Celeste (Raffey Cassidy) é uma criança introvertida que passa por algo que ninguém deveria enfrentar. Um dia de aula aparentemente normal é interrompido por um evento que traumatizaria qualquer um e deixa a garota com seqüelas. O que ninguém esperava é que ela se tornaria uma estrela do dia para a noite com uma canção sua sobre a tragédia. Sua vida muda completamente e eventualmente ela se torna Celeste (Natalie Portman), cantora pop com uma carreira musical tão grande quanto a carreira de escândalos. Sua tentativa de dar a volta por cima é lançar um álbum revolucionário chamado Vox Lux, mas nada é tão simples.
Como deve ser a vida de uma pessoa famosa? Tal pergunta é uma das que permanece em alta ao longo das décadas porque, bem, nunca acaba o estoque de pessoas famosas. A fama existe justamente porque há quem siga as celebridades, o que muda é a dinâmica das coisas. Já passou o tempo de Louella Parsons, quando artistas viviam sob amarras morais e a ameaça de virar vergonha nacional nas colunas de fofoca. Hoje em dia é muito mais fácil acompanhar os famosos quando eles mesmos compartilham todos os detalhes interessantes em redes sociais. Mas nem tudo é dito. Sempre há algo mais íntimo que normalmente sobra para as autobiografias de fim de vida. “Vox Lux” é uma tentativa de dramatizar a carreira de uma diva da música pop em toda sua amplitude.
Tentativa, pois não é isso que “Vox Lux” faz. Não faz bem pelo menos. Seria completamente correto dizer que a carreira de Celeste é explorada desde a origem juvenil da cantora até os primeiros flertes de uma pré-adolescente com a vida adulta e esta última fase propriamente dita, o glamour e a fama e as polêmicas. Tudo isso está no filme. Se há coesão e uma narrativa interessante ligando estes núcleos já é outra história. Falta conectar todas as tramas a fim de que a escolha de cada trecho da vida de Celeste não seja arbitrária ou uma forma de cumprir um tipo de agenda, como se para falar dos problemas adultos fosse necessário voltar até a infância e vice-versa.
É comum dizer que não existem regras concretas na arte, mas se uma delas existe deveria ser a seguinte: qualquer decisão deve ser acompanhada de uma boa razão por trás dela. Pode até ser algo bobo como quebrar as regras porque sim, inserir uma cena sem nenhuma lógica aparente só para desacelerar o ritmo ou incluir imagens simbólicas que ninguém além do roteirista sabe o significado. Bons porquês têm maior chance de dar bons resultados, assim como maus costumam render resultados infelizes. Sempre há um deles, de qualquer forma. No entanto, para os porquês de “Vox Lux” serem tão ocultos eles devem ser do segundo tipo. Provavelmente há alguma lógica por trás da narrativa fragmentada, porém é bem difícil identificá-la e mais ainda ter qualquer tipo de certeza sobre qual foi a intenção. Sem isso, a narrativa fica desconexa e episódica, com saltos cortando o desenvolvimento da trama corrente e introduzindo uma nova situação necessitando de contextualização e reapresentação de personagens.
Seria este, então, um possível de caso de narrativa sutil em suas transições, saltos e mudanças de status? Não é essa a descrição apropriada. De fato, existem histórias que mudam subitamente, apresentam um novo cenário e modificações notáveis já numa primeira vista e que exigem uma adaptação rápida do espectador. Há uma diferença crítica entre uma obra como “Once Upon a Time in America” e “Vox Lux”, que dão saltos temporais notáveis: apenas em uma delas é possível notar como o passado tem uma ligação forte com o futuro. Em outras palavras, a história desta é estruturada de forma que cada trecho seja essencial para o funcionamento do próximo, um argumento sendo desenvolvido usando quaisquer peças necessárias. A prioridade é da história e suas exigências ao invés de qualquer outra agenda. Aliás, nem é preciso dizer qual dos dois filmes segue o caminho certo.
Esta história sobre uma artista de música pop está em todos os lugares e em nenhum ao mesmo tempo. Começa interessante, com certeza, ao introduzir um estigma que acompanha a protagonista por toda sua vida e tem justificativa para estar presente por tanto tempo. Poderia ser o elo de ouro para corrigir o problema de desconexão de “Vox Lux” e, no entanto, acaba sendo relegado a um limbo entre mera caracterização da protagonista e pontual elemento influente de sua personalidade. A utilização deste estigma enfim mostra-se insuficiente, carregando a impressão de que seu potencial não foi atingido.
É esta a grande tragédia de “Vox Lux”: demonstrar alguns picos de interesse entre largos trechos sem sentido. Ou melhor, trechos descolados de um esqueleto não identificável. As imagens falam por si, as cenas têm conteúdo e às vezes até contam com atuações competentes reforçando seus esforços individuais. Em especial, Natalie Portman protagoniza alguns bons momentos de vulnerabilidade e emoção desinibida de uma pessoa imersa em trivialidade e plasticidade. Por outro lado, todo o resto de sua atuação parece estar tão presa ao estereótipo de diva pop que a impressão passada é justamente a de algo falso e artificial em vez de um ser humano preso num ciclo comportamental vicioso. Há uma diferença crítica entre tridimensionalidade oculta e bidimensionalidade exacerbada. Sem pecar pela mesma razão, Raffey Cassidy encontra outra maneira ao entregar uma atuação completamente sem vida, anestesiada de emoção e calor humano. Aquilo que em um primeiro momento parece ser uma frieza de caráter nunca evolui em nada porque o roteiro não permite e porque, em especial, tal qualidade está mais para apatia dramática do que algo intencional.
No final das contas, o maior problema de “Vox Lux” é aparentemente estar contido por uma estrutura medíocre. Parece que o roteiro foi feito seguindo moldes bastante rígidos e não necessariamente eficientes como alguns clássicos clichês. A infância é mostrada para expor a origem do sucesso e algumas características elementares da personagem para mais tarde ser supostamente confrontada com uma realidade muito diferente, talvez numa tentativa de demonstrar a evolução ou corrupção daquela figura anterior com o passar do tempo. Infelizmente, não funciona por falta de desenvolvimento. O final é o último e mais forte reforço da camisa de força invisível contendo o potencial do longa. Havia uma história ali, havia conflito a ser explorado, só não da forma como acontece.