Essencialmente, “Hearts of Darkness: A Filmmaker’s Apocalypse” é um grande making of. Todo o conteúdo é composto de dezenas de gravações dos bastidores de “Apocalypse Now”, filme de Guerra de 1979 dirigido por Francis Ford Coppola. Qual a graça, então? Não seria mais fácil apenas soltar uma série de entrevistas e vídeos curtos nos extras do lançamento em Blu Ray? Provavelmente, tirando o detalhe dos fatos de produção serem quase tão intrigantes quanto os do próprio filme, muitos dos quais fizeram manchete e forneceram conteúdo constante para as revistas de notícia e fofoca em Hollywood. Eis que um dos maiores diretores da época decide fazer um filme grandioso nas piores condições e com uma montanha de dinheiro envolvida. Certamente tinha tudo para dar errado, como as coisas normalmente dão em um set de cinema.
Meados dos Anos 70: um roteiro escrito por John Millius no final da década de 60 chama a atenção de Francis Ford Coppola enquanto promovia “The Godfather: Part II” no exterior. Planos são feitos para 17 semanas gravando nas Filipinas com um orçamento de cerca de 15 milhões de dólares. Coppola dirigindo um projeto envolvendo Steve McQueen, Gene Hackman e Marlon Brando. Exceto que os dois primeiros não vêm a participar do projeto e o terceiro pede uma quantia absurda como cachê. Entra Harvey Keitel no papel principal e as gravações finalmente começam, porém o diretor não gosta da interpretação deste e pausa a produção para voltar aos Estados Unidos e trazer Martin Sheen. Enfim as coisas começam a caminhar… em direção a um apocalipse logístico e a um orçamento de mais de 30 milhões.
Não basta dizer que a produção foi uma dor de cabeça que nenhum dos grandes chefes de estúdio da Hollywood de Ouro sonharia. Essa informação normalmente acompanha qualquer discurso um pouco mais a fundo sobre a produção, que sempre comentam como o longa foi feito sob condições tensas e extremamente difíceis, além de praguejado por problemas totalmente fora do controle da organização da equipe. Essa é a explicação superficial, há muito mais sob a superfície dos comentários breves sobre problemas de bastidores. “Hearts of Darkness” mostra com detalhe cada uma das dezenas de problemas que foram surgindo ao longo das 17 semanas, que logo se tornaram 20 e tantas e transformaram um orçamento simples em algo inflado e perigosíssimo para os envolvidos no financiamento da obra.
Dizer exatamente o que acontece seria arriscar estragar a experiência para aqueles não curiosos o bastante para ler a página da Wikipédia sobre “Apocalypse Now” e descobrir antecipadamente muitos dos fatos retratados aqui. Essa é uma das ocasiões em que a tal era da informação pode prejudicar consideravelmente a experiência potencialmente reveladora de “Hearts of Darkness”, que reuniu informações apenas comentadas na época junto de conteúdo nunca antes divulgado, 12 anos depois do lançamento do longa-metragem finalizado. Para quem não conseguiu segurar a emoção e acabou se rendendo às seções de curiosidade internet afora, muitas informações já conhecidas serão vistas aqui. Morre o fator de surpresa, mas ao menos é possível vê-las encaixadas numa narrativa idealizada pelos três diretores da obra: Eleanor Coppola, narradora e quem gravou boa parte das cenas documentais durante as gravações; e George Hickenlooper e Fax Bahr, que gravaram novas entrevistas e reorganizaram todo o material no que se vê neste documentário.
Mais do que informações por si, é interessante ver como a realidade de fazer um filme é muito menos elegante do que aquilo que se espera. Às vezes pode-se pensar que uma cena icônica levou horas para ser iluminada até que o padrão alto do diretor fosse atingido, com todos os elementos se relacionando com precisão milimétrica e imersão total do ator em seu papel, como se estivesse enfeitiçado. Muito desse romantismo exacerbado morre com “Hearts of Darkness”. Ao menos nesse caso, tudo dá errado. É possível ver o talento de vários profissionais renomados da indústria falhando em colocar ordem e seguir aquilo que havia sido planejado anteriormente, o caos tomando conta de um projeto que aparentemente começou fadado a ser problemático. Basta ver os primeiros conceitos envolvendo George Lucas na direção e a idéia de Coppola de exibir o filme apenas em um cinema nos Estados Unidos, localizado no centro do país e projetado para tornar a experiência de “Apocalypse Now” algo ímpar. Quaisquer outros cinemas que quisessem apresentar o longa teriam de se adequar à essas normas do cineasta.
Uma coisa sinalizada por isso é megalomania, no mínimo; talvez alguns toques de presunção e delírios de grandeza sobre o sucesso da obra. Em contrapartida, “Hearts of Darkness” mostra que a tormenta foi grande a ponto deste não ser o único sentimento envolvido na produção, pois a extraordinária sucessão de fracassos e imprevistos faz um trabalho mais que eficiente de inverter os valores e instaurar uma atmosfera de insegurança, medo e até insanidade no set.
Detalhes à parte, pois todos estão no documentário, um bom resumo da situação é dizer que tudo deu muito errado antes de dar surpreendentemente certo. “Apocalypse Now” existe e entrou para a história como um dos melhores filmes de guerra de todos os tempos, com alguns indivíduos indo longe o bastante para dizer que é um dos melhores filmes de todos os tempos, ponto. O projeto ambicioso de Coppola quase deu terrivelmente errado mais vezes do que se pode contar e, mesmo assim, essa foi uma daquelas ocasiões em que um turbilhão de desastres não impediram um resultado incrível. A crônica detalhada fornecida por “Hearts of Darkness” apenas ressalta a conquista do filme existir e ser respeitado, ainda por cima.