É curioso que “Trois couleurs: Blanc” seja considerado a ovelha negra da trilogia de Krzysztof Kieslowski. Em comparação com o primeiro, “Trois couleurs: Bleu“, ele se coloca abaixo deste, só que apenas marginalmente. A diferença entre os dois não é brutal de forma alguma: a primeira parte não é uma obra prima para esta segunda soar inferior, assim como esta última está longe de ser algum tipo de retrocesso. É possível encontrar pontos mais fortes, outros mais fracos e algumas constantes entre as duas mantendo certa sintonia estilística a fim de conservar a união da trilogia. No geral, não parece razoável colocar esta obra em qualquer lugar longe da primeira.
Karol (Zbigniew Zamachowski) é um polonês que vai morar na França para viver com sua jovem esposa, Dominique (Julie Delpy). Os dois trabalham juntos em um salão de beleza, com ele trazendo todo seu talento premiado diretamente da Polônia para crescer ao lado de sua mulher e fazer germinar tanto a realização profissional como a amorosa. No entanto, as coisas saem terrivelmente mal para o casal. Ela eventualmente pede um divórcio e luta para tirar tudo que um dia foi dele até deixá-lo sem nada. Relegado a viver nos metrôs franceses como um andarilho, Karol logo se vê forçado a voltar para Varsóvia para reconstruir sua vida. Isso não significa que ele esqueceu seu antigo amor, contudo.
Antes mesmo de assistir a “Trois couleurs: Bleu“, era de se esperar que a cor do título fosse ter algum tipo de presença notável na fotografia da obra. Era óbvio que haveria algo do tipo, enquanto óbvio e clichê não são adjetivos apropriados para a aplicação da cor nas imagens. “Trois couleurs: Blanc” continua esse experimento de cinematografia das cores ao substituir os tons azulados por, não surpreendentemente, pálidos brancos. Feios? De forma alguma. Além das luzes fluorescentes sendo constantes na fotografia, a neve e o conseqüente clima invernal resultam em uma iluminação difusa e sua qualidade expansiva, porém natural, diferente de uma luz chapada e pouco atraente. A Polônia possui algo que a Paris de “Trois couleurs: Bleu” não tinha: grandes cenários abertos cobertos de neve, com amplas planícies soterradas de branco e montanhas ao fundo. Não há como comparar o efeito de uma luz frontal eliminando todas as sombras com a luz do sol difundida por um filtro natural.
Contudo, não dá para dizer que um cenário naturalmente mais bonito que uma cidade grande constitui competência por si. Fotografia é menos sobre o que se fotografa e mais sobre como se fotografa, portanto importa o que o fotógrafo faz com o material que tem em mãos e, neste caso, o jogo de luzes da primeira parte é imbatível. Mesmo que não cheguem no mesmo patamar de beleza de cenas sutis em que o azul é apenas luz refratada ou daquelas em que o tom é prevalecente, como nas cenas da piscina, também não dá para dizer que a direção artística de “Trois couleurs: Blanc” é incompetente. Cria-se, no mínimo, outro artifício narrativo forte na forma da cor simbolizando um sentimento que permeia a obra inteira.
Nem precisa ser dito que a atmosfera criada pelo branco não é o que se espera. Bem, talvez seja se o trabalho do filme anterior for levado em conta, mas nada a ver com igualdade no sentido brando da palavra. Primeiramente, o azul foi menos uma celebração da liberdade sociopolítica e mais para a clássica interpretação de se sentir azul, o “feel blue” do inglês. Agora, o branco não exerce um papel tão facilmente decifrável quanto antes, pois vem a fazer sentido verdadeiramente mais perto do final, quando os significados atribuídos a uma cena repetida ao longo de “Tres couleurs: Blanc” são subvertidos completamente. Mesmo assim, o clima londrino e o uso de pouca dramaticidade na iluminação não deixam de transmitir a atmosfera erma que se pode esperar de um céu unicolor e imutável, como uma vida que continua na mesma freqüência inalterada. É o que se vê na situação de Karol, nada menos.
Ele é um rapaz sem noção das coisas. Chegou em Paris depois de ser premiado várias vezes como um cabeleireiro competente para se casar com uma garota que tinha tudo para satisfazer seus desejos por uma mulher bela e companheira. Eis que ele mora na França e sequer fala francês, além de não conseguir dar à esposa aquilo que ela deseja, o que dificulta muito sua posição quando fica sem nada. A trama segue a estrutura da primeira e mostra as conseqüências do divórcio na vida do rapaz, ao menos em parte do tempo. O resto é um tanto diferente e trabalha com uma postura mais tradicional de narrativa, mais dependente de eventos concretos para progredir. E funciona bem. Nenhum dos três personagens importantes da história têm mesmo espaço ou entregam uma performance forte como a de Juliette Binoche previamente, o que torna esta adaptação bem-vinda para que a obra não caia na mediocridade. Usar a exata estrutura anterior sem uma atuação fazendo jus à atenção que recebe seria um belo tiro no pé.
Assim, pode-se dizer que, em prol de um foco maior na jornada do indivíduo, a proposta deixa de seu um estudo de personagem completamente focado em sua corrente de sentimentos paradoxais. A realidade psicológica cede lugar para algo novo: carente de um personagem tão forte quanto antes, mas também menos cansativa como experiência no geral. Não que “Trois couleurs: Bleu” tenha sido enfadonho ou algo assim, porém “Trois couleurs: Blanc” claramente se sai melhor na cadência de sua história. Os sete minutos a menos na duração nada tem a ver com uma experiência mais fácil de acompanhar, fluída e sem trechos lentos. Pelo contrário, vários deles carregam uma força de caráter não visto anteriormente, que pertence mais à construção contexto do que ao ator em questão.
Por fim, a trilha sonora claramente se mostra diferente. Antes, não havia oportunidade para esta se soltar porque ocupava a função de aparecer pontualmente como um tipo de assombração na vida da personagem principal, pois seu falecido marido era músico. Em “Trois couleurs: Blanc” não há esta questão, o que permite a Zbigniew Preisner se soltar mais e deixar o espectador apreciar melhor suas composições para além de poucas notas. É mais um ponto positivo diante do predecessor, o que torna “Trois couleurs: Blanc” um filme bem menos pior do que pode parecer, levando em conta a opinião popular. A falta de uma interpretação bombástica é competentemente equilibrada com um melhor trabalho em outros elementos.