A fazenda do Senhor Jones está caindo aos pedaços e ele não está nem aí. Os animais mal comem, trabalham como escravos e ainda são maltratados pelo dono da fazenda, sempre bêbado e agredindo os bichos sem motivo algum. Isso muda quando o porco mais velho do grupo reúne todos os animais para dizer algumas palavras, motivando todos a expulsar o fazendeiro cretino e instituir uma nova ordem mais justa. Todos concordam e logo as vacas, os porcos, as galinhas, as vacas e o resto começam a mandar no que vem a se chamar Animal Farm. Mas ainda existe o perigo de uma nova opressão quando os novos chefes começam a ter idéias.
Formalmente considerada a primeira animação do Reino Unido, “Animal Farm” é a adaptação direta do livro de George Orwell sobre uma fazenda que serve de analogia ao regime Stalinista. Como já foi dito muitas vezes antes, é o estilo Disney somado à ousadia de adaptar uma obra de forte teor político sem deixar que o estilo animado afete essa proposta, talvez um dos primeiros exemplos de animação não significando um produto direcionado para crianças. Isso definitivamente não é algo a se passar para crianças, que não entenderiam muito o que se passa e talvez até se chocariam com algumas cenas atípicas das aventuras Disney da época — os lançamentos eram “Peter Pan” e “A Dama e o Vagabundo”, só para comparar.
Se o conteúdo não falar por si, talvez o fato da CIA ter financiado a produção inteira e passado para uma empresa conhecida por filmes de propaganda ilumine um pouco mais o teor sóbrio. Confesso que não li o livro e não posso dizer exatamente onde os caminhos se divergem, porém parece que o caminho seguido foi próximo o bastante se os comentários ao longo dos anos valerem de alguma coisa. Parece muito improvável que desvirtuariam o enredo inteiro para transformar em uma sátira da história do Partido Comunista na União Soviética. Nem possível é porque a reputação do livro foi cimentada como tal há décadas.
O que se pode traçar de semelhança entre “Animal Farm” e outras animações da época é o formato. Trata-se de um filme tão direto ao ponto quanto poderia ser, 72 minutos de pura objetividade e narrativa seguindo em frente. Novamente, não posso dizer se há conteúdo cortado ou não, apenas imaginar e confiar na impressão de que a adaptação usa o enredo essencial e só, sem pausas para elaborar mais em um ponto secundário ou em uma subtrama. É uma filosofia ruim? De forma alguma. Talvez num caso em que conteúdo demais é cortado, algo que não parece acontecer aqui. É até refrescante ver que não se perde tempo em nada que não seja totalmente essencial para a progressão da história, a qual evita sofrer estagnação no meio do caminho e qualquer problema de ritmo.
Talvez uma narrativa tão direta ao ponto não seja o ideal para um roteiro que busque dar uma impressão de completude, de que não só a trama foi desenvolvida do começo ao fim mas também as subtramas que acabam complementando o argumento geral e até expandindo o conceito geral para outras áreas. Tal é o caso de coadjuvantes desenvolvidos a fim de tecer um comentário, contraponto ou reforço para o arco do protagonista. Mas que seja. Se esta não é a proposta de “Animal Farm”, não há razão para ficar imaginando o que seria se as coisas fossem diferentes. O livro está aí para preencher lacunas, caso haja necessidade.
Aliás, necessidade é uma palavra muito forte. “Animal Farm” já pode ser considerado bem-sucedido por sustentar-se por conta própria e, assim, despertar interesse pelo material-base. Uma adaptação ruim dificilmente despertaria alguma vontade de conhecer o que há por trás dela. Destaco isso porque o maior dos sucessos de “Animal Farm” é a história e seu desembaraço em ser uma analogia totalmente à vista, como um disfarce que não tenta disfarçar tanto assim. E não é por incompetência, mas por ousadia de estabelecer uma linha direta e inconfundível entre animais de fazenda e um regime político ainda em atividade. Só se poderia talvez criticar a qualidade da animação, que não se destaca em comparação com outras da época, e o trabalho de dublagem feito por apenas um ator interpretando todos os animais e vozes humanas, exceto pelo narrador de Gordon Heath. A despeito de tudo isso, é impressionante como a trilha sonora consegue o feito de criar um hino revolucionário para os animais que realmente fica marcado na cabeça e transmite certo ar de importância que só os hinos têm. Polindo algumas arestas, “Animal Farm” seria ainda melhor do que já é.
No fundo, são as palavras de George Orwell que se evocam através de sua grande encenação envolvendo porcos revoltados com o regime do humano dono da fazenda. Mais do que isso, é um reflexo claro e perfeitamente válido de como a luta contra a opressão usando as ferramentas do opressor não é mais do que a perpetuação da opressão, só que com outras pessoas ocupando as posições de antes. Seria Orwell genial por contar uma história válida mais de 70 anos depois de seu lançamento ou a humanidade patética o bastante de continuar repetindo os mesmos erros?