“Sorcerer” envolve quatro pessoas de quatro locais diferentes. Kassem (Amidou) foge das autoridades depois de cometer um ato terrorista em Jerusalém; Nilo (Francisco Rabal) busca ficar um tempo fora do radar antes de voltar ao seu ofício como assassino de aluguel; Jackie Scanlon (Roy Scheider) é injustamente acusado de assassinato e passa a ser caçado por mafiosos; Victor Manzon (Bruno Cremer) abre mão de seu casamento e vida de luxo quando é acusado de fraude e ameaçado de possível prisão. Todos fogem de alguma coisa e encontram asilo no vilarejo remoto de Porvenir. O lugar tem as piores condições de vida na forma de total ausência de higiene, um clima tropical escaldante e corrupção em todos os lugares, mas é perfeito para quem quer se isolar do resto do mundo. Enfrentando dificuldades constantemente, o grupo encontra-se unido quando uma oportunidade surge: transportar caixas de nitroglicerina pela selva com o melhor que o improviso tem para oferecer.
Em seu tempo, “Sorcerer” foi tratado como um fiasco de bilheteria depois de uma produção terrivelmente turbulenta ao estilo de “Apocalypse Now”. Assim como os personagens do enredo, a equipe enfrentou dificuldade atrás de problema atrás de obstáculo até finalmente chegar no resultado pretendido por William Friedkin, retornando de seu sucesso com “The Exorcist“. Mas um erro notavelmente básico chama a atenção por afetar diretamente o fracasso financeiro: Sorcerer. Quem achou que seria uma boa idéia escolher este nome? Talvez antes mesmo de julgar um livro pela capa, a pessoa presta atenção no título para ter uma idéia do que ele trata . O mesmo vale para filmes. Antes de pesquisar sobre o longa, pensava que Friedkin tivesse se aventurado em uma história de fantasia envolvendo magia ou, no mínimo, um feiticeiro — tradução literal da palavra. É de se imaginar que tantas outras pessoas pensaram o mesmo e ficaram em confusão ao olhar para a ilustração do pôster com o rosto de quatro homens junto de um caminhão e uma estátua asteca. Encaixar magia nesse meio soa como uma receita de filme terrível.
E é claro que não há nada disso. “Sorcerer” é o nome de um dos caminhões usados pelos personagens e só. A palavra sequer é verbalizada. Fica difícil vender um produto dessa forma, bagunça que afastou várias pessoas de um filme longe de ser ruim como alguns críticos da época apontaram. O saldo é tranqüilamente positivo, a despeito dos problemas que, sim, existem. O maior deles é não engajar o espectador nos primeiros momentos nem por um bom tempo. Absorvem-se os fatos a respeito daqueles indivíduos sem que se dê uma razão para a audiência se importar com eles ou com o que acontece. A exposição inicial mal pode ser chamada de exposição porque é difícil compreender que tipo de importância a narrativa está dando para os fatos apresentados, se eles são algum tipo de aquecimento ou apresentação para algo maior mais tarde. Pior é que esse descaso nunca chega a ser completamente resolvido. O tom niilista da trama é representado por um certo distanciamento dos personagens, tratados apenas como peças de uma lógica maior que não celebra ou fortalece a figura do indivíduo.
Essa introdução toma seu tempo. Talvez não tanto em minutos reais, porém fica a impressão de que a obra se arrasta nos cruciais momentos iniciais. Faltam motivos para se sentir engajado além de pontuais momentos que servem como tapas na cara para relembrar de que William Friedkin está na direção. Um acidente de carro logo nos primeiros momentos traz de volta a qualidade guerrilha da incrível perseguição de “The French Connection“, um ar de realismo e loucura que não solta nenhum traço de ensaio ou ambiente controlado. O carro capota enquanto as janelas quebram e faíscas saem do contato entre asfalto e metal retorcido. Tudo é filmado sem nada maquiando a manobra ou efeitos sonoros exagerando a gravidade do evento. É um detalhe como alguém não usar o cinto de segurança e acabar sendo ejetado para longe, o que é completamente possível numa situação como essa, que faz a diferença e dá um toque muito bem-vindo ao tédio inicial de “Sorcerer”. Felizmente, momentos como esses tornam-se cada vez mais freqüentes com o tempo.
Outro detalhe que prende a atenção enquanto a parte boa não começa é a caracterização geral de “Sorcerer”, a ambientação, maquiagem e figurino construindo um contexto rico em detalhes e complementar à narrativa principal. O vilarejo de Porvenir é realmente tudo o que dizem sobre ele, ou melhor, o que não dizem. Por si, ele comunica todo o necessário para que a audiência entenda que ali é um tipo de refúgio. O motivo tem que ser muito bom para viajar até um buraco no meio do nada e enfiar os pés na lama e na merda, com um tempo úmido empurrando o cheiro de miséria narinas adentro violentamente. O protagonista de Roy Scheider — ou o mais perto que se chega disso — ostenta um rosto seboso, com gotículas de suor sobre uma camada de oleosidade, e uma barba por fazer. Em seu corpo, trapos velhos e rasgados. Mal dá para afirmar com precisão que é uma conquista do departamento de maquiagem neste caso, pois grande parte das filmagens foram feitas em locação. Isto é, um clima tropical real que em poucos minutos deixa a cara de qualquer pessoa oleosa e grudenta.
Para não chamar de realismo, toda essa fidedignidade compõe a identidade única de “Sorcerer” como um filme que não tem problema com sujar as mãos. Sem truques, a obra de fato mostra os eventos concretos, efeitos práticos tomando a frente. Assim, finalmente levanta vôo e deixa para trás seu começo vagaroso para abraçar totalmente o gênero Suspense do qual faz parte. A missão começa e dois caminhões são montados a partir de sucata para transportar caixas de nitroglicerina por trechos de terra batida que mal podem ser chamados de estrada. Um movimento brusco e tudo vai pelos ares, o que é mais provável do que menos quando um terreno acidentado é a constante.
Nunca esperaria encontrar em um filme como esse as melhores explosões que já vi na vida. Talvez em alguma coisa dos gêneros Ação, Guerra ou Sci-Fi, certamente não em uma história ambientada no meio da selva latino-americana. Ver como explosões são usadas aos montes em outras obras e como não constituem boas cenas de ação por si chegou a me fazer esquecer como esse efeito pode ser tão satisfatório. Tudo isso porque os tais efeitos práticos mostram as coisas como elas são, grandes explosões usando o melhor da pirotecnia. Chega a ser empolgante uma explosão de um obstáculo gigante, em certo momento, e os milhares de pedacinhos voando pela tela depois, um tipo de entretenimento secundário ao prato principal de “Sorcerer”.
Este é nada menos do que o próprio suspense da história. A missão e seus perigos denotados de antemão já indicam que o risco é alto, ao passo que a execução não só faz jus a essa descrição como mostra que a realidade é ainda pior. As filmagens em locação e a direção intensa de William Friedkin mostram perfeitamente como ele era louco de tentar várias das cenas de “Sorcerer”; um louco competente, pelo menos, pois é impossível não se sentir magnetizado pela audácia e pelo flerte com o perigo de um caminhão cruzando uma ponte caindo aos pedaços. É uma pena que o filme não seja assim desde o começo. Definitivamente não há razão para o fracasso financeiro a ser encontrado na qualidade desta obra. Mesmo não sendo a melhor do diretor, é uma experiência muito interessante.