Han Solo (Alden Ehrenreich) é um de muitos jovens que vivem uma vida de crime em troca de proteção de um lorde do submundo do crime em Corellia. Ele faz pequenos serviços, roubos, entre outras coisas para garantir que continue vivo no próximo dia, mas não está contente com essa situação. Seu sonho é pegar Qi’ra (Emilia Clarke) e abandonar o planeta de uma vez por todas para viajar pela galáxia livre de qualquer amarra. E ele quase consegue isso, exceto pelo fato de que a garota acaba ficando para trás. Seu novo objetivo de vida torna-se entrar para o mundo dos contrabandistas e ganhar dinheiro para comprar uma nave e resgatar Qi’Ra.
Não há dúvida de que Han Solo é um dos personagens mais queridos do Universo Star Wars. Sua participação na Trilogia Original cimentou sua persona em carbonite e criou toda uma mitologia no Universo Expandido a respeito dos tais contrabandistas, que formaram um recorrente arquétipo de personagem junto com os Jedi, Sith, Caçadores de Recompensa etc. Quando o personagem retornou em “Star Wars: The Force Awakens” para morrer nas mãos do próprio filho, a audiência sentiu o peso da pancada e a Disney, o cheiro do dinheiro. Então nasceu “Solo: A Star Wars Story”, um filme que não empolgou exatamente num primeiro momento.
Começa pelo fato do famoso contrabandista ser originalmente interpretado pelo ator que foi mais longe na estrada do estrelato: Harrison Ford. Ele era atraente, charmoso com um toque de malandro, aventureiro, um pouco despreocupado e firme ao mesmo tempo. Tais qualidades foram aproveitadas ao longo de sua carreira em diferentes papéis, de “Raiders of the Lost Ark” a “The Conversation“. Mas há algo que se conserva em todos esses papéis, por mais diferentes que sejam: a essência da personalidade do ator. Han Solo não foge dessa regra e chega a ser pior, tamanha sua popularidade, o que resulta num peso gigantesco nas costas do ator encarregado de encarnar uma versão mais jovem do personagem. Vestir as mesmas roupas, pilotar a mesma nave, ser chamado pelo mesmo nome e imitar alguns comportamentos não significa interpretar bem. O mesmo vale para quem esperava algo extraordinário vindo de Donald Glover, que é, no máximo, simpático em seu papel como o jovem Lando Calrissian.
Competente não é um adjetivo que posso atribuir ao trabalho de Alden Ehrenreich. Nem ruim, diga-se de passagem. No entanto, não houve um momento sequer em que parei e pensei sobre como o jovem rapaz estava indo bem interpretando um ator interpretando um personagem. Pois é, não se trata apenas de emular Harrison Ford num geral ou recriar o papel de Han Solo, esta é a clássica saia justa de resgatar o Han Solo clássico a ponto de agradar os fãs e trazer alguma novidade para não ficar uma cópia plástica e artificial. O problema que Ehrenreich enfrenta é o mesmo de uma parte considerável dos humoristas imitadores. Basta ver que mesmo as imitações mais iguais, excluindo as intencionalmente escrachadas, dificilmente duram mais do que alguns momentos. Emular micro-expressões, pequenos vícios de pronúncia, olhares, postura e intensidade da fala certamente não deve ser tarefa fácil. São muitos detalhes que devem ser percebidos e decorados através de um esforço racional; percepção e memória usados como guias dos movimentos do imitador.
Em outras palavras, daria para dizer que o ator está autoconsciente, pensando ativamente nos processos mentais necessários para que sua atuação entre nos padrões rígidos esperados pelo estúdio e pelos fãs. Eis um tiro no pé. Atuação é uma arte que exige uma conexão espontânea, fluída e natural do indivíduo com suas experiências e os sentimentos provocados por elas, acesso ao conteúdo pessoal que possa permitir que o ator traga sua própria história de vida como base para a vida do personagem. Não surpreendentemente, Alden Ehrenreich precisou de preparadores de elenco para ajuda-lo em sua tarefa de encarnar um personagem clássico que, ainda assim, é bem mediano. Não é uma jovem versão que pode ser ligada ao Han Solo de sempre nem uma interpretação original que impressiona por sua competência, apesar da diferença. Não chega a ser um ataque direto ao legado do contrabandista mas também nunca diria que é uma adição minimamente interessante.
Para alguns, o filme acaba no insucesso de Eherenreich. Porém ainda há todo o resto para compensar a equação. Mais ou menos. Querendo ou não, o longa se chama “Solo” e sua história deveria tentar refletir a personalidade do personagem. O gosto por aventura — ou seria uma atração involuntária? — teria que estar ali junto com um conflito do personagem a respeito de suas motivações. Assim como ele entrou na Rebelião por dinheiro e continuou por honra, amor e amizade, uma história embasando tal motivação inconstante seria a chave para expandir o personagem. E é exatamente isso que “Solo” tenta fazer. Analisando num panorama mais amplo, é possível ver que a trama segue erraticamente o trajeto de dar uma boa razão para ele ser um desconfiado de bom coração. Acerta quando há preocupação em justificar a frieza na negociação com gente que não pensaria duas vezes em disparar um blaster por dinheiro ou quando são apresentadas as consequências de seguir o coração.
Outra característica importante de Han Solo é sua capacidade incrível de se meter em enrascadas e, de alguma forma, conseguir sair delas por um minúsculo triz. Seria esta a fórmula perfeita para criar grandes sequências de ação vez após vez até que haja um filme de mais de duas horas? Aparentemente, é o que faz sentido para os roteiristas. E até seria possível fazer algo funcionar nesses moldes se cada sequência tivesse algo mais em jogo do que o sucesso imediato, seja ele sobreviver a uma guerra, fugir de um planeta, fugir de mais um planeta ou ser mais esperto que um lorde do crime. Por si, esses momentos estão longe de uma narrativa forte, longe de compensar o enredo esquelético e mais ainda pelas cenas de ação nem serem muita coisa.
Mas talvez esteja sendo duro demais com “Solo: A Star Wars Story”. Sim, o longa realmente é cheio de defeitos e assume os postos de Star Wars mais descartável e de pior de toda a série, portanto nada do que foi dito aqui é exagero. A questão de pegar pesado está ligada ao simples fato dele existir, em primeiro lugar. De todos os filmes, este foi o que teve o desenvolvimento mais conturbado. Dois diretores foram demitidos na metade do caminho em decorrência de diferenças criativas, o ator principal teve dificuldades com sua interpretação e regravações foram feitas extensamente depois que Ron Howard entrou no projeto. Não vou dizer que não havia potencial para as coisas darem certo. Até dá para ver um esqueleto de comédia abraçando organicamente a qualidade de vira-lata sortudo de Han Solo, mas o resultado acabou sendo um filme de ação vazio e sem espírito.