Finalmente, a quarta e mais recente versão de “A Star is Born”, 81 anos depois do original. Talvez seria um recorde de tempo entre original e remake se essa obra não estivesse mais para um remake do remake de 1976. As duas deixam de lado o mundo do cinema para entrar na carreira musical e Bradley Cooper inclusive adota um estilo parecido com o de Kris Kristofferson. Barba, cabelo comprido e voz rouca de cachaça compondo o estilo do músico, que dessa vez toca algo entre Country e Folk em vez do Rock/Soul de antes. De tudo isso, impressiona mesmo o fato de todo esse tempo aparentemente não ter servido de muito para ensinar certas lições sobre acertos e erros do passado.
Jackson Maine (Bradley Cooper) tem um sério problema com remédios e bebida. Todo e qualquer outro obstáculo e incômodo que surja, como seu zumbido no ouvido, ele prefere afogar em álcool e festa. Em uma de suas aventuras noturnas, ele esbarra em Ally (Lady Gaga) cantando em francês num bar de drag queens e fica instantaneamente magnetizado. Jackson tenta se aproximar dela enquanto ela mal acredita no que está acontecendo, até que eventualmente embarca naquilo que se torna a alavanca para sua carreira como cantora. A inexperiência profissional faz um par imperfeito com os demônios pessoais do outro; a carreira forte de um com o acalento sincero do outro.
Era de se pensar que um filme ensina muita coisa, quem dirá três sobre a mesma história. Mais curioso ainda é que alguns dos pontos mais fortes do longa de 1937, o primeiro de todos, são ignorados já na primeira refilmagem e nunca mais revisitados. A versão de 1954 muda o foco para sua protagonista e a coloca em números musicais enormes, favorecendo a extravagância e os excessos de uma vida regada a luxo e holofotes. Então veio a refilmagem de 1976 e trocou números musicais por canções e o cinema por música, Oscar por Grammy. Cada um teve seus acertos e erros denotados de forma mais ou menos explícita. Claro, é relativo o que se considera bom ou ruim, porém depois de três tentativas talvez a colheita pudesse ser um roteiro mais sólido, o que ajudaria qualquer abordagem escolhida por este novo “A Star is Born”.
Curiosamente, escolhe-se justamente a versão menos elogiada para refazer. Mas tudo bem, a obra liderada por Barbra Streisand não é ruim e poderia ser muito melhor com algumas questões básicas corrigidas. A primeira é a própria atriz principal, então Lady Gaga, outra cantora, é introduzida para ocupar o posto em “A Star is Born”. Questionável? Talvez. Gaga alegou uma vez que seu sonho era ser atriz antes de ser cantora; história bonita e formidável, mas não significa automaticamente que ela tem talento como atriz. Felizmente, a surpresa é positiva quando sua atuação cumpre tranqüilamente as exigências de seu papel e, além do mais, coloca um pouco de sua história pessoal no roteiro como eco da realidade. Tirando um ou outro momento de girl power forçado, ela faz o que Streisand não consegue. Há uma personagem com um pouco de gênio forte junto da ternura essencial para uma química entre o casal principal. Barbra Streisand pode ser a cantora superior com muita folga, mas é Lady Gaga que sai por cima como atriz, mesmo não sendo nada de tirar o fôlego.
Bradley Cooper completa o acordo e consegue não desapontar Kristofferson com sua própria performance. Nenhum retrocesso a ser visto em uma atuação que vai mais fundo na história pessoal do protagonista do que qualquer outra das três versões, as quais sequer abordaram o passado negro do protagonista ou apenas sugeriram algo. Aliás, nos dois primeiros não havia um porquê para um passado traumático existir. Tratando da Hollywood clássica, apenas mau comportamento e vexame já eram o bastante para queimar a imagem de uma estrela nos olhos do povo e dos estúdios. Isso teve de mudar quando chegaram os Anos 70 e a maior liberdade em praticamente todos os aspectos da vida de celebridade. Mais drogas, menos regras, mais possibilidades e menos moralismo permitiram aos artistas se safarem com mais coisas. Então nasceu uma razão psicológica para tais atos destrutivos. Essa parte é consideravelmente melhor trabalhada no roteiro deste novo “A Star is Born”, na atuação de Cooper e na performance coadjuvante, porém emocionante de Sam Elliott. Dessa vez, Bradley Cooper faz questão de mostrar que há sofrimento aliado a uma tentativa reprimida de tentar resolver as coisas. O amor desperta algo, mas de cara não é o bastante para mudar o funcionamento patológico prolongado por anos e anos de maus hábitos.
Com as duas peças principais no lugar, finalmente funciona a proposta emprestada do passado de centrar a história inteira na atração irresistível que um sente pelo outro. Essa era a idéia principal da refilmagem de 1976, focar na paixão ardente em detrimento das peculiaridades do sistema de estúdio e como isso influenciava a carreira dos dois. Cooper e Gaga formam um casal e tanto, tornam fácil acreditar que admiração recíproca jaz na base do amor que constroem. Sem problemas com química no casal principal, então tudo certo. Só que não. “A Star is Born” ainda tem outros elementos que não funcionam tão bem, alguns dos quais nem deveriam existir por serem mudanças desnecessárias daquilo que tinha dado certo antes.
Gostar ou não das canções de “A Star is Born” é pura questão de opinião. Não me considero algo perto de fã de Lady Gaga para aplaudir de pé todas as vezes em que ela abre a boca nem alguém que cospe no chão ao som de “Poker Face”. Sem pré-julgamentos, é um prazer escutar os duetos entre Gaga e Cooper, uma vez que cumprem sua função de estabelecer os momentos de maior união através da música e, além de tudo, são sonoramente competentes. Talvez até competentes demais. Os maiores problemas surgem justamente quando Jackson Maine sobe no palco pela primeira vez… e todos adoram, entusiasmados. Ele sobe de novo e novamente todos clamam seu nome. O primeiro grande pecado é limitar a crise do cantor ao lado pessoal e demonstrar incoerentemente os efeitos disso em sua vida profissional, que não enfrenta decadência alguma, aparentemente. O astro pode estar bêbado, drogado, confuso e meio surdo, mas as pessoas continuam vindo.
Parece apenas um detalhe pequeno, o que não é verdade. A queda total e absoluta do protagonista sempre esteve ligada à espinha dorsal de todos os eventos da trama, independentemente da versão ou da forma como quiseram adaptar essa idéia. Quando finalmente chega o clímax, falta uma parte do caminho ao fundo do poço e, para compensar, usa-se convenientemente um coadjuvante para desencadear os eventos mais críticos do ato final de “A Star is Born”. Para ajudar, ele ser detestável mina boa parte do impacto emocional da conclusão, que envolvia um sacrifício baseado em sentimento. E, bem, um filme sem conclusão forte é sempre uma oportunidade perdida. Pena que esta versão de 2018 deixa para estragar uma seqüência boa de acertos justo numa parte especialmente importante deste conto.