escolhem justamente a mais besta? Às vezes é difícil engolir isso em “Godzilla: King of the Monsters”, em especial porque esse problema é praticamente centrado na personagem de Millie Bobby Brown e sua única função de agir como criança impulsiva e causar problemas onde eles não deveriam existir. Quando esse é seu propósito aparente, o difícil se torna pensar em porque ela não foi cortada em primeiro lugar.
Outras questões são menores. É compreensível a tentação, por exemplo, de fazer um filme de monstro e compor uma cena com um humano enfrentando um titã de frente, mostrando claramente o contraste de tamanho e a impotência de um diante do outro. Também não é desculpa para três ou quatro momentos supostamente dramáticos destes, sendo que já se perde força na segunda vez. Isso é como o fato do diretor claramente gostar muito de Ken Watanabe pronunciando “Gojira” com a entonação mais classicamente japonesa que ele consegue, tanto que isso é ouvido pelo menos cinco vezes ao longo de “Godzilla: King of the Monsters”. Poderia ser menos? Talvez. Também poderiam ter se empolgado um pouco menos nas explicações constantes do enredo, porém até isto, que nem é uma questão tão mínima, acaba ficando de lado quando há tanto mais para ser visto em todo o resto.