Como fazer uma análise de “O Senhor dos Anéis”? Quase todos já viram, considerando o fenômeno que a série foi durante os Anos 2000, e vários já assistiram tantas vezes que sabem cenas inteiras decoradas, todas as diferenças entre livro e adaptação, as cenas que foram adicionadas na versão estendida… Enfim, tudo que há de novo e diferente e tudo o que existia desde o começo não é novidade. Portanto, é complicado falar algo que não tenha sido dito antes ou apontar alguma coisa que não foi notada em alguma das dezenas de assistidas. No entanto, é exatamente por conta da trilogia dirigida por Peter Jackson ser um ícone do cinema recente, um clássico moderno até, que ela merece espaço, começando por aquele que deu a partida em 2001: “The Fellowship of the Ring”.
Séculos atrás, as forças dos homens e dos elfos juntavam-se para uma grande batalha contra o exército de Sauron, o lorde das sombrias terras de Mordor. Com sua queda, um poderoso anel que estava em sua posse foi passado entre algumas mãos ao longo dos séculos até chegar nas ingênuas mãos de Frodo Baggins (Elijah Wood). Mas desta vez, o artefato não deve ficar apenas sob observação e tutela. O Anel não só tem força para corromper quem quer que o tenha em mãos como também conservou vivo o espírito malévolo de Sauron por anos e anos, que reúne forças para novamente invadir o reino dos homens. Por essa razão, ele deve ser destruído de uma vez por todas. Junto de Gandalf (Ian McKellen), Samwise Gamgi (Sean Astin) e um grupo de aventureiros, Frodo parte em direção à Montanha da Perdição em Mordor para salvar a Terra Média de uma era de escuridão.
Tudo o que foi dito antes constitui um argumento relativamente considerável a respeito de fazer ou não fazer uma análise sobre algo tão popular. Por fim, acabei decidindo por seguir adiante com as análises. Outro ponto em que pensei, considerando que os três filmes são três pedaços de uma grande história, foi o próprio texto em si; como ele seria escrito, em que pontos focaria e como filtrar os argumentos para que eles se referissem apenas ao filme individual em questão. Parece bobeira, porém a jornada da Sociedade do Anel é lembrada como uma grande saga; da partida do Condado até as florestas habitadas por criaturas místicas, das grandes batalhas, que mexeram com a estrutura dos reinos, até a eventual conclusão de todos os conflitos. Não surpreendentemente, achava que eventos do primeiro filme pertenciam ao segundo, alguns do segundo ao terceiro e assim por diante. “The Lord of the Rings” fala da jornada de Frodo a Mordor e é assim mesmo como é lembrado, diferente de outras séries populares cujos episódios são várias histórias fechadas que se conectam. Até a trilogia “The Hobbit” tem essa característica, ainda que a divisão formal entre filmes acabe sendo um tanto menos funcional do que a presente aqui. Talvez não seja interessante para o espectador comum buscar as particularidades de cada obra, o que não muda o fato de “The Fellowship of the Ring” possuir algumas bem distintas de seus sucessores.
Cabe a ele introduzir tudo o que se toma como dado nos outros dois filmes. Entender quem são os hobbits e o que diferencia eles das outras raças, sem limitar-se ao básico de distinguir características físicas e elementos superficiais, cabe a “The Fellowship of the Ring”. É uma tarefa complicada, por mais que se trate de exposição, pois há uma grande diferença entre aquilo que é meramente exposto, explicado artificialmente, e uma apresentação que envolve desenvolvimento e exploração de universo, um tipo de exposição bem entrançada com o resto chamado de narrativa tradicional, da qual ela não chega a destacar-se. Nunca se para de contar história a fim de mostrar à audiência qual posição um elfo ocupa na Terra-Média ou quantos reinos diferentes existem, assim como as relações políticas entre eles. A trama traça um caminho já tendo em mente todas as informações essenciais para que o espectador não se sinta perdido, para que ele ache que vale a pena depositar quase 3 horas e 48 minutos de seu tempo.
Mesmo aproveitando o primeiro segundo de filme com um grande flashback, “The Fellowship of the Ring” nunca extrapola. A extensão Terra-Média de J.R.R. Tolkien requer ao menos um pouco de plano de fundo para que o espectador não ache que a história se resume a pessoas que odeiam muito um anel e querem destruí-lo. Assim, todo o resto das informações necessárias para a compreensão do universo, as quais são importantes para eventos posteriores, são comunicadas conforme Frodo procede com sua jornada. No Condado, quando ele ainda está em casa, aprende-se um pouco sobre os hobbits: sua cultura, cotidiano e pessoas proeminentes daquela raça. No mínimo, por exemplo, tais cenas criam uma explicação para o comportamento atrapalhado de certos indivíduos, que lá na frente resultam em algum tipo de problema ou situação a ser resolvida. Sem a tal informação, fica claro que se está tirando obstáculos do nada para os personagens enfrentarem; com ela, é apenas um problema causado por um hobbit tonto.
E claro, “The Fellowship of the Ring” não se limita aos pequenos homenzinhos. Como o nome indica, existe uma sociedade do anel, um grupo de pessoas acompanhando hobbits que realmente não foram feitos para combater Orcs e espectros sombrios. Entre os principais membros estão Gandalf, um mago; Aragorn (Viggo Mortensen), um humano treinado como guerreiro; Legolas (Orlando Bloom), um elfo arqueiro; e Gimli (John Rhys-Davies), um anão de machado. É praticamente uma equipe direto de uma mesa de RPG. Com elementos de todos os tipos envolvidos, há uma melhoria tanto no folclore da Terra-Média como nas cenas de ação, dois pilares da experiência deste longa.
Em primeiro lugar, porque o roteiro não deixa quase ninguém passar sem um mínimo de contribuição para a história geral. Quase ninguém, reforçando. Alguns recebem mais atenção que outros, naturalmente, e têm um papel maior no desenrolar da trilogia, mas nenhum passa batido. Mesmo o personagem com menos plano de fundo e influência direta na trama conquista o espectador com seu carisma na relação com outros personagens ou em participações notáveis durante as batalhas. E como se não fosse o bastante, o elenco é composto por atores que não parecem por um momento sequer considerar o absurdo de estar interpretando um anão de pavio curto e profundo gosto por cerveja. De Ian McKellen como um velho sábio e simpático até Elijah Wood como um rapaz que não tem idéia de onde está se metendo, flui do elenco uma impressão universal de que sua simples e única função é tornar a fantasia tão crível quanto possível.
Em segundo lugar, as cenas de ação são um tanto melhoradas quando pensadas com vários personagens ao invés de um ou dois. De fato, elas não são tanto o foco de “The Fellowship of the Ring” em comparação com as continuações, contudo elas estão em número razoável. Assim, a experiência não se resume a um documentário sobre a Terra-Média, que acompanha o hobbit Frodo em sua jornada de conhecer gente, adquirir artefatos mágicos, conhecer novas culturas e os ambientes do mundo em que vive. Obviamente, não foi seguindo essa filosofia que “The Fellowship of the Ring” se tornou famoso. Foi trabalhando em vários conceitos que, analisados pelos olhos frios e imperdoáveis da crítica cinematográfica contemporânea, parecem um tanto óbvios, mas são essenciais para que tudo funcione tão bem. Cenas de ação boas, um elenco carismático, fotografia e direção impressionando nas cenas calmas e nas agitadas e, claro, uma introdução perfeita para um universo que mal começou a contar sua história direito, como os dois filmes seguintes mostram claramente.