Francamente, já ouvi tanto falar de “The Postman Always Rings Twice” que já não sei se foram tantas vezes assim ou se o título ficou tão cravado em minha mente que nunca esqueci dele na hora de pensar em Noir, especialmente por não saber o significado dele. Em qualquer um dos casos, é correto dizer que este é um filme frequentemente mencionado e elogiado em geral. Baseado num livro do mesmo autor de obras que inspiraram “Mildred Pierce” e “Double Indemnity“, James M. Cain, era de ser esperar um pouco mais da mesma fonte, talvez um pouco do sentimento intenso do primeiro ou dos diálogos afiados do segundo. O que se encontra, contudo, é uma premissa que soa um tanto parecida com a do filme de Billy Wilder sem nunca chegar no mesmo patamar. Ainda falta bastante para isso.
Frank Chambers (John Garfield) vive a vida um emprego de cada vez, um lugar de cada vez. Nunca fica no mesmo lugar por muito tempo, saindo antes mesmo de se sentir confortável para sequer chegar a ficar entediado. Sua vida eventualmente o leva para a costa da Califórnia, onde encontra o posto de gasolina em que eventualmente acaba trabalhando para Nick Smith (Cecil Kellaway). O trabalho é simples, não paga muito, mas tem um lado bem interessante: Cora (Lana Turner), uma linda mulher e a esposa de Nick. Não obstante, Frank logo encontra-se envolvido com a moça e planejando um futuro que não envolve o marido.
Pensando de forma geral, “The Postman Always Rings Twice” é como um relacionamento que começa intenso, rápido e nunca acaba, superestendendo-se entre afastamentos e voltas até que uma estabilidade finalmente se atinge. Quaisquer idéias mirabolantes e criminosas que surgem na trama existem por conta dos sentimentos fortes entre Frank e Cora, que acreditam em seu amor num nível que ultrapassa qualquer barreira ética ou moral. Eles estão dispostos a levar adiante sua idéia absurda de qualquer jeito, mas não como dois jovens apaixonados e dispostos a abandonar família, casa, trabalho e o mundo real propriamente dito. Existe uma virada interessante nesta idéia distorcida de amor que só o Noir poderia oferecer, algo que não chega a ser absurdo considerando valores realistas e, ainda assim, se destaca por simplesmente não se bater com os ideais romantizados tão frequentes no Cinema. Fugir e ver como as coisas se desenrolam seria fácil demais, pois sempre se dá um jeito de virar o jogo apesar de tudo o que as outras pessoas falavam sobre viver um romance.
A dupla sente-se presa e sufocada pela situação em que se encontra. Nenhum dos dois quer abandonar a idéia de seguir em frente nem querem continuar do jeito que estão. Especialmente no caso de Frank, pode-se notar que o personagem não consegue esconder o que sente pela mulher ou mesmo o descontentamento com sua impotência de mudar as coisas. Ele praticamente estoura de tanta energia reprimida, especialmente por poder aliviar a tensão em pouquíssimas oportunidades, as quais são manipuladas pela própria Cora. Afinal de contas, ela é a única que tem algo a perder nessa história. Se tudo der errado, Frank continua sendo um andarilho; enquanto ela pode perder seus privilégios e luxos. Por mais que a moça deseje o mesmo, ela pensa o bastante para lembrar dos prós e contras, para perceber que tem o homem na palma da mão.
“The Postman Always Rings Twice” se sai melhor no quesito história, que usa pontualmente toques realistas para conceber limites bem definidos para os sonhos flamejantes dos protagonistas. Cora e Frank são como ratinhos numa gaiola, percorrendo todos os cantos daquele espaço pequeno sem saber que devem apertar uma alavanca para ganhar água. Então surgem as tentações da mentira, da manipulação e do assassinato, assim como as similaridades com “Double Indemnity“. Neste último, um vendedor de seguros se apaixona por uma mulher dominadora que quer matar o marido e embolsar a indenização. Em suma, é possível dizer que o centro da história é este, com desenvolvimento antes e depois da idéia em si sem nunca perder o foco. “The Postman Always Rings Twice” peca justamente por não conseguir fazer o mesmo, por ir longe demais em sua ambição, descarrilhando enquanto deixa todas suas aspirações frustradas à vista.
Pensando bem, não é um problema que surge só mais para frente, pois “The Postman Always Rings Twice” parece ter algo esquisito desde o começo. Já nos primeiros momentos acontece o estopim da narrativa, o que pode soar bem pelo filme não perder tempo, mas tem um efeito inverso: se já nos primeiros cinco minutos a história começou, como vão preencher o resto das duas horas de duração? Começa com um romance, segue adiante com planos obscuros e quando se percebe, a trama já foi tão longe que até traços de um drama de tribunal marcam presença. Para piorar, outros problemas surgem em decorrência disso. O envolvimento dos protagonistas, sendo um elemento central, passa por uma montanha russa de eventos de todos os tipos: começa com o flerte, torna-se um caso clandestino, motivo para cometer um crime, entre outras coisas. Curiosamente, nada disso soa como um desenvolvimento orgânico. Sem tempo para conhecer os personagens direito, fica difícil acreditar em uma relação verdadeira e intensa como eles fazem questão de falar e repetir.
No fim das contas, dizer tantas vezes a mesma coisa é como aquela situação de dizer “eu te amo” catorze vezes por hora e a frase perder significado. Vale mais dizer vez ou outra e fazer as palavras ressoarem com força do que repetir na esperança de transformar quantidade em qualidade. Deixando de lado ponderações filosóficas sobre romance, “The Postman Always Rings Twice” traduz esta lógica como exposição tentando compensar incompetência narrativa. Como a trama começa atropelada, os personagens tentam compensar com palavras o que os eventos deveriam falar por si. Ao menos o final possui uma ironia dificilmente atingida, que finalmente explica o porquê do título que ficou tanto tempo na minha mente.