“Roman Holiday” continua tão bom quanto na primeira vez. A história começa com a rotina real da Princesa Ann (Audrey Hepburn) e as inúmeras visitas a incontáveis países, respostas prontas e demonstrações eternas de cortesia para o representante de uma organização importante ou para o embaixador de uma nação amiga. Ela simplesmente se cansa de tudo isso e decide fugir do palácio para fazer o que bem entender na cidade, onde coisas mais interessantes aparentemente acontecem. É nas ruas que ela esbarra em Joe Bradley (Gregory Peck), um jornalista que demora um pouco para reconhecê-la como a princesa, mas logo vê a oportunidade para um furo gigantesco nos jornais. Juntos, os dois aproveitam o dia para se divertir em Roma.
Normalmente considerado como o verdadeiro começo da carreira de Audrey Hepburn, “Roman Holiday” marcou a estréia da atriz em uma grande produção. De figurante em produções européias a trabalhar com um dos maiores diretores em atividade em meros cinco anos, sua carreira justificadamente explode por se mostrar à altura de um dos melhores filmes da era de ouro de Hollywood. Chega a ser besta apontar roteiro, fotografia, direção, figurino e ambientação como os pontos altos e dizer que eles trabalham muito bem em conjunto. Todo filme que se preze tem a cooperação de áreas diferentes como a qualidade definitiva de fazer cinema, unir capacidades e profissionais e personalidades variadas em prol de um mesmo objetivo. Mesmo assim, este é um caso em que tudo simplesmente se encaixa direitinho, como se houvesse uma sintonia conhecida por todos os envolvidos.
Não é à toa, talvez, que “Roman Holiday” venceu 3 Oscars justamente por roteiro, figurino e atuação. Este último, surpreendentemente, fez da estréia de Hepburn um evento ainda maior do que já era. Ela não só ganhou uma oportunidade gigante e crédito junto com Gregory Peck, que já tinha uma carreira bem estabelecida, mas também venceu o Oscar de Melhor Atriz em sua estréia, o único de sua carreira. Um incrível feito justificado ou mais uma peculiaridade de Hollywood? Sendo justo, as primeiras cenas — provavelmente as mais exigentes do filme —não demonstram razões convincentes para tanto alarde. A personagem deveria demonstrar uma crise de nervos, estourar de raiva e frustração por conta da rotina chata que veio engolindo calada a vida toda. É infeliz, pois um chilique decepcionante marca presença logo após uma introdução quase não verbal da situação, em que a mágica de William Wyler ilustra o incômodo e tédio da garota quando ela tira o pé do salto debaixo do vestido sem ninguém ver. É quase como uma versão sofisticada da criança dizendo que a comida está boa e dando para o cachorro debaixo da mesa.
Felizmente, esses fracos primeiros momentos são breves e logo ficam para trás. Parece mais um caso da atriz começar o filme mal e pegar o ritmo logo na seqüência. “Roman Holiday” ajuda bastante a atriz porque todo o resto do filme não volta a mostrar cenas envolvendo as mesmas demandas do começo. Basta a princesa decidir que vai fugir do palácio para passar um dia na cidade e a situação melhora. Como o título original diz, é um feriado em Roma: mergulhar em nada mais que sentimentos positivos e fazer coisas legais de manhã até a madrugada. Foi a chance perfeita para Hepburn emplacar o jeitinho tão associado a ela, a menina meiga e um pouco ingênua, inexperiente em algumas áreas e com o coração enorme contagiando todos. E é claro, o charme exótico de uma garota bonita sem se encaixar em nenhum padrão. É uma beleza com imperfeição, incomparável justamente por este motivo.
Outro ponto que ajuda muito a atriz é sua união com Gregory Peck. Chame “Roman Holiday” do que for, ele ainda é uma comédia romântica. Mas diferente de todos os exemplos contemporâneos de mau gosto, aqui é apenas uma designação que nada diz sobre a qualidade do produto. Os primeiros momentos da princesa com o jornalista na cidade dão uma dica do que vem a seguir sem fazer disso um sinal gritante de previsibilidade, além de não mudar em nada a execução do enredo em si. Ou seja, a química dos dois atores principais evita que o filme seja um longo exemplo de duas pessoas em um encontro chato, no qual o papo não flui e os dois tentam se distrair do tédio. Pelo contrário, a relação já começa especial quando circunstâncias atrapalhadas unem os dois bem antes deles decidirem fazer o tal grande passeio e se conhecerem de fato.
A história é leve e simples. Sua maior tarefa é tornar aquele dia tão memorável e divertido para a princesa quanto para o espectador. A maior parte do tempo se passa indo de uma atividade para outra, da Fonte de Trevi até o Coliseu, à Boca da Verdade, ao Palácio Brancaccio e a um baile numa balsa do Rio Tibre. Por nenhum espectador buscar em “Roman Holiday” um tipo de passeio turístico —assim espero — a obra não usa os lugares por si. Tudo funciona porque eles são tratados pelo que são: cenários. Extravagantes, mas cenários ainda assim. Se não fossem os personagens dando um jeito de embelezar cada passeio com o júbilo extravasante da boa companhia, seria uma experiência tudo menos divertida. Não se pode reclamar de falta de entretenimento ao ver uma garota achando que cada café de rua e feira são maravilhas do mundo.
E não é só isso. A receita para o sucesso envolve mais que duas pessoas se divertindo em cenários italianos famosos. Tudo isso é ótimo e convida o espectador a participar da experiência, rindo e se deleitando em ver duas pessoas se divertindo com tanta naturalidade. Entretanto, há um elemento a mais para apimentar a dinâmica e não fazer de “Roman Holiday” um poço de felicidade sem direcionamento. Os toques geniais da obra provêm diretamente do roteiro de Dalton Trumbo, salpicadas amargas vindas das segundas intenções de Joe Bradley a respeito dessa aventura. O espectador visita alguns lugares bacanas e encontra entretenimento nas aventuras da dupla pela cidade e, ao mesmo tempo, sabe que há algo um tanto menos bonitinho e alegre em jogo.
É seguindo essa linha que “Roman Holiday” eventualmente chega na conclusão forte que costuma faltar nas obras do gênero, muitas destas seguindo o mesmo modelo rigidamente sem muita preocupação. Novamente, o ponto alto se apresenta como a união de tantos ingredientes em um grande todo orgânico. É o humor sempre preciso e a diversão contrapondo um lado mais seco; são as atuações de Hepburn e Peck por si, assim como a união crível e envolvente resultante; são os cenários famosos e a simplicidade eficiente do figurino de Edith Head. A única coisa que me veio à cabeça antes e ainda permanece hoje é a fotografia. Limpa, de contrastes bem definidos e funcional até mesmo em tomadas externas, valorizando ambos atores e ambiente para dividir o foco entre os dois. E em preto e branco. Por algum motivo, sempre tive a impressão de que essa história seria melhor contada em cores. O preto e branco é ótimo, mas a alternativa não deixa de parecer muito instigante.