Não precisava ser muito criativo para imaginar que “Bright” seria um desastre. Bastava uma olhada na publicidade monstra e o trailer envolvendo fadas, orcs, Will Smith e Hip-Hop. A idéia transmitida foi algo sobre um filme policial de uma dupla humano-orc e não foi uma muito boa. Quando descobri que David Ayer, de “Esquadrão Suicida“, estaria na direção, não posso dizer que me tranquilizei. Finalmente, não demorou para toda a ansiedade pré-lançamento se tornar uma onda de críticas negativas quase tão grande quanto a campanha publicitária de antes.
Daryl Ward (Will Smith) é um bom policial que sempre fez seu trabalho direito, mas olham torto para ele por um motivo pontual: seu parceiro é Nick Jakoby (Joel Edgerton), um orc. Neste mundo, criaturas direto da fantasia vivem entre humanos. As fadas são tratadas como pragas que podem ser exterminadas sem peso na consciência e os orcs não estão muito melhor também, já que são malvistos por quase todo mundo. Apenas humanos e elfos podem gabar-se de um certo conforto. Mas quando uma arma mágica é descoberta pela dupla de policiais, a cidade inteira é virada ao avesso.
Mal consigo dizer em quantas esferas diferentes “Bright” consegue falhar. Em primeiro lugar, comecei a assistir sabendo entre pouco e nada sobre a obra e saí sem mudar muito essa situação. Parece um ótimo começo para delimitar a avalanche de problemas. Se a intenção do filme é introduzir um universo novo com suas próprias regras, faz sentido explicar algumas coisas para que a audiência o interprete corretamente, sem inferir seus próprios valores e pré-conceitos. Caso contrário, a intenção do artista se perde em meio à desinformação e a obra torna-se a criação individual de cada espectador. Para esclarecer, cada pessoa pode atribuir seu próprio valor e significado ao que acabou de ver; o que não tem muito a ver com uma história aberta. No caso desta produção Netflix, o espectador se vê numa constante posição de tentar localizar-se no mundo apresentado. Nada mais que o fruto de um filme que não consegue fazer jus ao seu próprio escopo.
Sendo assim, uso esta ocasião para concordar com aqueles que dizem que uma avaliação ruim é resultado de não entender o filme. Não tenho problema algum em dizer que não entendi direito “Bright” e nem quero tentar entender. Uma obra que cria um universo interessante e não sabe explorá-lo deixa o público decepcionado, mas com um quê de curiosidade pelo que poderia ter sido ou o que poderia ser numa continuação. Neste caso, me senti perdido e desinteressado pelo universo em geral. Tive a impressão que a experiência foi incompleta porque o universo é pobre ao invés de mal explorado, com idéias essencialmente fracas na base de tudo. Sendo assim, seria lógico que o desenvolvimento de uma idéia fraca desde o começo não renderia nada de bom.
O que seria essa idéia? Recriar um cenário que existe atualmente de uma forma que explicita certos preconceitos e desfavorecimentos ao mesmo tempo que torna tudo mais lúdico e até acessível, de certa forma. Como há a chance de uma abordagem tradicional parecer moralista ou condescendente, talvez incluir criaturas da fantasia pudesse passar a mensagem de uma forma menos agressiva. Pode ser que essa tenha sido a idéia dos envolvidos na produção ou não. O que se atinge, todavia, é uma mensagem muito mais próxima da grosseria do que da sutileza. A sociedade de “Bright” possui classes sociais com limites bem definidos, as quais tornam a intolerância e a violência praticamente normas vigentes. Para tornar toda a segregação algo óbvio, abusam da caracterização e usam a trama apenas levianamente para ilustrar o conceito. Elfos vivem em bairros modernos e compõem a elite dominante; humanos estão na classe média, vivendo nos subúrbios; e os orcs são quase universalmente rechaçados como uma sub-raça. Os orcs são fortes e burros, praticamente uma raça que existe para servir as outras; enquanto os elfos são delicados e inteligentes, detentores dos cargos altos e do conhecimento sobre magia.
Novamente, imagino que a idéia tenha sido mostrar como o fato de sempre haver uma minoria ou raça considerada inferior não justifica qualquer tipo de violência. Isso se aplica especialmente aos protagonistas por eles serem figuras singulares numa sociedade preto e branco. Os orcs não gostam de Jakoby porque ele anda com humanos e é malvisto por humanos tanto por ser orc como por ser o único policial de sua raça; ao passo que Ward é malquisto pelos colegas de trabalho por ser parceiro de Jakoby. Aproveitam para demolir barreiras étnicas entre seres humanos ao colocá-los como partes de um grande grupo ao mesmo tempo que não os livram de culpa. Eles têm sua cota de preconceitos contra orcs e até uma brutalidade incisiva contra fadas. Na teoria, acredito que seria muito possível estas idéias darem algum fruto, mas “Bright” simplesmente não consegue ligar todas elas, executá-las ou ao menos ser uma experiência divertida apesar de suas ambições falhas.
Tomando como exemplo essas e outras idéias apresentadas, é possível notar como a prática é a ruína de “Bright”. Para mostrar a ambivalência de Ward para com Jakoby, cria-se uma história sobre a vida do primeiro ter sido colocada em perigo por causa do segundo, porém o roteiro joga este pedaço de história desleixadamente num flashback já no começo e depois aborda-o numa conversa breve sobre burritos. Então tenta-se reforçar a animosidade dos humanos contra orcs pura e simplesmente por meio de assassinato alimentado por preconceito. Outro clichê marcando presença: se existe ódio contra alguém, isso significa uma tendência homicida. Ou isso, ou uma segregação exacerbada.
Dito isso, a única salvação de “Bright” seria acertar nas cenas de ação e dar um caráter divertido ou empolgante à burrice do resto da obra. Mas não, até esse aspecto decepciona. Nada de tiroteios incrementados por um fator mágico e habilidades únicas de criaturas não-humanas. O filme consegue prender-se a um ciclo aparentemente interminável de tiroteios mal dirigidos seguidos de uma mudança de cenário e um novo tiroteio. Não há nenhum atrativo real neles exceto pelo fator da comédia involuntária. Algumas sequências chegam a ser tão mal concebidas que só resta ao espectador rir de quão miseravelmente o filme falha em ser competente. Ah, e existe também uma subtrama sobre alguns seletos indivíduos terem o poder de empunhar armas mágicas, os brights. Considerando, a sequência de decisões ruins, previsíveis ou ruins e previsíveis, deixo no ar quem o roteiro escolhe como um bright.
Para alguém que não sabia o que esperar, “Bright” é uma experiência ainda mais frustrante porque ela me levou para vários lugares e para nenhum em especial. Foi difícil entender qual era a proposta da obra quando nem o básico estava sendo bem explicado. Demorou um tempo até perceber que, enfim, o universo imaginado era mais raso do que parecia inicialmente e que a obra como um todo tratava-se de um clássico exemplo de filme horrível. Meu leviano interesse por uma continuação existe praticamente por uma curiosidade em saber se vão conseguir superar o mau gosto apresentado aqui.