Os americanos já ouviram falar tanto de Watergate que deve ser até motivo para virar os olhos quando alguém menciona. Já o resto do mundo não teve a mesma intensidade de cobertura da mídia porque o evento é notícia internacional para outros territórios. Não obstante, isso se mostrou um desafio para uma produção multimilionária envolvendo o escândalo político. Como contar a história já ouvida tantas vezes da boca de tantos jornalistas diferentes? Para William Goldman, o roteirista, a solução foi começar “All the President’s Men” no início de tudo, quando os eventos nem eram manchete de lugar algum e ainda soavam como jornalismo sensacionalista de dois repórteres pequenos num grande jornal.
Numa noite aparentemente qualquer, um segurança do comitê nacional do partido democrata encontra uma porta com fita crepe na tranca para que ela não fechasse, então chama a polícia, que eventualmente encontra cinco pessoas invadindo o prédio com aparelhos de monitoramento de áudio. Bob Woodward (Robert Redford), um jornalista novato, é escolhido para investigar o caso, considerado de pequena importância. No entanto, estes cinco homens são representados por um advogado que popularmente cobra caro e mais: todos revelam ter ligações com a CIA. Carl Bernstein (Dustin Hoffman) se junta à investigação para tentar descobrir por que esta suposta invasão é bem mais do que um evento qualquer, missão em que ninguém acredita muito exceto por Ben Bradlee (Jason Robards), o editor-chefe do Washington Post.
“All the President’s Men” apresenta um paradoxo curioso. Por um lado, há a questão do assunto já ter sido discutido e noticiado inúmeras vezes na mídia americana e revisitado tantas outras vezes; ao mesmo tempo, nem todos vão para o cinema buscando uma história sobre política e investigação jornalística, assuntos que não são os primeiros a vir à cabeça quando se fala em entretenimento. Pior é para outros países, que têm um interesse ainda menor pela política de um país diferente do seu. De qualquer forma, parece difícil vender o produto como algo cativante. Felizmente, o roteiro de Goldman acerta em cheio ao retornar para os princípios, quando ninguém sequer pensava em escândalo quando se falava em Watergate. Toda grande coisa tem um começo pequeno e não é diferente neste caso. Antes de todos os jornais repetirem manchetes, foi o Washington Post que começou com as pequenas notícias num espaço limitado em seu jornal.
A graça de “All the President’s Men” é justamente acompanhar desde o princípio um evento que adquiriu proporções gigantescas com o tempo. Nem Woodward, nem Bernstein são gênios escondidos entre as centenas de funcionários do Washington Post, mas também não são idiotas. Eles começam onde todos começam para criar algo do que ainda não é nada, investigando as pistas mais óbvias até sentirem o cheiro de algo maior e escondido em toda aquela situação. Assim, o espectador tem a chance de começar na posição mais natural de todas antes de que Hunt, Colson, Dahlberg, Haldeman, Porter, Sloan, Mitchell e tantos outros nomes da enxurrada de envolvidos afoguem o espectador em confusão. E que não haja engano: isso eventualmente acontece. Chega um momento em que são muitas pessoas em muitas funções totalmente ou parcialmente responsáveis por algum detalhe importante do caso, portanto fica difícil de não se sentir sobrecarregado. Felizmente, o roteiro toma cuidado para deixar essa sensação brotar só no último quarto de filme, em um momento em que é justificada a existência desse amontoado de informação.
Se “All the President’s Men” começasse largando um caminhão de nomes já nos primeiros minutos ou exigisse conhecimentos específicos, imagino que a situação seria outra. Entender especificamente qual o cargo ocupado por um nome mencionado vez ou outra não é imprescindível para o entendimento da trama e por isso ela funciona tão bem. A informação atinge quantidade absurda justamente num momento de revelação para os protagonistas, que finalmente passam a ter noção da dimensão do caso Watergate. Definitivamente não é apenas um evento casual que, por acaso, envolveu o prédio do partido Democrata. E isso não é revelar demais sobre o filme, pois hoje, mais de 40 anos após o escândalo, já se sabe muito bem o resultado dele. Dizer que uma invasão de propriedade evoluiu para algo maior é sugerido já nos primeiros minutos, quando fica claro que os repórteres têm aquela sensação de que há algo grande na espreita.
Outra parte do sucesso deste processo é o elenco. Ambos Robert Redford e Dustin Hoffman passam perfeitamente a imagem de pessoas normais envolvidas em algo muito maior que elas. Não num sentido hitchcockiano da palavra, que denotaria um inocente envolvido numa situação extraordinária por acidente, e sim no sentido de que eles são jornalistas fazendo o seu trabalho. Jornalistas jovens e sedentos, sim, e também jornalistas que recebem seu salário todo mês e comem no McDonald’s porque estão cansados, meio frustrados e, principalmente sem tempo. A dificuldade de lidar com um problema do tamanho dos Estados Unidos é transmitida perfeitamente. Nenhum dos dois atores principais age como estrela ou trata seu papel como herói usando roupas casuais, o extraordinário cidadão comum. A investigação realmente caminha aos poucos: num ritmo bom, narrativamente falando, e crível, em termos de realidade. Sem atalhos ou resoluções fáceis, a progressão soa como fruto do esforço suado da dupla de jornalista. Basta olhar para os atores para perceber que seus personagens realmente sentem nas costas o peso do empenho.
Visualmente, a fotografia de Gordon Willis e a direção de Alan J. Pakula evocam uma atmosfera de realismo totalmente pertinente ao que se pretende com “All the President’s Men”, uma que não está preocupada com super-dramatizar o conteúdo a fim de extrair emoção de uma história essencialmente factual e de caráter jornalístico. Até porque o roteiro e o elenco já fazem um ótimo trabalho nessa parte, portanto não se faz necessária um tipo de compensação vinda dos visuais. Claro, as imagens de Willis estão sempre em consonância com e conscientes dos objetivos de cada cena. Não há exagero ou incoerência. “All the President’s Men” caminha triunfante por conta da união orgânica e forte de seus vários aspectos.
Sendo assim, a melhor palavra para definir “All the President’s Men” é processo. Tudo caminha para um mesmo objetivo — interpretações, roteiro, direção, fotografia e produção: mostrar que Watergate não foi um fato pontual bombástico. Houve um começo que não dizia nada, a princípio, ao mesmo tempo que deixava um fio de suspeita. Eventualmente, alguém seguiu esse fio e seguiu o dinheiro e seguiu as dicas até chegar onde as coisas chegaram. A obra como um todo não dá a entender que se sente na obrigação de concluir alguma coisa, botar um ponto final e todos os pingos nos is. O final, que pode soar estranho num primeiro momento, deixa esse posicionamento completamente claro, reconhecendo seu próprio escopo para fazer o melhor possível com ele.