“Tomb Raider” não é grande coisa. Entretanto, ele é um filme a se considerar, um que tem alta capacidade de surpreender o espectador que esperar uma adaptação de vídeo-game ruim como a maioria. E levando em conta as catástrofes de Uwe Boll e o recente “Assassin’s Creed“, não há como culpá-lo. Até um longa decente chega a se exaltar entre tantas porcarias, que é exatamente o caso deste retorno de Lara Croft aos cinemas após 15 anos sem nada novo. Assim como os dois jogos mais recentes da aventureira, a abordagem mudou para algo mais realista e pé no chão, com uma protagonista menos desenhada como um símbolo sexual ambulante para se tornar uma aventureira improvável.
Richard Croft (Dominic West), um milionário de gosto secreto por aventura, some sem deixar vestígios quando Lara (Alicia Vikander), sua filha, ainda é jovem. Anos depois, a garota nutre esperança de que ele pode retornar algum dia, já que nunca houve provas de nada, preferindo levar uma vida humilde em vez de assinar papéis reconhecendo a morte do pai, o que lhe daria acesso a toda a fortuna de herança. Contudo, uma pista sobre seu paradeiro surge inesperadamente, levando Lara a buscar a mesma aventura que fez seu pai desaparecer: a tumba de uma imperatriz em uma ilha secreta no Japão.
Antes de mais nada, vale dizer que esta releitura da personagem é bem próxima ao jogo de 2013, que reiniciou a série com algumas mudanças críticas na essência do jogo. Ele se tornou mais realista em alguns sentidos, como Lara ser mais inexperiente e vulnerável aos perigos que enfrenta, estando longe da exploradora profissional como era desde o primeiro jogo em 1996. Além disso, vários elementos específicos também marcam presença, entre eles a imperatriz Yamatai e a ilha desconhecida. Isso indica que, pelo menos, “Tomb Raider” não pode ser acusado de infidelidade ao material base, pois esta nova aventura não toma as infames liberdades que costuma-se tomar em adaptações de jogos. A essência da nova fase da série está aqui: a história de uma garota que ainda não conhece sua vocação de sair pelo mundo buscando tesouros, civilizações perdidas, artefatos ou algum lugar que simplesmente renda uma boa aventura.
Contudo, grandes obras não se erguem apenas sendo fiéis às suas inspirações. “Tomb Raider” também merece atenção por ser bem-sucedido como filme, em geral. Deixando de lado as comparações com os jogos, há uma história relativamente direta ao ponto de uma garota normal que se envolve numa situação inesperadamente perigosa, na qual descobre coisas sobre si em que nunca havia pensado antes. O grande motivo para ela sair nessa jornada é seu pai. Ela arrisca tudo por uma chance de colocar à prova uma dúvida que a incomoda há anos. Richard provavelmente está morto, mas ela quer ter certeza absoluta disso e quem sabe encontrá-lo vivo. Infelizmente, isso acaba sendo o maior defeito do enredo. Até faz sentido manter-se fiel à proposta primária para que a obra não perca foco, o que não é o mesmo que explorar este arco ao ponto de dar nos nervos como a relação pai e filha é mencionada. Já está totalmente e absolutamente claro qual é a motivação principal da protagonista e, claro, continua-se a tocar no mesmo ponto. Felizmente, a história não erra na parte de gerar oportunidades lógicas para a protagonista entrar em ação. Depois de chegar numa ilha completamente desconhecida, Lara Croft aprende a sobreviver quase na base do acidente, praticamente caindo de paraquedas em cada situação de vida ou morte e seus perigos particulares.
Assim, o sucesso depende em grande parte de quão bem estas sequências de ação funcionam, mais especificamente se elas conseguem encaixar bem uma protagonista inexperiente em seu centro. Quanto a isso, “Tomb Raider” evita cometer o erro de subitamente dar habilidades à sua protagonista para que ela se iguale à megalomania da trama. Faz sentido que a ação tenha certa progressão ao longo do filme, começando pequena e terminando com sequências explosivas, mas vale ressaltar que não é uma regra, pois existem vários filmes que começam já com o pé na porta e adicionam cenas moderadas mais adiante. Por sorte, aqui existe progressão com cobertura — uma explicação lógica — para os momentos em que Lara deixa de tentar apenas se manter viva e age diretamente sobre seu destino. Então qual o problema exatamente, sendo que existe aqui uma história decente e cenas de ação que cumprem sua função? Fazer seu trabalho não é o mesmo que um esforço notável. A ação funciona sem nunca chegar a empolgar o espectador realmente, com a maioria sendo apenas bem ilustrada e podendo se gabar de não ter a infeliz prática de encher de cortes para esconder falta de coreografia ou de orçamento. São poucas as cenas tão descartáveis e desinteressantes que passam completamente batidas.
O maior problema que aflige tais momentos é a dependência alta da computação gráfica, presença de peso que em diversos momentos tira o espectador da experiência. Por mais que a tecnologia não seja exatamente ruim, o problema é que ela teria de ser muito competente para não parecer artificial. É difícil fazer uma atriz se mesclar ao fundo quando tudo ao seu redor não existe. Não impossível, como “The Jungle Book” mostrou, mas bem complicado ainda assim. Quando ela foge de um ambiente desmoronando sobre si e rapidamente desvia de algo que cai em sua direção, dá para notar que é uma reação falsa e ensaiada. Mesmo em outras instâncias que não se usa tanto a tecnologia, é possível notar que tenta-se engrandecer ou detalhar qualquer plano com um pouco de CGI que seja. Sem dúvidas é um dos fatores que afeta o impacto da ação de “Tomb Raider” num geral, o qual claramente tenta recriar momentos dos jogos sem a mesma eficiência.
No fim das contas, a principal impressão que tive de “Tomb Raider” foi de que, embora fiel às suas inspirações e bem-sucedido até certo ponto, a experiência mostrada aqui é muito melhor jogada do que assistida. E isso não é dizer que uma mídia é superior à outra, como se videogames fossem sempre melhor entretenimento que cinema, mas um jeito de dizer que ainda estão pensando mais em jogo do que em filme. Talvez a mesma história simples afetasse menos um jogo porque este conta com a maior interação possibilitada pela jogabilidade, enquanto numa obra audiovisual seu peso é mais sentido. Sendo direta ao ponto, problemas como o foco excessivo na figura paterna ficam mais evidentes, especialmente quando as cenas de ação por si não fazem muito para roubar a cena.