A família Bennet passa por apuros. O patriarca da família (Donald Sutherland) está em idade avançada e logo terá de ceder sua propriedade inteira para um sobrinho, pois apenas homens têm direito a herança. Para a infelicidade do velho, ele teve 5 filhas; para a felicidade da mãe, uma incansável casamenteira, o número de filhas possibilita que ela ajude a arranjar cinco maridos. Lizzy (Keira Knightley) não compartilha o mesmo interesse da mãe em ficar procurando pretendentes e prefere ater-se aos livros e idéias, enquanto a maioria de suas outras irmãs se divertem estimando rapazes e sonhando acordadas no resto do tempo. Então o rico Sr. Bingley chega na cidade acompanhado do austero Sr. Darcy (Matthew Macfayden) abalando as estruturas dos Bennet e de todas as garotas solteiras. Claramente, “Pride & Prejudice” traz um retrato contemporâneo da cena romântica.
Antes de qualquer coisa, de qualquer tipo de opinião direta sobre “Pride & Prejudice” como adaptação da obra clássica de Jane Austen, algo deve ser comentado: o abismo sociocultural entre a época da história e os dias de hoje. Sem pensar em moralismos ou julgamentos injustos do passado tendo em vista os valores aceitos no presente — como um tipo de etnocentrismo temporal — é impressionante como tudo era tão diferente naquele tempo. Herança e patrimônio eram passados apenas para os homens da família, como no caso do Sr. Bennett cedendo seu patrimônio para o filho de um dos irmãos porque toda sua prole é feita de mulheres. A noção de ascensão social feminina existia exclusivamente por meio do casamento com algum homem bem de vida e mais, o patriarca ainda devia pagar uma quantia mensal para cada homem que casasse com as filhas. Esquisito, no mínimo.
E, não, a idéia não é usar o espaço que era para ser de uma análise para expressar indignação sobre tal momento histórico. Falo desta parte da história porque “Pride & Prejudice” acerta em cheio na apresentação daquela realidade em diversos aspectos. O primeiro deles é justamente aquele que captura o olhar antes do resto: o estético. Figurino e cenários nem de longe dão a impressão de ser algo fabricado, como uma realidade adaptada para apenas lembrar um contexto histórico. A escolha e construção de cenários são essenciais para a caracterização de um mundo onde renda anda estritamente ligada ao status social do indivíduo. Uma simples olhada nas imagens deixa perfeitamente clara a situação dos personagens e até seus objetivos, em parte. É fácil compreender por que a Sra. Bennet quer tanto casar uma das filhas na família dos Bingley. A diferença nas roupas e na casa dos dois é explícita e nem precisa dos personagens dizendo que o rapaz ganha quatro vezes mais anualmente que o Sr. Bennet.
A família da protagonista não é o que pode ser chamada de pobre ou algo do tipo, até porque eles são classificados como uma categoria próxima da realeza nos livros. Mesmo assim, eles estão num patamar de contraste notável quando postos diante de gente realmente rica. O figurino denota, por exemplo, uma preocupação maior com as aparências e as roupas do que com a moradia propriamente dita. A mãe, devoradora e inconveniente por natureza, dita várias regras dentro de casa. Por mais que não seja a provedora de dinheiro e sustento, ela comanda quase completamente a criação das filhas. Assim, dá para imaginar que faz questão de fazer delas investimentos em vez de manter o casarão, que acabará indo para um primo aleatório de quem ninguém gosta. Vestindo-as bem, ensinando modos e dando as dicas de como conquistar um rapaz é mais interessante para ela que viver num lugar belo. E, claro, essa preferência é notável na casa com seus sinais claros de deterioração e até um traço camponês — pejorativamente falando — no ar, com terra invadindo a casa, fungos nas paredes e móveis velhos. “Pride & Prejudice” não erra nem de leve no quesito apresentação e criação de um mundo coerente com a história.
A adaptação também não comete deslizes no enredo geral, embora a história como um todo não possa se gabar dessa mesma característica positiva. É neste quesito que Jane Austen merece todo aplauso por saber usar as normas sociais de seu tempo a favor do drama, então criando uma clássica saia justa para todos os envolvidos já nos primeiros momentos. Uma série de complicações torna difícil a vida dos Bennet, que simplesmente deixarão de ser se a situação presente prevalecer. Heranças só são passadas para filhos homens, sendo que há não uma, mas cinco mulheres. Se o pai morrer, a mãe e todas as filhas serão colocadas na rua ou, no mínimo, terão de ficar à disposição de um parente malquisto como empregadas, esposas ou pior. Dentre as garotas, a protagonista é justamente uma mulher que se recusa a fazer parte daquilo que é considerado comportamento e postura padrão, o que dificulta muito sua vida em uma sociedade que valoriza esposas submissas e complacentes com as vontades do marido. Ademais, a mãe tem gosto pela arte de casar filhas, mas está longe de ser uma pessoa que serve de boa propaganda; mais um detalhe entre vários outros menores que fazem o enredo funcionar. No entanto, “Pride & Prejudice” peca em uma outra parte tão essencial quanto um enredo bem construído.
Vale dizer que o livro “Orgulho e Preconceito” não é dos clássicos mais longos. Sem nem chegar perto de monstros como “Os Miseráveis”, “Anna Karenina” e “Guerra e Paz”, a obra fica em torno de 400 páginas, então não há como dizer que o trabalho de adaptação é algo hercúleo. Mesmo assim, o roteiro de Deborah Moggach parece ser uma versão um tanto objetiva e direta ao ponto do trabalho de Austen. Vale dizer que esta é uma impressão e não uma avaliação decisiva porque ainda não li o livro, porém alguns sinais ao longo do filme indicam que há mais do que é contado. Por exemplo, em dado momento dois personagens discutem sobre a personalidade de uma outra personagem sendo que é difícil avaliar a cena como um todo porque não houve momentos com a última para o espectador ter uma opinião fundamentada. Não dá para saber se o que uma personagem afirma sobre a outra é verdadeiro com tão poucos sinais. Além do mais, outros momentos de “Pride & Prejudice” indicam que uma maior familiaridade com o elenco seria de uma riqueza enorme para a história como um todo, especialmente porque ela trata de romance e sentimentos.
O saldo final deste filme de Joe Wright certamente não é negativo, longe disso. Diria que ele tinha potencial para ser uma adaptação incrível se não fosse tão econômica no desenvolvimento dos personagens, que existe ao mesmo tempo que parece se submeter demais ao escrutínio do enredo. A relação entre os dois deve ser algo orgânico e intimamente conectado, não relativamente desunido como acontece aqui. Com um pouco mais de investimento no tempo entre audiência e personagens, “Pride & Prejudice” poderia ter sido significativamente melhor sem precisar do mesmo tempo da minissérie de 1995, por exemplo, que tem 327 minutos.