Seis contos do Velho Oeste. “The Ballad of Buster Scruggs” é, na verdade, apenas o nome do primeiro destes seis. O rapaz do título é um caubói passando de canto em canto em busca de aventura e canção e freqüentemente tendo que resolver seus problemas usando um revólver. Seguindo a mesma linha, outras pequenas histórias exploram partes diferentes do mito do faroeste na seqüência, estrelando um dia peculiar na vida de um ladrão de bancos, a rotina repetitiva de apresentadores de rua, um garimpeiro em busca de fortuna num canto remoto da natureza, a grande migração de um grupo de viajantes procurando um futuro mais brilhante e, finalmente, as fofocas e devaneios nascidos em uma longa viagem de diligência.
A primeira referência é clara: “How the West Was Won“. Um clássico da velha Hollywood, trata-se de outra antologia envolvendo diferentes grupos de personagens tentando a sorte durante a expansão ao oeste americano; grandes diretores e grandes atores em uma grande história dividida em segmentos. As outras são mais sutis, como a última história seguir o mesmo molde do clássico “Stagecoach“, além de uma outra dezena de detalhes que podem ser ligados diretamente ou tematicamente ao passado do gênero. No entanto, uma outra ligação importante não tem nada a ver com o faroeste, mas com uma obra recente dos próprios irmãos Coen focada em um período específico da história.
O filme em questão é “Hail, Caesar!” e isso é um tanto preocupante. Seu grande problema é parecer fascinado demais com alguns pontos específicos da era de ouro de Hollywood e priorizar conceito sobre conteúdo. O resultado é uma recriação impressionante destes mesmos pontos sem qualquer profundidade, personagens e trama notavelmente precários. Então surge “The Ballad of Buster Scruggs” com a proposta de revisitar algumas áreas do faroeste em histórias diferentes, novamente parecendo a celebração rasa de algo apreciado pelos cineastas. Mas não, um detalhe elementar da proposta deixa claro que um passo é dado na direção certa: cada conto é uma história autocontida, sem ter um elo fraco como desculpa para tentar ligar tudo.
Vale notar que é apenas uma impressão passageira. “The Ballad of Buster Scruggs” deixa evidente sua separação de “Hail, Caesar!” em termos de formato e principalmente de qualidade. O tom cômico, antes fora de sintonia e sem graça, agora ostenta naturalidade e sutileza, parece um toque especial e pouco forçado. Há um ar perceptível, nunca dominante, de uma história consciente das convenções de gênero sem que chegue a reconhecê-los em um nível metalingüístico, por exemplo. Há uma risadinha de fundo dos diretores permeando a maior parte do longa, às vezes mais literalmente como no conto do próprio Buster Scruggs e com maior seriedade em momentos que preferem desconstruir o estereótipo usando viradas na própria trama. Não obstante, alguns traços característicos da dupla de diretores retornam, entre eles a violência surpresa e a peculiaridade de personalidades de alguns personagens. Nada invasivo, apenas uma marca registrada marcando presença.
Quanto às histórias propriamente ditas, não são todas que conseguem manter um nível consistente. Depende de espectador para espectador qual o melhor e o pior segmento, assim como não duvido que cada um tenha seu favorito e aquele que não se encaixa com os outros. No meu caso, a terceira história se destaca muito negativamente, sem estabelecer o mesmo nível de observação crítica ou sátira dos outros nem contando uma boa história em si. É um trecho chato pela repetição, principalmente. Isso, rotina e desgaste fazem parte de um núcleo envolvendo o lado mais monótono do oeste, ao passo que a aplicação destes elementos enfatiza como eles são, bem, mal aplicados. Tudo isso deixa aparente como a idéia para o segmento soa incompleta em sua essência, então é apenas natural que o desenvolvimento seja decepcionante.
As outras de forma alguma podem ser criticadas assim. A primeira pende mais para a comédia ao trazer o estereótipo mais conhecido do Velho Oeste acompanhado de uma caracterização bem… diferenciada. Buster Scruggs usa uma roupa totalmente branca sem um pontinho de sujeira e sai por aí como alguém socialmente desajustado, mas inclinado a interagir com as pessoas; alguém meio bobão com palavras demais na boca entrando em confusão sem querer e saindo dela porque é ridiculamente rápido no gatilho. Não é exatamente o galante caubói calado que não mexe com ninguém. Já as três restantes escolhem abordagens menos explícitas para revisitar algumas esferas da vida naquela época. Algumas são histórias normais com pouquíssima sátira e apenas uma virada para dar um toque de tragédia ou de surpresa, por exemplo, enquanto centram-se em algum elemento clássico do faroeste como a corrida do ouro e índios hostis. Exceto pelo trecho que não se mistura, todos dão um jeito de chacoalhar os mitos populares de forma esperta.
Outro ponto impossível ignorar é a fotografia de Bruno Delbonell. Curiosamente, nenhuma das três indicações ao Oscar de “The Ballad of Buster Scruggs” é para seu trabalho como cinematógrafo, que até dá pra dizer que é ajudado pelos cenários naturais nada menos que maravilhosos. Mas só paisagens bonitas não caracterizam um bom trabalho, até porque este inclui a iluminação e captura de ambientes fechados, onde tudo pode parecer muito mais feio se não for preparado adequadamente. Delbonell dá seu toque em todas as cenas. Com certeza não é acidental que a maior parte do filme seja feita das imagens nítidas e detalhadas de uma grande profundidade de campo, assim como não é coincidência que lentes de 27mm tenham sido dominantes nas filmagens. Valoriza-se especialmente os planos gerais capturando a imensidão do ambiente sem medo de aspectos como espaço negativo dentro do quadro, pois tudo faz parte do horizonte não desbravado. Somando isso a uma imagem HDR em 4K, o resultado é algo memorável e uma boa lembrança de outros grandes trabalhos fotográficos do gênero, tal como “Unforgiven” de Clint Eastwood e sua variedade de cenários além da clássica planície desolada.
“The Ballad of Buster Scruggs” poderia ter dado muito errado. Tendo em mente um filme recente dos Coen e sua abordagem similar de homenagear, satirizar e revisitar um período específico, poderia se esperar os mesmos problemas de novo. Mas não, melhor do que criar uma desculpa ruim para unir todas as piadas sem graça e as homenagens é fazer cada idéia ser um conto separado dos outros. O único problema dessa proposta é uma destas histórias ser fraca e prejudicar o conjunto da obra como um identificável ponto baixo. De resto, imagens incríveis e bons enredos representam a celebração de um gênero clássico como ela deveria ser.