“Night of the Living Dead” reconta um dia aparentemente normal. Barbra (Judith O’Dea) e seu irmão viajam mais de cem quilômetros para fazer um favor para sua mãe e prestar homenagens num cemitério. O que nenhum deles sabia — ou o resto do mundo, a propósito — era que os mortos estavam voltando à vida. De repente fica claro que a situação é crítica quando as criaturas parecem estar em toda a parte e sem mostrar nenhum sinal de parar tão cedo. Um grupo de sobreviventes encontra uma saída num casarão vazio no meio de uma planície, mas aos poucos fica claro que eles não poderão ficar ali para sempre. O impulso das criaturas de atacar pessoas e comer sua carne é constante e logo elas arranjarão um jeito de entrar.
Analisar uma produção artística num contexto distante é uma atividade tão cretina quanto recompensadora. Quem assistir hoje, 50 anos depois do lançamento original, tem acesso a uma quantidade absurda de informações sobre as intenções por trás da obra; Blu-Rays com entrevistas e extras de todos os tipos, além de um panorama histórico impossível de ser obtido antes. Apenas alguém com capacidades sobrenaturais poderia dizer que “Night of the Living Dead” seria um dos filmes de terror mais influentes de todos os tempos, que resultaria em cinco continuações e seria responsável pela popularização do zumbi na cultura popular. Até então, outros trabalhos de outras mídias tinham flertado com o conceito de morto-vivo comedor de carne humana. Nenhum alcançou o mesmo impacto.
Por outro lado, estes mesmos relatos preciosos de pessoas que fizeram parte dessa história mostram que nem tudo é retrospectiva, nostalgia e saudosismo. “Night of the Living Dead” também foi muito marcante por ser incomparável a qualquer outro produto de seu tempo. Clássicos do Terror já existiam — como ao menos três adaptações de Drácula, “The Fly” e “Psycho” — mas nenhum deixou uma marca como essa porque a abordagem era simplesmente diferente. Longe de ser uma questão de qualidade ou competência; o buraco é mais embaixo nesta obra de George A. Romero por zumbis mastigarem carne humana em detalhe, brigarem por um pedaço de tripa e arrancarem pedaços de cadáver, que logo se levantam num frenesi sanguinário. Independentemente de tudo o que veio depois para as audiências mais jovens, a experiência em primeira mão deve ter sido algo único para audiências acostumadas a um estilo diferente em termos de gênero e mercado.
Se os relatos forem verdadeiros, ser uma criança em 1968 e assistir a “Night of the Living Dead” esperando ver criaturas reconhecíveis da mitologia recente, vampiros e lobisomens entre eles, deve ter sido um tanto traumático. A mordida no pescoço de um vampiro chega a ser romântica perto de mastigar vorazmente um fígado fresco. É um contraste e tanto. Então retoma-se o dia presente, quando é perfeitamente normal encontrar um filme de Quentin Tarantino com gente baleada jorrando sangue em câmera lenta nos mesmos 10 segundos em que miolos passam a fazer parte do papel de parede. São tempos diferentes. Hoje é mais difícil se impressionar com alguns feitos do passado, em outras palavras, não se assusta tão facilmente com aquilo que já não é mais chocante.
Seria injusto analisar a obra por esse viés? Talvez. Por isso a idéia não é associar qualidade com o fator horror. Como não é possível comparar os dois contextos ou adotar um ponto de vista completamente imparcial, resta apreciar as peculiaridades do contexto atual e ver como a experiência funciona hoje. Neste quesito, a obra começa deixando um pouco a desejar, pois fica claro que George A. Romero ainda não tinha sua definição de zumbi bem definida. “Night of the Living Dead” traz um conceito inicial que simplesmente não envelheceu bem. Os zumbis de Romero mais tarde seriam conhecidos pela capacidade de aprender alguns comportamentos e ações simples, mas aqui é tudo muito esquisito. Certos momentos até chegam a ser engraçados por parecerem que são de um filme amador de zumbi.
São cenas mal coreografadas que lembram a primeira luta de Godzilla em “Godzilla Raids Again“, com dois elementos se agarrando para lá e para cá sem fazer nada em especial. Ou então usando objetos como se fosse perfeitamente lógico para um monstro fazer isso. Outra similaridade com o Rei dos Monstros surge em um dos momentos mais tediosos de “Night of the Living Dead”, quando a ação é pausada para um momento de pura exposição informativa sobre o que está acontecendo e o que são aquelas criaturas. Nada muito longe das cenas dos v—cientistas explicando a origem de Godzilla — por que ele é tão grande e como irão derrota-lo.
Para ajudar, elas chegam justamente quando “Night of the Living Dead” fica mais interessante. O zumbi por si não é de todo muito interessante por conta de suas capacidades não serem bem exploradas, porém em grupo ele ganha uma outra face. Juntos, os monstros são uma força que pouco a pouco ameaça derrubar de uma vez as quatro paredes da casa, o que pressiona os sobreviventes a brigar entre si para tentar solucionar este problema crescente. Assim, uma camada de conflito é adicionada à outra já existente e deixa a situação toda mais tensa e interessante, como uma batalha lutada em dois fronts. Personagens são criados para que nada seja tão simples quanto cooperar e sobreviver. Sempre há alguém incompetente ou relutante, cético ou simplesmente mal-intencionado, para minar as perspectivas de sucesso.
Se a situação não é muito favorável para os zumbis inicialmente, a situação logo se escala para criar outros e outros pilares dos filmes deste tipo. O monstro como unidade é tosco e não apresenta um perigo real, apenas um ocasional motivo para rir; como grupo, ele se torna uma ameaça maior e difícil de enfrentar por funcionar como uma manada. Somando isso ao fator humano no apocalipse, surge um inimigo a mais entre sobreviventes que deveriam se ajudar contra um inimigo comum. Levando tudo isso em consideração, já é um conjunto e tanto para uma estréia de conceito. No geral, “Night of the Living Dead” é uma analogia a dois de seus momentos proeminentes: no clímax, é tosco como tudo dá errado porque sim e, embora seja um momento-chave da história, é um deslize mínimo perto do final inesquecível da obra.