“Three Billboards Outside Webbing, Missouri” foi, de longe, o filme mais aguardado por mim nessa temporada do Oscar. Dos trailers que acabei vendo no começo das sessões, foi o dele que mais me chamou a atenção por recortar precisamente os momentos que melhor representam a idéia geral do filme. Háuma ótima introdução à simples premissa, à atuação intensa de Frances McDormanc e, de quebra, um gostinho do peculiar senso de humor do universo criado por Martin McDonagh, o qual combina familiaridade com uma visão inconfundivelmente autoral. Destes três elementos, só não tive nenhuma ressalva quanto a interpretação de McDormand. Os outros dois, embora ostentem várias qualidades notáveis, ainda pecam em alguns momentos-chave que dificilmente são esquecidos quando se lembra da obra em geral.
A premissa é direta ao ponto como o título. Mildred (Frances McDormand) teve a filha estuprada, morta e queimada e ninguém resolveu absolutamente nada. Meses se passaram sem que a polícia tenha progredido com a investigação, deixando um assassinato sem solução e uma mãe sem filha. No entanto, Mildred não é do tipo que fica de braços cruzados reclamando sozinha. Três outdoors são erguidos em uma rodovia da cidade numa tentativa de incentivar a polícia a se mexer e retomar a investigação. O que aguarda ela, entretanto, é uma repercussão muito pouco amigável do resto da cidade ao invés de simpatia por sua situação.
Em boa parte do tempo, “Three Billboards Outside Webbing, Missouri” explora as consequências diversas vindas do povo da cidade; aproveitando a oportunidade para apresentar à audiência a cidade de Webbing e suas particularidades: os personagens, o que eles fazem ou fizeram e as regras do lugar. E como muitas cidades de interior, existe um tipo de equilíbrio ou constância maior do que se vê em grandes centros urbanos regidos pelo caos semi-ordenado. Todos sabem quem é o vizinho, onde ele trabalha e com quem ele anda se envolvendo. Sendo assim, a cidade inteira reage quando alguém sai de seu padrão esperado; quem dirá quando tal infração é agressiva como colocar três propagandas gigantes acusando a polícia de incompetência. A cidade inteira fica inconformada, cada um de seu jeito, diante de tal ofensa brusca. Uns discordam diretamente, outros concordam só com a intenção e apenas Mildred acha que está completamente certa.
O Policial Dixon (Sam Rockwell) encontra-se no primeiro grupo. O avatar da ignorância, representante da estupidez, diplomata da amoralidade e o principal oponente de Mildred, ele acredita ter todas as respostas que precisa ou que, no máximo, deve perguntar à sua mãe para ter absoluta certeza do que é certo ou errado. Ele com certeza seria a vítima mais fácil se houvesse um personagem manipulador envolvido. Já no grupo daqueles um pouco mais compreensíveis, há o homem diretamente atacado por Mildred: o Delegado Willoughby (Woody Harrelson). Ela critica-o diretamente sendo que a falta de resultados não é fruto de desleixo, o que faz dela mais do que uma mãe desesperada e cheia de razão. Nem tudo é exatamente o que parece, como pode-se ver nestes três personagens, principalmente. O mundo criado por Martin McDonagh em “Three Billboards Outside Webbing, Missouri” tem a característica única de ser populado por imbecis — Dixon e o resto — com alguns poucos indivíduos com o mínimo de consciência — o delegado e Mildred — os quais são hostilizados por esta qualidade supostamente ofensiva, ainda havendo espaço para o erro humanos destas partes superiores.
Com essa visão autoral singular, o humor passa a existir quase involuntariamente. A simples dinâmica de opostos propicia situações cômicas espontaneamente, como quando a protagonista se vê forçada a entrar em contato com os ignorantes e iluminá-los um pouco. Então nascem os melhores momentos de “Three Billboards Outside Webbing, Missouri”, as interações entre pessoas elementarmente destoantes porque uma delas foi agraciada com a capacidade de enxergar através de toda a neblina de estupidez. Ela simplesmente está um passo a frente quando se trata de discutir qualquer coisa com um dos seres humanos comuns. É impressionante ver quão atrás todo o resto está e, ao mesmo tempo, há um fator igualmente instigante vindo do extremo oposto. Os imbecis conseguem impressionar com quão imbecis conseguem ser, por incrível que pareça.
“Three Billboards Outside Webbing, Missouri” brinca com essas noções de clareza e burrice de forma claramente satírica, evitando cair na fórmula óbvia de colocar um personagem tridimensional entre vários outros bidimensionais e rasos. Há uma diferença entre inteligência e profundidade, assim como burrice não significa um indivíduo superficial e sem graça. Surpresas surgem principalmente quando os personagens mostram um lado a mais que não se esperava, considerando o baixo padrão do resto das pessoas. Frances McDormand, por exemplo, quase poderia ser considerada sádica por pisar nas pessoas com um ar prepotente, consciente de sua própria superioridade. Porém não dá para dizer que suas atitudes são mera petulância utilizada para enfeitar a personagem; fica claro que há um plano de fundo profundamente sentimental por trás de seu ódio descontrolado. Transmitir esta conexão puramente através de atuação é uma conquista pela qual McDormand merece todo o aplauso.
Possuo algumas ressalvas quanto a “Three Billboards Outside Webbing, Missouri”, entretanto. A maioria dos bons momentos são frutos do choque de expectativa envolvendo personagens tapados, outros nem tanto e os espertos. Alguns deles são inesperados por parecerem clichê e acabarem tendo uma virada que deixa tudo mais interessante; outros chamam a atenção por serem completamente inesperadas desde o começo, especialmente pela ousadia de Mildred. Mas existem alguns momentos apenas decepcionantes, como tiros que saem pela culatra: eles dão a entender que são surpresas do primeiro tipo e então… são exatamente o que parecem, muitas vezes lições de moral ou atitudes óbvias sem sal. Outro problema é um pouco mais ambíguo por conta de ser uma questão estritamente relacionada ao final do filme. Então prefiro dizer apenas que, embora enxergue uma função identificável na trama para aquela decisão, restou um gosto estranho na boca.
Em um caso raro, o trailer deu uma ótima idéia do que esperar de “Three Billboards Outside Webbing, Missouri”. Seria um filme cômico sobre um assunto trágico com propostas maiores em jogo do que a mera conversão de raiva em diversão. Se a recorrente ovação do trabalho de Frances McDormand for levada em conta, é possível imaginar que sua atuação seria mais do que uma provocadora de risadas. Eventualmente, o produto final mostrou-se uma história com um ótimo gatilho e um desenvolvimento igualmente interessante de suas consequências. Eventualmente, atuações fortes fazem do humor uma parte efetivamente essencial para o humor idealizado pelo roteiro. Com tudo aparentemente no lugar para dar certo, o resultado final é maculado por ocasionais deslizes e uma conclusão duvidosa, que não chega a concluir bem os sucessos prévios nem os trai com algo inadequado. Apenas não parece que foi a melhor escolha, ainda que eu não saiba dizer qual seria.