Os filmes da série “Mission: Impossible” são do tipo que todos já viram de um jeito ou de outro. Seja nos cinemas em seu tempo, pegando trechos perdidos na televisão aberta de forma casual ou assistindo na TV a cabo quando passando pelos canais em busca de algo para assistir. Com o sucesso retumbante de “Mission: Impossible – Fallout“, o sexto da série, a pulga atrás da orelha passou a coçar com curiosidade pelos anteriores, principalmente os primeiros. Lançado em 1996, este primeiro filme é, provavelmente, o mais e o menos lembrado de todos. Em primeiro lugar porque algumas de seus momentos são clássicos absolutos em toda a história do Cinema; em segundo lugar porque é o mais antigo de todos e, provavelmente, o mais longe na memória. Antes de maiores preocupações, ele continua tão bom quanto nas lembranças.
Ethan Hunt (Tom Cruise) é o jovem líder de uma dinâmica equipe de agentes secretos com especialidades variadas. Seus serviços para o governo são sempre feitos em absoluto segredo e tendo o sucesso como única alternativa possível. Caso algo dê errado, eles são completamente renegados por seus chefes e abandonados a seus próprios destinos. A missão da vez é infiltrar-se num evento e obter um disquete contendo uma lista com vários agentes infiltrados pelo mundo, mas as coisas dão muito errado e o objetivo vai pelos ares. No centro de tudo, Ethan é considerado um traidor pelo alto escalão e passa a ser perseguido pelos seus antigos empregadores. Cabe a ele limpar seu nome e descobrir o responsável por sua ruína.
Já havia sentido um pique de curiosidade pelo resto da série em “Rogue Nation“, mas por algum motivo não dei seqüência à sessão de relembranças. No entanto, foi nesse período que acabei pesquisando mais sobre os longas mais antigos e, para minha surpresa, descobrindo que o primeiro foi dirigido por ninguém menos que Brian De Palma. O gênio por trás de incríveis trabalhos como “Scarface“, “Carlito’s Way” e “The Untouchables” foi o responsável por resgatar uma série de espião dos Anos 60 e transformar em uma produção milionária no cinema, que eventualmente teria várias continuações nas décadas seguintes. Ser a primeira tentativa de adaptar uma série de TV no mesmo estilo de “The Saint” e “The Man from U.N.C.L.E.”, que ainda seguiam rigidamente o modelo de aventura da semana, tem reflexos diretos na forma de “Mission: Impossible”. Ser dos Anos 90 não significa que ele ignora suas raízes de um tempo em que espiões eram tratados de uma forma diferente e menos séria.
Um claro sinal disso se nota na personalidade quase nula de todos os personagens, falando em termos humanos. Por exemplo, cada um tem um conjunto de características em quantidade mínima para diferenciar um do outro, ou seja, personagens resumidos às suas funções dentro da trama e apenas um ou outro traço de individualidade. Tom Cruise é o rostinho bonito da equipe, o jovem agente talentoso, impulsivo e eternamente agitado que lidera todos os outros por mérito a despeito de ser um pouco instável. Então há pelo menos dois rostinhos bonitos femininos para servirem de contraparte do protagonista, um vilão, um traidor e um amigo para completar o elenco e preencher as necessidades do enredo sem incluir um pingo de profundidade. É difícil ignorar quão vazios os personagens são — especialmente comparando com os filmes seguintes — porém “Mission: Impossible” se mostra claramente mais interessado em apresentar uma seqüência de eventos que consiga prender a atenção com um mistério e várias cenas de ação, ambos aspectos significativamente melhor trabalhados.
No final das contas, “Mission: Impossible” é como se fosse uma grande aventura com jogadores ocupando posições padrão espertamente orquestradas para servir o propósito de prender a audiência. Não é a proposta mais original, mas funciona. É mais ou menos como vários filmes do próprio James Bond: há um enredo padrão e um elenco formular como suporte. A diferença é que os coadjuvantes costumam ser mais trabalhados ou, no mínimo, mais carismáticos, porém isso é assunto para outra hora. Pensando em similaridades, há a presença notável de acessórios mirabolantes para ajudar os agentes em sua missão. Chiclete explosivo, caneta com drogas, óculos com lentes eletrônicas e, claro, máscaras ultra-realistas para ajudar nas situações em que cérebro e punhos não dão conta sozinhos.
Não, a trama e seus personagens não possuem a profundidade que se encontra em filmes preocupados com humanizar a história como um todo. Tudo serve um propósito evidentemente objetivo e simples, sem preocupações com motivações envolvendo desejos e sentimentos pessoais ou qualquer coisa do tipo. No máximo, o que se encontra são temas vagos como vingança e justiça. E pouco importa porque a ação domina o holofote e faz o espectador esquecer dessas partes. Vale dizer, todavia, que ela funciona diferente das seqüências absurdamente megalomaníacas das continuações, com Cruise agarrando em aviões e rasgando o trânsito em alta velocidade com uma moto. “Mission: Impossible” traz os talentos de Brian De Palma no timão de momentos mais centrados no suspense e na tensão da dependência de chances ridiculamente pequenas. O filme faz o título de missão impossível realmente ser sentido por conta das ações do protagonista serem na base do tudo ou nada, planejadas antecipadamente com um risco imenso de dar errado.
Assim, a energia da obra não dá as caras com perseguições em meio a uma tempestade de areia ou explosões visíveis do espaço sideral, mas através de um jeito mais clássico do jogo de espiões envolvendo suspeitas em alta e caça ao traidor entre amigos, além do uso dos apetrechos curiosos em momentos-chave. Isso é traduzido em arranjos de câmera clássicos e composições estáticas, as quais funcionam perfeitamente com a entonação mais puxada para o suspense. Quando se tenta aumentar a adrenalina demais e tentar algo mais explosivo, as máculas de um filme antigo dão as caras na forma de efeitos especiais bastante feios. Assim como os personagens rasos, não é nada que estrague “Mission: Impossible” como entretenimento de bom gosto.