É difícil dizer exatamente qual é a de “Prisoners”. Está longe de ser apenas um suspense policial envolvendo um objetivo pontual, que deve ser cumprido pelo protagonista e sua capacidade de enxergar algo onde a maioria não vê nada. Também não é só um comentário sobre a natureza humana baseado em elementos subliminares, objetos e atitudes, os quais falam sobre a psique dos personagens sem que alguém tenha de fazê-lo em voz alta. Existe um meio termo que o primeiro filme americano de Denis Villeneuve trilha muito bem, sem cair muito para o lado de uma história bidimensional ou para o outro de uma obra sem propósito aparente.
Uma pequena e gelada cidade do interior da Pensilvânia parece ser o lugar perfeito para estabelecer família e viver uma vida tranquila sem a energia incessante das metrópoles. Uma casinha, um quintal, dois filhos e o som da lenha estalando na lareira. Mas isso muda completamente em pleno Dia de Ação de Graças quando as filhas de Keller Dover (Hugh Jackman) e dos vizinhos são raptadas sem deixar rastro. O Detetive Loki (Jake Gyllenhaal), famoso por nunca ter largado um caso sequer não resolvido, assume a investigação, porém os sinais indicam que esta pode ser uma dura primeira vez. Atônito, Keller decide investigar por conta própria sem se preocupar com dilemas morais e legais envolvidos.
Para desmistificar “Prisoners”, um bom primeiro passo é pensar em seus personagens. De um lado, Hugh Jackman interpreta o pai que teve o tapete puxado de seus pés em uma situação que nem de longe poderia ser culpa sua. As crianças foram fazer uma coisa que já fizeram centenas de vezes, algo que definitivamente não precisava de supervisão dos mais velhos e, então, foram raptadas. É como se um atirador entrasse numa sala de aula e abrisse fogo contra uma turma de jardim de infância. Não há uma possibilidade sensata da professora se culpar, a não ser que ela mesma tenha atirado nas crianças. Tudo é muito súbito e grave ao mesmo tempo. Keller Dover sabe muito bem que a probabilidade de encontrar sua filha é exponencialmente menor com o passar dos dias. Depois das primeiras horas, ela cai bastante e fica ínfima depois de sete dias.
Então entra o Detetive Loki na história. Mesmo se tratando de um assunto bem delicado, mesmo a cidade sendo pequena e a notícia de uma pequenina sequestrada não passar batida como em uma cidade grande, o que deveria aumentar a pressão, ele mantém a cabeça fria. Essa situação, por sua vez, é análoga à de um grupo que tem um membro menos apaixonado que os outros pela causa que defendem; a simples postura menos militante incomoda os outros que esperam um pouco mais de animação e posicionamento forte. O pai da garotinha é um destes incomodados que falham em enxergar que, sim, o policial está fazendo o que pode para encontrá-la. Está montado o tabuleiro em que duas forças competem, mas não diretamente. Seus objetivos são os mesmos; os métodos mudam bastante. Seus ocasionais conflitos evidenciam tanto as diferenças entre suas personalidades como traços gerais da natureza humana. Em outras palavras, a burrice emocional.
Mas para que pensar tanto nos personagens? Bem, uma das melhores experiências proporcionadas por “Prisoners” é a atuação do elenco principal. De um lado, aqueles familiares com o trabalho de Hugh Jackman na série X-Men podem achar que não estão vendo nada muito diferente do que já viram. Eis um homem estourando de irritação por querer encontrar a filha e não ter a mínima idéia de como fazer isso, com raiva e tendo apenas as pessoas erradas para descarregar o sentimento. Sim, ele urra e fica nervoso como Wolverine, mas antes disso demonstra frustração e até um pouco de insegurança quando fica sabendo do que aconteceu com sua filha. Além do mais, seu papel não o limita à raiva ao fornecer oportunidades de demonstrar também tristeza e frustração, algo que representa mais fidedignamente os sentimentos de alguém que perdeu alguém que amava. De qualquer forma, pode-se ver a emoção cegando o indivíduo.
“Prisoners” mostra preocupação em trazer seus personagens principais com ao menos algumas camadas a mais do que seria considerado aceitável para o papel, como no caso de Jackman. Se ele tivesse se apenas demonstrado raiva diante da situação, tudo bem; seria uma boa atuação dentro de seus próprios limites. Felizmente, há um outro lado para contrapor este sentimento e mostrar que há um pai sofrendo detrás do homem que faz o que acha que deve. O mesmo acontece com o personagem de Jake Gyllenhaal em um menor grau. Ao mesmo tempo que ele é racional, calculista e sempre no controle da situação, existem alguns momentos que conseguem tirá-lo de seu padrão e injetar um pouco de adrenalina e medo nele. Loki pode ser bom, mas ainda é um ser humano como qualquer outro. Infelizmente, não posso dizer o mesmo de todos os personagens. Um caso em especial me incomoda mais que outros — as tais atuações boas em seus limites — por ser feito de uma interpretação muito forçada que, de quebra, ainda deixa exacerbadamente clara qual a função da personagem dentro da história, o que nunca é bom. Em termos de emoção crua, a esposa de Keller Dover nem de longe tem o mesmo sucesso dele.
Outro ponto que não pode passar batido é a história de “Prisoners”. Simples em um primeiro momento, ela leva o espectador por caminhos que ele acha que já conhece e o deixa tranquilo para, de repente, trazer alguma virada que nem sempre se mostra definitiva. Ou seja, às vezes não passa de uma enganação, um truque para fazer o espectador acreditar em algo e sentir o peso daquele evento como se fosse verdade. Não importa que a mentira se desfaça momentos mais tarde, ela funciona bem por alguns momentos porque os jogadores envolvidos se asseguram disso. O único problema existe quando “Prisoners” realmente traz a verdade à tona, pois aí entra a tal Síndrome de Agatha Christie de trazer soluções rapidamente. Para um filme que tenta se aprofundar para além dos fatos objetivos, que introduz cenas inteiras sobre uma filosofia de “melhor prevenir que remediar” e, assim, acaba se super-estendendo, as soluções surgem de modo um tanto curioso. Talvez a duração de mais de 2h30 pudesse ter sido usada melhor.