Depois de ser muito positivamente surpreendido por “Deadpool” em 2016, não posso dizer que estava especialmente entusiasmado por uma continuação por medo de não conseguirem repetir o sucesso. Foi superando as expectativas de todos que o primeiro conseguiu ser uma das adaptações mais fiéis de quadrinhos e, de quebra, muito divertido. Especialmente considerando o desenvolvimento conturbado e todos os cabos de guerra que resultaram em adaptações horríveis, como a de “X-Men Origins: Wolverine”, foi um grande alívio ver o mercenário tagarela representado devidamente. Mas tanto sucesso tornou inevitável uma sequência. “Deadpool 2” dá as caras sem superar seu predecessor, embora ainda seja um bom filme.
A história começa com Wade Wilson (Ryan Reynolds), mais conhecido como Deadpool, em pedaços. Literalmente. Com o coração estilhaçado, o próximo passo lógico é despedaçar o resto do corpo para deixar tudo do mesmo jeito. É claro que não dá certo, então o mercenário se vê forçado a aturar a compaixão intensa de seus amigos X-Men e acompanhá-los em suas missões. Uma delas leva ele a trombar com Firefist (Julian Dennison), um garoto com quase tanto poder quanto tem de raiva, e se deparar com uma responsabilidade com grandes chances de dar errado. A perspectiva de problemas é tão grande que Cable (Josh Brolin) vem direto do futuro para impedir que a situação sequer tenha chance de se escalar.
Quando Hollywood decide fazer uma continuação, existem três características elementares: maior, melhor e mais caro. Muitas vezes essa filosofia funciona, o que não quer dizer sempre ou mesmo que a fórmula é responsável pelos ocasionais sucessos. Qualidade costuma estar mais atrelada a um roteiro inteligente e uma direção que traduz palavras em ação, ao passo que um maior orçamento costuma ser mais positivo quando a falta de dinheiro resultou diretamente em problemas no passado. Um caso em que essa exata lógica acontece é “Mad Max” e “Mad Max 2“, pois o primeiro claramente tinha um conceito bom e pouco recurso para executá-lo. Por outro lado, “Spectre” foi 45 milhões de dólares mais caro que “Skyfall” e não é superior em nenhum aspecto. No caso de “Deadpool 2”, investem mais na parte financeira do que na parte criativa e, assim, problemas financeiros que nunca existiram em primeiro lugar não são resolvidos.
Aconteceu justamente o contrário antes, quando o orçamento mais baixo que o padrão virou motivo de piada e emplacou das várias ocasiões em que Deadpool quebra a quarta parede para fazer externalizar os pensamentos da audiência. Se existe, de fato, uma fórmula para fazer um filme do mercenário tagarela, ela estava no filme anterior. A maior quantidade de piadas de “Deadpool 2” não é melhor nem igualmente eficiente à proposta de antes. No entanto, não há como dizer que o caráter da maioria delas é diferente de alguma forma do que veio antes. Gostando do que havia no primeiro, não tem erro. Várias piadas trazem de volta a graça de ver um herói que satiriza tudo e todos, inclusive o filme de que ele nem deveria saber que faz parte. Tudo o que é novo vira motivo de piada. Personagens ganham apelidos bizarros que pegam a audiência de surpresa por simplesmente não ter limites. Aqueles baseados em qualidades perceptíveis já são esperados, mas são outros que saem do nada que impressionam mesmo e mostram que “Deadpool 2” não está mal em termos de humor.
Todavia, o começo é um pouco preocupante e assusta em relação ao assunto. Os primeiros minutos soterram o espectador de referências, sátiras abertas, canções bregas, piadinhas derivadas da bobeira do protagonista e piscadinhas para o público, que mal tem tempo direito de entender o que está acontecendo ou de absorver cada pedacinho de humor com calma. Por sorte, isso não se delonga pelo filme todo e, mesmo pecando pelo excesso, ostenta momentos de muito bom gosto dentre tamanho exagero. Sem dúvida alguma a introdução está entre os momentos mais criativos e de maior ambição deste começo de história, trazendo uma bela sátira de uma tradicional franquia do cinema.
O resto de “Deadpool 2” é mais tranquilo e, curiosamente, este é seu maior problema. Até nas outras ocasiões em que exagera na quantidade de tiradas, sendo difícil de se animar igualmente com todas, é possível sair com um saldo positivo. Tudo bem, seria excelente se houvesse progressão entre as piadinhas que levariam a audiência do sorrisinho leve até a risada de duas sílabas e à gargalhada, mas não é isso que acontece sempre. Ainda pior é ter que lidar com o roteiro mediano na hora de abordar os trechos relativamente tradicionais. Assim como a história de origem do primeiro e a trama de salvar a esposa foram os pontos mais fracos de “Deadpool“, os momentos envolvendo a esposa novamente são os mais sem sal de “Deadpool 2” e, infelizmente, eles tomam bem mais tempo do que no filme anterior.
Sim, a adição de personagens novos faz bastante diferença na hora de pesar qualidades e defeitos na balança, mas nem todos servem o mesmo propósito. Começando pela inesperadamente melhor novidade, Domino (Zazie Beetz) é uma personagem que se encaixa perfeitamente na lógica surreal inclinada para a comédia da história. Seu suposto poder é uma sorte sobrenatural compensando a falta de poderes tradicionais e, bizarramente, isso é verdade. Ela é como a Gata Negra que tem sorte em vez de causar azar, um deus ex machina gigante, que, por sorte, os roteiristas fazem muito bem de aproveitar isso para benefício da comédia ao invés de desleixos de roteiro. Já Cable, o coadjuvante mais divulgado, faz uma participação que contribui mais para o enredo do que para o humor propriamente dito. Entretanto, bem executado e tudo mais como um contraponto sério ao bobão falante, ele expande, mas não fornece uma trama complexa o bastante para alimentar um filme todo ou compensar o melodrama envolvendo a esposa do mercenário. Se bem que sem ele não haveria a espetacular segunda cena pós créditos, facilmente uma das tiradas de maior sucesso aqui, portanto obrigado, Cable.
Definitivamente não posso dizer que “Deadpool 2” supera seu predecessor no geral. A tentativa de renovar a proposta de antes traz alguns problemas na forma de excessos e exageros no humor e raras ocasiões em que simplesmente tenta demais ser engraçado ao usar técnicas já consideradas clichês dentro do arsenal humorístico dos filmes. Só posso dizer que a ambição funciona mesmo quando tentam expandir as cenas de ação para um lado mais tradicional — infelizmente não tão bem dirigidas quanto antes, cortesia do diretor de “Atômica” — e quando abusam da violência explícita a favor do humor. Sempre que sangue é derramado em cena, ele é acompanhado de uma boa risada. De resto, o longa teria ficado bem melhor se a parte padrão do roteiro fosse melhor, coisa que é melodrama barato e simplicidade não são.