Munich, 1972. Onze membros da equipe olímpica de Israel são tomados como reféns por um grupo palestino exigindo a libertação de prisioneiros de Israel e da Alemanha Ocidental. Depois de quase 24 horas de insegurança, todos os reféns e alguns terroristas são mortos. Israel decide retaliar com uma operação secreta reunindo uma equipe dedicada a localizar e assassinar os responsáveis pelas mortes em Munique. Cinco homens com a missão de dedicar seu tempo e esforço para finalizar o tempo de outras pessoas na Terra, homens que não existem e não trabalham para ninguém nem fazem nada em nome de nenhum país. Só existe a missão e seus objetivos.
A premissa de “Munich” poderia ser facilmente de um filme de ação. Nas mãos de um diretor que busca operar sob essa abordagem nem seria muito difícil imaginar os cinco membros da equipe como um grupo de especialistas lendários, cada um entendendo de sua função melhor do que qualquer outro no ramo. Daí nasceriam os personagens supostamente icônicos: o brutamontes que se sente em casa numa carnificina; o integrante que nunca abre a boca e dá medo até mesmo em seus parceiros; aquele que claramente é louco, mas pelo menos sabe fazer seu trabalho; e o personagem humano, cujos conflitos o aproximam da audiência e fazem dele o protagonista. Os alvos são impossíveis e apenas esta equipe de desajustados pode alcançá-los. Ou seria essa a descrição de “Guardians of the Galaxy“? Bem, a idéia básica mostra quão longe se pode ir na avenida da imaginação. Nenhuma das possibilidades pouco inspiradas e exageradas é representante do que se vê aqui, felizmente.
Isso também não quer dizer que a entonação seja aquela coisa chata de que às vezes se lembra quando se fala em um drama histórico e em uma história compromissada com os fatos, com manter a seriedade em todos os momentos. “Munich” é uma história sobre outras coisas, sobre como essa mesma descrição, facilmente imaginável numa execução dita hollywoodiana, muda completamente quando o filtro da realidade entra em jogo e mata o romance e a fantasia. Já não é mais uma missão impossível realizada por indivíduos curiosos sem nada a perder e com apenas um objetivo. Agora estas pessoas possuem personalidades e questões pessoais evidentes, nada como uma caracterização enfeitada, frases marcantes e eventos incríveis carregando a história para frente em uma estrada ladrilhada pelo fantástico. É como comparar a expectativa e o que eventualmente acontece na vida: mesmo que as coisas sigam mais ou menos os planos, quase sempre há uma boa quantia de detalhes imprevistos.
O personagem principal representa essa idéia perfeitamente. A única parte aplicável do que foi descrito antes é a dele ser o mais relacionável e próximo do espectador, o que vale para praticamente qualquer protagonista de qualquer história, já que não seria possível se aprofundar em todos os personagens no tempo limitado de um longa-metragem, mesmo um longo como esse de 164 minutos. Certa cena do começo mostra o protagonista de Eric Bana cozinhando para seus companheiros, que aproveitam a ocasião para se conhecer melhor. Assim se nota perfeitamente como a verdade é menos elegante até mesmo em uma missão de alto risco, tão secreta quanto importante para os interesses da nação. O contexto praticamente exige um pouco do clichê dos profissionais insubstituíveis e mesmo assim os personagens debatem que o líder da equipe só é líder porque cozinha um belo Brisket.
“Munich” é sobre como o simples às vezes cresce e se torna um monstro. Quando algo que parecia direto ao ponto e facilmente analisável em todas suas dimensões evolui incontrolavelmente até que o indivíduo se dá conta do problema e já não pode mais fazer nada porque já está imerso demais. Mesmo pessoas imperfeitas como as escolhidas para a missão poderiam avaliar bem e dizer que não é nada mais do que mais um trabalho, outra missão como qualquer outra e novamente ver como a realidade frustra a expectativa. A diferença é que dessa vez a frustração não vem através da imprevisibilidade, e sim da exata fonte de onde se esperava desde o início. A razão para todos aceitarem a missão já sela o que estava por vir, não foi por acidente ou azar que as coisas acontecem.
“Munich” também é sobre padrões humanos e a decepção que invariavelmente nasce quando são descobertos. Colocar-se no lugar de uma pessoa normalmente é o bastante para quebrar essa noção e entender o que passou por sua cabeça para fazer o que fez; ao mesmo tempo, não se pode esquecer de que sempre há uma contrapartida para a existência individual vista na experiência coletiva. “Munich” não só expõe esses padrões como também o faz sem deixar este processo explícito, evita deixá-lo cru e sem graça quando não esquece justamente do lado individual responsável pela essência humana do processo. A dualidade sempre faz sua presença ser percebida como um agente da insegurança, o tempero de uma história que lembra o espectador dos dois lados na edificação de uma situação envolvente, cujas idiossincrasias todas importam se o objetivo é fazer o espectador se importar também. Ver um padrão coletivo por si tem tanto entretenimento quanto analisar dados frios, mas tem sua importância e se torna muito mais interessante quando os indivíduos têm sua jornada exposta dentro desse padrão.
São os puxões revezados e constantes entres esses pólos que mantêm um filme de quase 3 horas de pé, sem se deixar tornar cansativo no meio do caminho. Poderia ter sido o caso se a trama bruta for considerada, pois um bom tempo é gasto com os personagens numa mesma situação fazendo as mesmas coisas de antes e com perspectiva de continuar as fazendo no futuro. “Munich” evita isso ao unir a esfera psicológica de seus personagens com o ciclo de retaliação e violência supostamente justificada pelo dever, fazendo o espectador pensar tanto no absurdo estúpido do ciclo vicioso de pessoas explodindo umas às outras como nas pessoas que são as ferramentas dessa agressão sistemática. Outros elementos inferem nesse nível de sucesso narrativo, alguns em maior ou menor grau e todos essenciais para o sentimento de unificação transmitido aqui. Talvez o personagem de Daniel Craig seja um pouco raso e artificial em momentos, mas até ele com suas limitações no mínimo cumpre seu papel de garantir um sucesso geral ainda que o individual fique para trás. Defeitos existem em “Munich”, nunca em quantidade ou impacto o bastante para desvirtuar seu propósito maior de funcionar como história.