É quase impossível lembrar de outra coisa além de “Querida, Encolhi as Crianças” ao ver a premissa de “Downsizing”. Talvez “Homem-Formiga“. No que mais pensar quando o assunto é encolhimento de seres humanos? Claro, aqui a idéia é ser diferente de só fazer comédia ou de super-heróis. Esta obra de Alexander Payne trata o assunto com certa seriedade, no sentido de que é um elemento narrativo central com ramificações em níveis econômico, social, filosófico e pessoal. Não significa que o assunto é levado a sério demais, como se fosse um estudo aprofundado do impacto de tal invenção científica nessas áreas. Há um pouco de comentário, um pouco de comédia, um pouco de drama e ótimas atuações somados em um produto fascinado demais com seu próprio tema, sem um enredo fazendo o universo ter função, argumento, comentário e sem ir a lugar algum.
Um grupo de cientistas Noruegueses chega na descoberta mais importante de suas vidas e provavelmente uma das maiores da humanidade. O mundo muda quando eles conseguem encolher um ser humano até ele ter mais ou menos 15cm de altura. Isso significa a morte da maior parte dos problemas modernos do ser humano. A superpopulação acarreta na escassez de infraestrutura e de recursos, mas para um ser humano pequenino um copo de água é o suficiente para meses e meses. O dinheiro necessário para viver em tamanho grande se torna uma fortuna, afinal de contas a matéria prima necessária para qualquer coisa é muito menor. Paul Safranek (Matt Damon) decide mudar de vida junto com sua esposa, porém ela desiste na última hora e o abandona, deixando ele descobrir por conta como se reinventar num mundo relativamente novo.
De cabeça, é difícil dizer exatamente qual seria uma boa premissa para “Downsizing”. “Jurassic Park“, embora não seja a obra mais parecida para tecer uma comparação, é muito mais claro quanto a este aspecto: cientistas conseguem ressuscitar dinossauros usando manipulação genética e os reúnem em uma ilha a ser transformada em atração para o público, então tudo dá errado e os maiores predadores da Terra ficam soltos para fazer o que sabem. Aqui as circunstâncias não deixam evidentes o que pode dar errado, por exemplo. O processo de miniaturização dá errado a longo prazo e as pessoas começam a ficar doentes? Animais antes inofensivos se tornam novos predadores e ameaçam os planos de longevidade da humanidade como raça? A economia passa a sofrer com a redução de consumo das pessoas pequenas e elas se tornam alvo da violência de cidadãos radicais? Nada disso acontece. Sendo justo, ao menos alguns desses pontos são sugeridos ou comentados e, teoricamente, não deveria ser um problema a falta de um objetivo imediatamente identificável.
Há formas e formas de desenvolver uma história e não é por falta de uma dinâmica conhecida que ela deve ser criticada. Vários filmes surpreendem por entregar algo completamente diferente da expectativa sem decepcionar, pois de mudança por si o cinema está cheio, especialmente o independente, experimental e dito artístico — mais para um “art house” ou “artsy” do que “art”, usando o inglês. Nestes últimos casos, o melhor adjetivo é pretensioso, mas ele não se aplica a “Downsizing” porque seu problema não é tentar ser mais do que é. Chega a ser frustrante, na verdade, o contrário: ele aparentemente não quer chegar a lugar algum.
A idéia de pessoas aceitarem diminuir de tamanho para ter uma nova chance em um mundo menos competitivo e menos regido por dinâmicas socioeconômicas é muito boa. Até diria que é um bom atrativo para atiçar a curiosidade do público se a bilheteria não tivesse sido um desastre, que ficou mais de U$10 milhões abaixo de seu orçamento total. Sabendo que não é uma comédia de fazer gracinha com o cara pequenininho, foi fácil morder a isca inicial de se interessar pelo assunto base e acredito que talvez o mesmo tenha acontecido com os roteiristas de “Downsizing”. Eles parecem maravilhados com o conceito de diminuir as pessoas e ver como isso muda tanto a vida das pessoas transformadas como o resto do mundo. Assim, grande parte do tempo é gasta com a simples exposição do estilo de vida miniatura; primeiramente introduzindo como e por que o protagonista decide fazer a mudança, depois passando o resto do tempo mostrando as particularidades de ser pequeno.
Funciona por um tempo até que o espectador começa a se perguntar qual é o propósito de “Downsizing”. Onde ele quer chegar? Qual o objetivo? O que o protagonista deseja? Para onde as coisas vão? E, bem, essa resposta nunca chega de fato. É tão notável esse problema que chega um momento em que o filme parece ficar autoconsciente de seu próprio dilema e do nada cria um clímax solto, desconectado de uma ligação lógica com a construção narrativa prévia porque, bem, não há algo do tipo a ser encontrado antes. O filme não peca por falta de conteúdo, por ficar um tempão vagando num limbo e desperdiçando o tempo do espectador. Talvez o problema seja justamente apresentar pontos de vista e perspectivas diferentes acerca de um mesmo ponto sem se aprofundar em nenhum deles. Por muito tempo há exploração de universo e exposição dos detalhes e minúcias. Isso logo fica velho, perde a graça e a experiência sofre com isso.
Não chega a ficar arrastado porque as interpretações e o ritmo de “Downsizing” garantem que pelo menos a atenção se mantenha, ainda que talvez o interesse se esvaia parcialmente. Alexander Payne mantém sua reputação como um diretor que consegue extrair ótimas performances de seu elenco e isso é visível em cada papel, grande ou pequeno, carregado de presença e um sentimento de relevância. Vários deles não têm importância de fato, senão a narrativa teria mais direcionamento do que se encontra, porém eles conseguem criar a ilusão de que são importantes, o que já faz muito pela manutenção de atenção. Christoph Waltz, por exemplo, não é exatamente essencial para nada e entrega um espetáculo em cada cena, assim como Hong Chau, surpreendentemente, e Udo Kier. Mesmo com esses pontos positivos, o problema crítico dessa obra é se perder um pouco no efeito “Jurassic Park“, dessa vez mais aplicável na comparação. Ele se apoia no sentimento de maravilha em torno da criação de algo inédito e de fato convence o espectador a achar aquilo incrível também. A diferença é que isso não dura para sempre e a história eventualmente vai para algum lugar, diferente do que acontece aqui.