Um filme de Natal em tempo para o Ano Novo. Ebenezer Scrooge (Alastair Sim) está entre os homens mais detestáveis da cidade. Começa pelo fato de ninguém além de seu sobrinho gostar dele, um comerciante avarento, mão de vaca e que enxerga nas pessoas apenas uma oportunidade de ganhar ou perder dinheiro. Seus funcionários vivem no limite da miséria com o ridículo salário pago e é bem sabido por aí que ele não pensa em outra coisa além de trabalho e dinheiro. Quando o Natal chega e Scrooge pisa em cima de qualquer sentimento de solidariedade, três fantasmas aparecem durante a noite para mostrar a ele outros lados de seu estilo de vida.
Até minutos atrás, achei que o nome deste filme fosse realmente “A Christmas Carol” em vez de “Scrooge”. O primeiro nome — e acredito que o mais popular — é apenas o título utilizado na distribuição americana dessa produção originalmente britânica e chamada pelo segundo nome. De qualquer forma, isso não muda o fato desta versão ser também popularmente reconhecida como a adaptação cinematográfica verdadeiramente clássica entre dezenas de outras produzidas desde 1901. Assim como “It’s a Wonderful Life“, o filme ganhou uma segunda vida na televisão com exibições recorrentes durante a época de Natal, o que lhe conferiu um status de ícone de Natal.
Sem ter lido a obra original de Charles Dickens, é impossível falar qualquer coisa sobre fidelidade ao material de base. O que dá para dizer, todavia, é que a força do filme está em sua história. Afinal de contas, a base é uma famosa obra de Charles Dickens, que praticamente traz consigo uma considerável dose de respeito. Mesmo assim, não é o nome ou sua fama que confere a qualidade mitológica designada apenas às histórias ressoantes sobre a natureza humana. Não apenas uma característica ou acontecimento recorrente na história da humanidade, mas uma alfinetada onde dói mais: na ignorância, na soberba, na estupidez e na avareza. Ebenezer Scrooge é o equivalente ao protagonista grego dos mitos, a figura central de qualidades tão evidentes que qualquer primeira impressão externa muito provavelmente é certeira.
A Alastair Sim recai a tarefa de encarnar este personagem claramente caricato sem torná-lo ridículo. Ele deve ser tudo aquilo que se diz sobre ele e não exagerar, o avatar do ser humano invariavelmente detestável em qualquer lugar ou com qualquer pessoa que seja. De nada importa o Natal para ele, é apenas um dia que os vagabundos escolhem para não trabalhar e perpetuar a miséria de suas vidas. As palavras de Scrooge não demonstram vergonha na hora de expressar precisa e impiedosamente seus pensamentos a respeito de tudo, sendo que as pessoas muitas vezes nem querem tal dose de sabedoria questionável.
Quanto ao roteiro, não há para onde apontar o dedo e reclamar porque, bem, ele apresenta uma direção bem definida e segue nela diretamente. É como um conto de fada com uma moral no final das contas, algo simples de ser notado até para a audiência mais jovem, que costuma ser o alvo de tais obras. “Scrooge” é simples, sem dúvida, mas não é uma obra estúpida. É fácil imaginar para onde as coisas vão desde o começo e talvez até antes disso se a sinopse for generosa. Nada que torne a experiência, o grande trecho entre o começo conhecido e o final esperado, menos impressionante. A revelação de Scrooge é dura e quase ofensivamente explícita para ele, algo que certamente vale a pena ser visto pela audiência. Não é à toa que alguns eventos estão perigosamente perto de um tom ríspido, que até seria ótimo por conta da idéia ser justamente mostrar coisas terríveis para uma pessoa terrível e torcer para que dê algum resultado. A atuação de Alastair Sim sempre corresponder às demandas de cada estágio história é apenas a concretização de uma narrativa bem concebida, em primeiro lugar.
Hoje em dia, mais de 65 anos após o lançamento original, este não é o primeiro exemplo que vem à mente quando penso em filmes antigos que envelheceram bem. Muitos deles, de variadas épocas, nem parecem que foram feitos há tanto tempo por conta das remasterizações deixarem a imagem tão bela quanto jamais foi. Em alguns casos. Não acontece o mesmo quando certas técnicas, principalmente de efeitos especiais, recebem o tratamento de limpeza de imagem e são expostas cruamente sem dó. Aqui, a remasterização revela a feiura de várias tentativas de dupla exposição aliadas a um artifício datado e pobre e repetitivo em certas transições de cena; ora entre uma fantasia e a próxima, ora entre fantasia e realidade. O pior problema de “Scrooge” é sua produção parecer bastante datada em alguns aspectos dificilmente ignoráveis, como um fantasma que poderia ser interpretado mais originalmente por uma criança de 12 anos do que é aqui.
“Scrooge” tem seus problemas, de fato. Às vezes os personagens vão longe demais na caricatura e a produção, no geral, carece de recurso para executar algumas idéias envolvendo psicodelia, dupla exposição e uma imagem dissolvendo na outra. Definitivamente espanta os mais sensíveis às limitações da época e de fato é perceptível, mas nem de longe estraga os méritos de uma história absolutamente simples e direta ao ponto em sua proposta. A duração breve é apenas o reflexo de uma narrativa objetiva e sem nenhuma firula, uma história de redenção no mais clássico exemplo de terapia de choque ministrada por espíritos. Tem como dar errado quando há Charles Dickens por trás de tudo?