“What They Had” conta a história de uma família problemática. Bridget (Hillary Swank) saiu de Chicago há anos para constituir família com o marido, deixando para trás a vida como ela a conhecia para começar sua própria história. Ela mantém contato, mas vez ou outra ocorrem visitas em circunstâncias menos calorosas do que um reunião de família. Ruth (Blythe Danner), sua mãe, tem Síndrome de Alzheimer em constante declínio e, mais recentemente, traz a filha de volta para uma dessas visitas quando sai de casa durante a noite sem avisar ninguém e sem saber para onde ir. A situação está ficando incontrolável e deve ser resolvida a todo custo, mas Nick (Michael Shannon) e Burt (Robert Forster), irmão e pai, têm opiniões bem diferentes a respeito do que fazer.
Toda família tem seus próprios problemas. Enquanto adolescente, pode parecer perfeitamente natural se sentir injustiçado porque todas as falhas dos pais subitamente ficam muito perceptíveis. Do incômodo ao atrito, conflitos surgem de uma forma que até então não haviam. As brigas deixam de centrar-se em assuntos pequenos e passam a ser essencialmente diferenças críticas de personalidade e de visão de mundo. É com cada conflito que a personalidade se molda em algo mais único, qualidades entrando e discordâncias saindo até que a pessoa se torna menos um produto direto das influências de seus pais e mais um indivíduo singular. “What They Had” trabalha as consequências tardias desse processo e a como a convivência se altera, para bem e para mal, conforme os anos se passam e cada um se sente mais senhor de si mesmo. No entanto, a riqueza de conteúdo é mais ou menos inerente do tema escolhido, não necessariamente fruto de como a trabalha com eles. Pensar em todas essas questões não é o mesmo que encontrar uma discussão bem colocada ou um desenvolvimento narrativo no mesmo nível de complexidade que a natureza do assunto.
Os quatro personagens principais representam a estrutura básica do conflito de personalidades. Burt é o mais velho do grupo e, não surpreendentemente, o mais teimoso e com as crenças mais rígidas. Nick e Bridget vêm na sequência, a próxima geração e a primeira a demonstrar algum tipo de descontentamento direcionado às decisões dos mais velhos, além de também demonstrarem diferenças entre si na forma como encaram uma mesma situação e no caminho seguido ao longo da vida. Um pouco mais adiante na linha do tempo, Emma (Taissa Farmiga), a filha de Bridget, representa o elo mais jovem dessa corrente de seu próprio jeito caracteristicamente adolescente. E é claro, “What They Had” é também uma história sobre a doença de uma pessoa abalando uma estrutura familiar já naturalmente instável. O arranjo dos personagens é como um caos latente, apenas controlado o bastante para não suportar a mínima pancada que o Alzheimer mais do que garante.
Não se pode criticar a ambição ou a diversificação complexa do conceito elementar de conflito quando pode-se encontrar dissemelhanças intergeracionais, outras pessoais-individuais e ainda um ente querido doente exigindo paciência e empatia de gente sob tensão. Até onde Michael Shannon, Robert Forster e Blythe Danner estão envolvidos, a execução funciona. Shannon impressiona até mais do que normalmente com um personagem fora da relativa zona de conforto do ator; distante do personagem durão e seco, mais como um machado brutal do que como uma espada perigosamente afiada. Há um tanto mais de banalidade em seu personagem, como se um filtro de normalidade urbana fosse aplicado a ele e lhe desse um ar de cidadão comum com problemas comuns.
Longe de desinteressante, essa caracterização é apenas o exterior do personagem, a parte que diz respeito à forma como ele se porta e seu jeito. Suas crenças e atitudes pertencem a outro departamento, mais ligado ao espectro psicológico e social de sua vida, ambos influenciados e construídos indiretamente através do convívio com outras pessoas. Por exemplo, fica perfeitamente evidente que há um tipo de história passada sempre que Shannon interage com Forster. Pode parecer óbvio, considerando que é uma relação pai e filho, porém o referido histórico tem mais a ver com a popular roupa suja, brigas e ofensas e conflitos mau resolvidos ao longos dos anos. É o tipo de sensação que só existe por causa de atuações ricas em subtexto.
Mas, claro, “What They Had” não depende só deles para funcionar. Existem outros três atores envolvidos apenas no campo das atuações e é aí que a situação fica progressivamente pior. Família é um contexto especialmente complicado de representar por conta de todos os envolvidos terem um nível de relação mais íntima, mais presente e mais constante que vários outros tipos de ligação. Por exemplo, até mesmo um filho sem contato com o pai carrega certa carga emocional em qualquer interação com ele, por mais que esta carga seja fruto de sua própria fantasia a respeito da figura ausente. Não existe — ou, ao menos, não soa crível — um relacionamento sem qualquer tipo de química, positiva ou negativa. E quando Hillary Swank atua ao lado de Shannon, por exemplo, simplesmente não há conexão alguma ali. Não se encontra uma camaradagem, um sentimento de saudade ou nostalgia, apreço ou qualquer sinal do laço característico entre dois irmãos. Eles falam e falam sem parecer que há algo verdadeiro ali no meio. Talvez pareça um problema tanto de Swank quanto de Shannon, mas o mesmo se repete com as cenas dela com Taissa Farmiga, que tem sua personagem toscamente resumida a uma adolescente em plena rebeldia contra a mãe e suas tentativas de se aproximar. Definitivamente não é nada como o relacionamento ardente e ambíguo entre mãe e filha de “Mildred Pierce“, por exemplo, é apenas uma troca de farpas sem fidedignidade alguma.
No geral, as idéias de “What They Had” estão organizadas em uma narrativa coesa. Coesa, não eficiente. A maioria dos conflitos é importante para a narrativa e somaria para o macro-objetivo de criar um conflito multifacetado se não estivessem fora de sintonia. De certa forma, não parece que o momento de uma briga ou discussão é o melhor ou modestamente apropriado. Falta progressão, falta um pouco de intensidade crescente nas cenas anteriores ou, possivelmente, um sentimento de que o súbito aumento de drama é justificado. As idéias certas estão ali, só não bem organizadas e dispostas de forma que o potencial da obra seja alcançado. Mais do que tudo, este filme é uma oportunidade perdida, especialmente por não receber tanta atenção e consequentemente ocultar pontos fortes como a atuação de Michael Shannon.