Depois dos Anos 90 terem sentido fortemente a saturação do subgênero slasher e se renovado com a abordagem auto-satírica de “Scream”, chegou um momento em que o gás finalmente acabou e as refilmagens começaram. Rob Zombie, cantor de heavy metal e cineasta, foi o encarregado de recriar o legado de Michael Myers depois que “Halloween: Resurrection” mostrou ser o pior filme da série 5 anos antes. “Halloween” não chega a ser terrível como ele, porém também não pode ser chamado de bom. Sua cota generosa de problemas impedem que esta mistura de refilmagem e prequela reflita em qualidade o sucesso que teve na bilheteria.
Michael Myers (Daeg Faerch, Tyler Mane) vive em uma família tóxica. Seu dia a dia é tudo diferente do ideal para uma criança em idade de escola e muito menos para sua irmã bebê, Laurie (Scout Taylor-Compton). Os anos de abuso e maus-tratos moldam o garoto em um ser humano problemático e difícil, eventualmente levando-o a cometer assassinato. 15 anos depois, Michael escapa do sanatório e retorna para sua cidade natal para perseguir sua jovem irmã Laurie, aproveitando o Halloween para cometer uma onda de crimes enquanto o Dr. Loomis (Malcolm McDowell), seu ex-psiquiatra, corre contra o tempo para tentar evitar um desastre maior.
Em 2005, “Batman Begins” era lançado. Foi um ótimo filme e uma releitura muito bem-vinda do herói sob uma ótica freqüentemente chamada de séria e realista, um cineasta sério interpretando um dos heróis mais populares da história. Mais do que isso, ao explorar a vida de Batman antes de ser Batman, o longa lançou uma onda de novas obras tratando do passado de figuras famosas. “Casino Royale” recomeça a série 007 no ano seguinte e mostra o começo de carreira do agente; Leatherface teve sua rodada no mesmo ano em “The Texas Chainsaw Massacre: The Beginning”; Hannibal Lecter idem em “Hannibal Rising”, de 2007; e, finalmente, chega a vez de Michael Myers com “Halloween” — com subtítulo “O Ínicio” no Brasil. Mas não se trata só disso. A obra de Rob Zombie luta em dois fronts, tentando criar uma história de origem e refazer a original de uma vez só.
Por um lado, isso pode soar como um bom sinal para quem considerava uma origem desnecessária para o personagem. Afinal de contas, todo o resto de “Halloween” traz de volta aquilo que se viu no original de 1978. Mas não é tão simples assim. Separar duas partes de uma mesma história — prequela e remake — e ignorar uma delas completamente não é possível porque há um conceito básico chamado continuidade entre as duas. Tudo que vem na segunda parte segue a primeira: o vilão crescido da segunda parte tem resquícios do garoto da primeira; o ritmo e a narrativa se constroem desde os primeiros segundos, sem que se possa ignorar trechos iniciais lentos e desinteressante só porque o resto melhora um pouco. Claro, é totalmente possível que trechos melhores compensem erros cometidos, o que não é o mesmo que ignorá-los.
Dito isso, é difícil assistir a “Halloween” e não se incomodar com a primeira parte da proposta de Zombie. Comenta-se sobre a necessidade de um filme de origem freqüentemente pensando na demanda do público, no interesse das pessoas em pagar um ingresso para descobrir como tal personagem veio a ser. No entanto, “Halloween” tem algo além disso. Sem pensar no que a audiência queria e tratando de termos narrativos, o passado, motivações e personalidade de Michael Myers sempre foram elementos fortes do original e um diferencial de outros ícones do Terror. Freddy e Jason tiveram suas histórias contadas e personalidades trabalhadas ao longo de vários filmes; Myers sempre foi um indivíduo inexpressivo como a máscara branca de látex em seu rosto. E isso não é defeito, de forma alguma, mas uma característica única do personagem.
Por que ele mata? De onde ele veio? Qual seu objetivo? Não importa. O próprio John Carpenter o descreveu como uma destrutiva força da natureza que não precisa ser traduzida e explicada por termos humanos. O próprio fato da máscara original ser uma máscara de William Shatner em “Star Trek” virada ao avesso, assim desfazendo qualquer sinal de expressão facial humana que havia antes, é um indicativo dessa pretensão de apagar traços relacionáveis. Também chamado de The Shape — A Forma, em português — o vilão ostentava parte do terror em sua ausência de humanidade. Não havia nada ali próximo de uma pessoa normal. “Halloween” mata tudo isso.
Não é possível afirmar que uma boa origem é impossível, mas o que se vê em “Halloween” certamente não configura algo competente. A princípio, parece que serão apenas momentos introdutórios antes da história clássica começar, momentos que eventualmente se estendem e se estendem até tomar nada mais, nada menos que 40 minutos. Um terço inteiro de “Halloween” é usado para contar uma história clichê, pouco atraente e desnecessária de Michael Myers. Para um personagem inicialmente sem face, agora ele ganha centenas delas, ao menos dois rostos humanos e até explicações médicas para sua condição. Todas as perguntas que um dia geraram mistério, são explicadas, comentadas e apresentadas.
Como dito anteriormente, ainda há o resto. Os outros dois terços de “Halloween” com certeza são melhores que a longa introdução por várias razões. O visual final de Michael Myers está entre os melhores de toda a série, muito superior às várias versões das continuações anteriores, que mudaram a original para pior repetidamente. E quando se chega no ponto em que o original começa, o filme torna-se violento e brutal, muito mais explícito e violento que antes e com mais vítimas. Várias das mortes são muito boas e o nível sobe, mas nem isso salva “Halloween” de ser uma longa origem seguida por uma estrutura genérica de slasher praguejada por atuações fracas até mesmo para os padrões do gênero, exceto pelo Dr. Loomis de Malcolm McDowell. As coisas melhoram e ainda assim resultam em um saldo decepcionante, seguido por uma continuação dois anos mais tarde.