Há quem diga que “Terms of Endearment” está entre os vencedores de Melhor Filme mais sem sal de sua época e talvez de todos os tempos. Possivelmente nunca corri atrás dele por esse motivo, com expectativa de que realmente fosse um filme água com açúcar e alguma mensagem bonitinha que agradou os críticos e a Academia em seu tempo. O que encontrei, em contrapartida, foi uma das obras mais humanas que tive a oportunidade de ver, que mal tem um enredo propriamente dito por abraçar a vida e vários dos eventos-chave de forma solta e despreocupada, mas nunca menos funcional. O diretor James L. Brooks se alia a Shirley MacLaine, Debra Winger e Jack Nicholson para mostrar a boa história contida em um típico subúrbio americano.
Desde que Emma (Debra Winger) era apenas um bebê, sua mãe Aurora (Shirley MacLaine) já mostrava ser uma pessoa muito peculiar. Daria para dizer que ela é uma neurótica elevada a alguns graus mais intensos, aquela que é reconhecível até pelas pessoas que prestam pouca atenção nos outros. Ela dificilmente aceita um não como resposta, sempre faz um belo drama para conseguir o que quer e lamenta por horas aos ouvidos pacientes quando não consegue. Drama é sua especialidade e Emma não é exatamente fã de seus shows, o que leva a garota a sair de casa cedo quando casa com o namorado. Mas com a distância entre elas, nunca houve tanta proximidade em sua relação.
Apesar deste estilo naturalista ser do meu apreço, nunca considerei “Terms of Endearment” uma prioridade entre tantos outros vencedores de Melhor Filme ou mesmo entre todo o resto do catálogo infinito de cinema que há por aí. E de fato não encontrei nada aqui que fosse imperdível, algo que me fizesse pensar em todo o tempo que vivi sem conhecer tal qualidade Este é um Drama relativamente banal que se destaca justamente por abordar o lado simples da vida de forma tão despretensiosa e eficiente, sem preocupar-se com uma agenda ou estrutura padrão a ser aplicada na representação da relação de uma mulher com sua mãe, seus amigos, seus filhos e seu marido. As coisas são como são na vida real e igualmente assim nesta obra de James L. Brooks. Eventos vêm e vão, conflitos desaparecem momentaneamente antes de ressurgir aleatoriamente, relações mudam e o tempo passa, acima de tudo.
Se por um lado isso tudo pode parecer pouco atraente — o que talvez seja para muitos — é exatamente esta qualidade que caracteriza toda a história como um retrato da realidade e consequentemente a coloca mais próxima da fidedignidade nas mãos de artistas extremamente competentes. Tenho a impressão de que muitos eventos de “Terms of Endearment” podem ser recontados sem levantar alguma sobrancelha sequer ou interessar o ouvinte, que procura decepcionado por uma história no meio de tudo aquilo. Uma mãe liga para sua filha tentando desabafar sobre algum assunto pouco valorizado por esta última, que esnoba a mãe dizendo que está ocupada e que ligará mais tarde. Normal, não? Quem nunca se sentiu sem paciência para ouvir a mãe repetir o mesmo assunto de que ela vem falando toda a vida, uma ponta solta e mal resolvida que perdurou até a meia idade. Muito do que acontece aqui carece do tom cinematográfico que coloca a história num outro universo com outras regras. É fácil digerir o que é mostrado, porém nada acontece da mesma forma na vida real.
“Terms of Endearment” se dá a liberdade de fazer o que bem entender em termos de estrutura a ponto de aparentar não ter uma. Entretanto, nada parece desconexo como uma coletânea de episódios individuais isolados que não se comunicam entre si. A idéia por trás de dar saltos súbitos na cronologia sem razão justificada posteriormente é justamente mostrar que não há um padrão, tipo acompanhar os personagens diariamente ou com intervalos bem definidos. De repente a situação muda e o espectador tem seu breve momento de choque enquanto analisa a situação para ver o que mudou e o que ficou igual entre cortes. Curiosamente, pouca coisa realmente muda nestes momentos e, muito provavelmente, no filme em geral. Todo aquele papo de mudança de estado de um ponto para outro em níveis gradualmente maiores definitivamente não está evidente de forma descarada aqui, embora exista. Com isso, não busco dizer que as coisas não têm peso e que o tempo investido pelo espectador é irrelevante e mal recompensado, o efeito é outro.
A narrativa traz um ar de naturalidade que dificilmente é executado com aptidão porque é muito fácil se perder na pequena faixa entre aquilo que soa banal e o que é irrelevante de fato. Uma coisa seria assistir a “Terms of Endearment” e sentir que foi uma experiência vazia com um inalcançado potencial de ter sido tantas coisas mais; outra é assistir e perceber que não há uma manipulação aparente na essência do que está sendo mostrado. É como se tudo aquilo que os personagens fizessem caísse no esquecimento tão logo que os créditos começassem porque a vida é cheia de pequenos momentos relevantes que, não obstante, ficam para trás rapidamente no passar das páginas do tempo. Assim, não importa tanto o que os personagens fazem concretamente, mas quem eles são e quem eles mostram ser por trás de tantas atitudes pequenas. Assim, qualquer destaque surge por conta do magnifico elenco.
A personagem de Debra Winger é o mais próximo que se tem de uma protagonista, afinal de contas a maioria das relações exploradas partem dela e é seu ponto de vista o acompanhado mais frequentemente. Só não diria que é sua atuação que realmente chama a atenção aqui, não quando Shirley MacLaine e Jack Nicholson estão envolvidos. Para ajudar, os dois contracenam e concretizam suas posições como os personagens mais interessantes de “Terms of Endearment”. Aurora tem um jeito difícil e aquilo que se chama de um gênio difícil de lidar. Nem Emma, que passou a maior parte da vida ao seu lado, conseguiu entender direito como lidar até finalmente desistir. A audiência, por outro lado, tem uma conexão notavelmente diferente com a personagem porque esse mesmo jeito traz um novo momento de entretenimento atrás do outro. MacLaine empunha-se do orgulho acompanhado da noção que insegurança é inexistente em seu vocabulário de olhares penetrantes e mecanismos de defesa maquiados de bons modos. Contra Nicholson em seu ápice da tranquilidade como um personagem folgado e despreocupado, a equação está pronta para fazer do simples algo marcante.
Se a expectativa é algo extraordinário em termos de conteúdo, dificilmente recomendaria “Terms of Endearment. Sua essência é aquela que se encontra na vida e os grandes eventos da trama poderiam ser coisas comuns em outros tipos de história, facilmente. Tirando um ou outro momento em que realmente tentam apelar para o coração mole da audiência — as ocasiões negativamente destoantes da experiência — o que se encontra aqui são personagens normais mesmo em sua peculiaridade. O mais extraordinário dos indivíduos não passa muito longe daquele primo extrovertido demais ou da tia que nunca conseguiu casar por conta de sua vida pessoa incrivelmente caótica. É uma boa dose de realidade aos que a buscam.