Robert Conway (Ronald Colman) lidera uma missão de extração de civis de uma zona de perigo na China. Os aviões ingleses chegam um atrás do outro para resgatar as pessoas enquanto os chineses chegam cada vez mais perto com armas em mãos. Finalmente chega a vez de Robert evacuar junto de outras pessoas quando algo estranho acontece. Depois de deixar a China muito para trás, o avião continua e continua num trajeto estranho, diferente daquele planejado anteriormente. Uma longa viagem depois e o avião chega num lugar surreal em meio ao tempo horrível das montanhas dos Himalaias. “Lost Horizon” conta a história da chegada desse grupo em Shangri-La.
“Lost Horizon” é um exemplo perfeito de obra cujo conteúdo a sobressai. Não é todo mundo que sabe que Shangri-La surgiu de um livro de James Hilton escrito em 1933, é mais comum encontrar pessoas que conhecem o lugar ou ao menos ouviram o nome antes. Ele ficou marcado na cultura popular como uma referência de um paraíso possível, um exemplo de utopia em que as coisas dão certo e as pessoas são felizes sem a interferência da podridão do mundo externo. Ao contrário de crenças envolvendo um lugar perfeito após a morte, Shangri-La fornece tudo isso ainda em vida enquanto proporciona a existência mais nobre ao alcance humano. Ademais, são vários os lugares reais homenageados com o mesmo nome, de um balneário paranaense até um jardim de azáleas no Texas. Mesmo assim, a obra de onde tudo isso surgiu acabou ficando em segundo plano.
Não é de se surpreender, então, que a primeira adaptação cinematográfica da obra também seja pouco comentada, mesmo sendo muito competente e dirigida por Frank Capra, um dos maiores diretores da velha Hollywood. Feita apenas quatro anos após o lançamento do livro, nem dá para dizer que ela se apoiou no mito que se criou ao longo dos anos. O filme nasceu no calor do momento e teria saído ainda antes se as condições houvessem permitido. Ainda hoje, parte da reputação de “Lost Horizon” envolve a produção incrivelmente problemática seguida de um lançamento farto de discordâncias, brigas e deslizes. Os poucos comentários da obra em si só prolongam o fenômeno da desinformação sobre a origem do tal lugar paradisíaco, evitando que novas audiências conheçam não só isso mas também um notável trabalho da carreira de Capra.
Mesmo sem um elenco igualmente bem desenvolvido, o que se tem já é o bastante para não ser um tipo de visão limitada do lugar, com todos felizes e gratos de estarem em um lugar maravilhoso. Isso nunca acontece. A primeira impressão que se tem da situação é de desconfiança e surpresa, com o espectador compartilhando o fascínio dos personagens por um lugar tão incomum e querendo saber mais sobre ele em um nível básico. Mais especificamente, experimentar em primeira mão as qualidades de um local tão fora do comum, o auge da civilização onde ninguém procuraria. É um processo de descobrimento orgânico valorizado pelo roteiro, que sabe despertar a curiosidade e a conduzir sem depender exclusivamente dela para trabalhar o enredo. Assim como a maior parte das coisas na vida, até Shangri-La perde a graça inicial e necessita de outras coisas para se manter interessante.
É aí que as perguntas mudam. Em vez de exploração espontânea, as pessoas querem saber outras coisas mais sérias, por assim dizer. Como a população chegou ali? Quem dita as regras? Como tudo dá tão certo? As reações iniciais mudam e parece que o lugar finalmente perderá sua magia inicial para revelar algo terrível, como dita um clichê de obras desse tipo. Basta dizer que “Lost Horizon” consegue evitar esse caminho previsível e até introduzir uma ou duas viradas interessantes quando parece que não há mais tempo para elas.
Eu mesmo conhecia apenas muito superficialmente a história em torno de Shangri-La. Também sabia mais sobre o que se dizia do lugar na cultura popular do que sobre a jornada de um grupo de personagens até lá. Para alguém que não conhecia muito sobre nada, “Lost Horizon” apresentou uma história sólida, soube mostrar a complexidade filosófica e temática da existência de um lugar glorioso e desenvolver uma aventura sobre um grupo de chegados descobrindo os segredos do lugar. Não posso traçar paralelos com o livro para dizer qual o nível de profundidade e fidelidade da adaptação, apenas dizer que fiquei satisfeito com o que vi. Houve a impressão de que todos os detalhes essenciais foram contados e que a aventura como um todo não teve nenhum furo perceptível, algum aspecto evidentemente negativo.
Se fosse apontar algo perto disso, diria apenas que “Lost Horizon” poderia ter explorado melhor alguns personagens para além de um tratamento superficial. Dentre os cinco passageiros do avião no começo, apenas um é desenvolvido a fundo por ser o protagonista; outros dois têm tempo de tela de qualidade baseado em interações engraçadas e pouco relevantes num geral, mas boas para entreter e destacar os indivíduos de alguma forma. Já não é o mesmo que se pode dizer dos dois passageiros restantes e de alguns outros coadjuvantes, que apenas aparecem sem abrir muito a boca e deixar uma impressão duradoura. Alguns até têm função, como um ser o dissidente principal do grupo e outra ser o interesse romântico do herói, mas alguns nem disso podem se gabar. Mal aparecem e mal fazem a diferença, são todos oportunidades perdidas.
Outro ponto que pode incomodar um pouco as audiências contemporâneas é a qualidade dos efeitos especiais da obra, que completou 80 anos em 2017. Nada inédito, dadas as circunstâncias da época. Mesmo com um orçamento ridiculamente inchado, os efeitos normalmente caminham na fina linha entre o minimamente aceitável e o tosco. Todo o dinheiro foi usado, curiosamente, para satisfazer caprichos peculiares de Frank Capra que não necessariamente mostram frutos concretos, como finalizar com 300 mil metros de rolo de filme ao fim da produção. Mesmo assim, não dá para dizer que algo assim anula todos as outras conquistas de “Lost Horizon”. Com uma boa margem, são estas últimas as responsáveis por uma obra que leva o espectador em uma expedição não menos que memorável.