Poucos filmes mostram a vida é ingrata dos veteranos de guerra. “The Best Years of Our Lives” foi lançado há mais de 70 anos e continua sendo uma experiência forte sobre a situação paradoxal das pessoas que lutam guerras e voltam para casa. Em um momento, elas têm vidas próprias bem estabelecidas; em outro, são embarcadas para se tornarem soldados rasos e escutar ordens de uma pessoa que nunca viram antes, muitos morrendo no meio do caminho; e finalmente chega um momento em que a luta, a violência e o dever acabam, quando os heróis voltam para o calor de suas casas e retomam suas vidas. Mas que vidas?
Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, três soldados se encontram no mesmo avião para casa, em Boone City. Fred Derry (Dana Andrews), condecorado capitão da aeronáutica, Al Stephenson (Fredric March), sargento da infantaria, e o marinheiro Homer Parrish (Harold Russell) chegam na cidade em uma onda de nostalgia por aquilo que não viam há anos. Tudo é novidade. Pais não conhecem seus filhos direito, lojas mudam de dono e a cidade como um tudo se mostra diferente do que foi um dia. Para a infelicidade dos três militares, ajustar-se à vida boa não é tão fácil ou natural quanto esperavam.
Para um filme de quase três horas vindo de William Wyler, mesmo diretor de “Ben-Hur”, era de se esperar um Drama Épico envolvendo a América em pós-guerra. É o que se encontra em “The Best Years of Our Lives”, de certa forma, só que construído de um jeito bem direcionado e sucinto, sem passar um ar de grandeza exagerada ou de megalomania. São três tramas centradas no mesmo tema de soldados retornando para casa e sentindo dificuldade de se adaptar àquilo que um dia foi considerado o único estilo de vida possível. Não existia nada para formar uma dualidade, apenas a boa e velha agenda de viver um dia após o outro trabalhando em um banco e voltar ao lar para a família esperando o homem da casa. Então a guerra aconteceu e tudo mudou. De repente, uma nova rotina teve de ser adotada à força e abandonada poucos anos depois. O conforto de um dia deixou de ser encarado como tal; o homem mudou e já não se encaixou mais onde um dia o fez.
Essencialmente, “The Best Years of Our Lives” conta a mesma história três vezes. Não literalmente, claro, apenas usa versões diferentes das mesmas linhas gerais para mostrar como o mesmo fenômeno acontece com pessoas diferentes. Talvez só uma pessoa passasse a mensagem bem o bastante, porém não é como se escolher três fosse um exagero. Depois de ver o que se faz com tanto sucesso aqui, é difícil imaginar apenas uma parte da história sendo tão satisfatória quanto três delas juntas e interconectadas. Os personagens de um arco se relacionam com os de outro arco e, eventualmente, participam ativamente do desenvolvimento destes últimos até que todos os caminhos terminem num mesmo ponto. Por um lado, pode parecer uma tendência determinista de fechar todas as pontas soltas da história e criar uma resolução concreta. Há razão para se preocupar com isso e até margem para crítica por acontecer mais ou menos isso mesmo. Em contrapartida, também significa que os pontos altos de uma trama não estão isolados dos pontos altos de outra. A união dos três arcos ocasionalmente constrói eventos envolvendo mais de um protagonista e o resultado é tudo menos desagradável.
Por este motivo, não parece que as intenções de “The Best Years of Our Lives” são ambiciosas ou enormes. Exceto pela duração incomum, todo o resto trata das vidas pessoais de três indivíduos normais que moram na mesma cidade. Escolher apenas uma das histórias sem dúvida alguma renderia um resultado não tão interessante quanto o que se tem. Há diferenças práticas em cada personagem a fim de variar e desenvolver um mesmo conceito de formas diferentes. Fred Derry está em seus 20 quase 30 anos e casou pouco antes da guerra, Al Stephenson tem cerca de 10 anos a mais que seu colega e já tem mulher e dois filhos, ao passo que Homer Parrish é o mais novo do grupo e ainda não chegou a casar. Essas diferenças elementares diferenciam substancialmente o cenário a que cada um volta. Escolher apenas Fred, por exemplo, seria um conto de um rapaz com dificuldades para trabalhar e problemas pessoais com a mulher. O que isso diz em um contexto amplo? É possível que alguém veja e diga que nada, que este é um caso específico de um infeliz que se deu mal. Logo, percebe-se quão essencial é essa diversidade.
Para além da história, o elenco faz um trabalho imaculado na evocação de uma atmosfera de estranheza ambivalente: as pessoas que viveram as mudanças e sequer as perceberam vivem ao lado de outras que poderiam ter ido para outra cidade e se sentido mais em casa. É louvável como nenhum ator ou atriz deixa a desejar em seu papel. Exceto pelo filho de Al, que some do filme sem mais, todo o resto tem um papel relativamente marcante na trama. Até mesmo o tio de Homer, dono de um bar da cidade, demonstra carisma com seu papel de homem sábio demais para a idade que tem, que sabe usar as palavras certas no momento certo e ainda toca piano, para completar o pacote. “The Best Years of Our Lives” não gasta tempo com personagens fracos e sem presença. Por mais que a duração aparentemente permita espaço para as figuras menores, não se distrai com trivialidades.
Quanto aos atores principais, Dana Andrews pode ser considerado o de menor destaque. Seus momentos fortes, entre flertes e respostas firmes diante de ameaças, estão abaixo daqueles dos outros dois protagonistas. Como esquecer do grande discurso embriagado de Fredric March, que dá todos os sinais de que dará errado e leva o espectador por uma montanha de expectativas? É um momento não superado por qualquer outro de Fred. Mas nem esse momento supera a performance de Harold Russell, ator não profissional que ganhou mais que um Oscar por sua performance, ele ganhou dois e permanece o único a vencer duas estatuetas pelo mesmo papel. Aparentemente, a Academia achou que ele não tivesse chance e deu um Oscar Honorário sem saber que ele venceria na competição principal. E, de fato, são merecidos os prêmios. Antes de perceber que ele era mesmo um soldado sem as mãos, achei que fosse um ator profissional usando próteses.
A fotografia do ótimo Gregg Toland é outro elemento difícil de ignorar. Simples e eficiente com alguns momentos de grandeza, tal como o cemitério de aviões perto do fim do filme, Toland trabalha com materiais de caráteres diferentes sem desapontar, pois demonstra igual competência neste mesmo cenário quando a fotografia faz tão bom proveito de um close quanto de um plano geral. Dentre os detalhes supostamente menos chamativos, tal eficiência fotográfica ainda não é a mais memorável. “The Best Years of Our Lives” traz incontáveis momentos em que palavras atraentes são ditas em momentos igualmente marcantes, porém é o silêncio que têm uma presença impossível de ignorar. Há quem diga que os filmes da Hollywood Clássica não calam a boca, mas este reconhece as horas mais críticas de simplesmente não deixar palavras soarem. Nestes momentos, os sentimentos importantes ficam, curiosamente, mais evidentes e bem representados do que seriam por qualquer tentativa de verbalização.
São momentos pequenos como estes, em que as pessoas simplesmente passam a oportunidade de dizer algo, que fazem a diferença naquilo que tinha tudo para ser uma história de escala gigantesca. Só se pode falar em grandiosidade em outros termos: “The Best Years of Our Lives” se tornou em seu lançamento o filme de maior sucesso desde “Gone with the Wind“, lançado 7 anos antes. Foram 7 Oscars vencidos entre 8 indicações e mais um honorário, o que coloca esta obra como um dos grandes sucessos da Era de Ouro e mais uma obra incrível na carreira do também incrível e não tão bem lembrado William Wyler.