A primeira coisa em que pensei quando Damien Chazelle anunciou que faria um filme sobre Neil Armstrong depois dos 6 Oscars de “La La Land” foi algo como: “Pronto, ele entrou no ciclo de isca de Oscar”. Assim como tantos outros antes dele, achei que tal decisão significaria ir na onda de outros diretores e contar histórias baseadas em fatos reais ou biografias de alguma personalidade importante, orientando-se pelo atual cenário sociopolítico. Contudo, não posso dizer que estou muito feliz em estar errado. É louvável que Chazelle tenha conseguido criar uma obra sem aquele ar batido de pouca novidade, o roteiro recontando um trecho relevante da vida de alguém e encerrando com texto branco sobre fundo preto falando sobre o que aconteceu no futuro. A alternativa encontrada em “First Man” não é das melhores.
Os Anos 60 começam com a promessa de John Fitzgerald Kennedy da conquista do espaço. A América escolheu ir para a Lua não porque era fácil, mas porque era difícil, disse ele. Tal corrida pela exploração do espaço é a ilustração perfeita do conflito por dominância política entre leste e oeste da Guerra Fria. Assim, um grupo de homens é treinado, testado e selecionado minuciosamente para fazer parte de um dos projetos mais ambiciosos da história da humanidade. A vida de Neil Armstrong (Ryan Gosling), o primeiro homem a pisar na Lua, é acompanhada de 1961 até a fatídica excursão do Apollo 11.
Mesmo o menos entusiasta por exploração espacial conhece o nome Armstrong. Foi ele o primeiro homem a descer da cápsula e andar em solo lunar, seguido por Buzz Aldrin (Corey Stoll). E é isso. Normalmente não se fala muito sobre que tipo de homem Armstrong era, quais eram seus ideais e filosofia de vida, coisas desse tipo. Apenas seus grandes atos e sua icônica frase — “Esse é um pequeno passo para um homem, um salto gigante para a humanidade” — costumam ser lembrados, então é curioso que “First Man” escolha justamente essa outra área pouco explorada como fonte. Será que há muito por trás do homem além do impacto de seus atos? Aparentemente, sim, já que um livro de mais de 700 páginas foi escrito sobre o assunto. Por outro lado, é difícil afirmar o mesmo após assistir a “First Man”, que leva o termo “linguagem reticente” ao limite do possível.
Se menos palavras fossem ditas, “First Man” seria um filme mudo. Muito pouco é falado, no geral, e cenas extensas de diálogo são inexistentes. O silêncio é uma constante em momentos que podem ser consideradas contemplativos, com a maior parte do conteúdo acontecendo dentro da cabeça do protagonista. Numa prosa, tal processo psíquico poderia ser representado por toda a extensão do vocabulário existente, mesmo que tenha durado apenas dois minutos na cronologia real e que o personagem não tenha falado absolutamente nada. No cinema, há formas e formas de representar isso. Um bom ator sugere conflito em sua expressão, micro-comportamentos indicando que algo não verbalizado está acontecendo. Mesmo assim, fora de uma narrativa que reforce tal sentimento de outras formas isso não passa de sugestão sem desenvolvimento, tomadas longas de um ator calado em frente à câmera.
Uma possível defesa dessa abordagem de “First Man” é dizer que faz parte da personalidade de Neil Armstrong ser uma pessoa fechada e pouco comunicativa, cujos conflitos ardem dentro dele sem que converse com alguém e compartilhe sua dor. Faz sentido. Outra explicação é puramente relacionada à economia narrativa, tentar dizer muito com pouco, fazer menos ser mais. Também faz sentido. No entanto, lógica nem sempre quer dizer comunicação efetiva. Não é porque Armstrong era um rapaz de poucas palavras que seu conflito tem de abraçar uma postura suprimida, chegando perto de não render nada de aproveitável no contexto geral da história. Outros meios além de palavras podem ser usados para dizer algo, seja através de comportamentos, decisões ou expressões faciais.
Quanto a isso, não se pode reclamar muito do retrato do astronauta de Ryan Gosling. Se o objetivo foi mostrar um homem claramente incomodado com as coisas ao seu redor, de problemas de família aos sacrifícios exigidos pelo trabalho, então ele é alcançado. Mas será que é só isso? A história de Neil Armstrong, importante homem da história americana, se resume a ele segurar as emoções dentro do peito do começo ao fim de uma jornada de apostas altíssimas? Imagino que não ou, caso realmente seja, não é algo facilmente adaptável para uma mídia audiovisual. De qualquer forma, a inclinação de “First Man” para uma narrativa de poucas palavras ultrapassa o que pode ser chamado de economia eficiente até chegar num ponto em que o retrato individual do personagem carece de uma representação ilustrativa e rica em conteúdo.
Quanto a direção de Damien Chazelle, ela desfruta de um sucesso ambivalente. Por um lado, consegue tirar o espectador de seu assento e colocá-lo dentro de uma aeronave feita para alcançar o limite da atmosfera e retornar em segurança para o solo. A sensação é realmente claustrofóbica e até um pouco apavorante, sem que haja a necessidade do espectador ter algum tipo de vertigem. É simplesmente inevitável a sensação de leve pânico quando tudo começa a tremer e fazer barulhos estranhos, como se todos os parafusos estivessem soltando e a lataria cedendo à resistência do ar; mais ou menos como chegar a 200km/h em um Fusca e sentir como se o carro fosse desmontar a qualquer momento. A experiência visual de chegar na lua e de todos os experimentos antes disso não são nada menos que imersivos.
O problema é que isso é freqüentemente atingido de uma forma um tanto agressiva e, eventualmente, incômoda. Isso acontece porque “First Man” excessivamente arrasta e prende o espectador onde quer que a história se encontre. Por exemplo, um princípio clássico diz que um close up permite uma aproximação maior entre audiência e ator ou objeto; detalhes ficam maiores na tela e melhor percebidos, assim como as expressões faciais dos atores e as emoções por elas transmitidas. Sendo assim, também se costuma dizer que o uso de tal tipo de quadro deve ser moderado e certeiro para que as cenas corretas tenham o destaque demandado pela história. Isso não significa que gravar um filme inteiro usando closes eleva ao máximo o nível de empatia e conexão entre obra e público. Longe disso, chega a ser incômodo e exagerado, ineficiente e presunçoso.
E não estão na jogada apenas closes comuns, pois inúmeros deles podem ser considerados closes extremos — extreme close up, no inglês — em que o os limites do rosto do ator estão fora de quadro. O ponto de vista é extremamente fechado e não permite que outras partes do cenário façam parte da linguagem visual da obra, o que seria muito bem-vindo em uma narrativa carente disso. Por mais que a produção seja de um alto nível evidente, com cenários e sons criando uma experiência audiovisual ocasionalmente impressionante, é difícil elogiar uma direção que erra tão feio no uso de tamanho de quadro. A não ser que o desejo seja ver a cara de Ryan Gosling com 16 metros de altura numa tela IMAX, dificilmente recomendaria “First Man” como um retrato competente do primeiro homem na Lua.