Por mais que seja um filme com mais de 20 anos, foi bom encontrar um ar de novidade em “The Hand that Rocks the Cradle”. Longe de maníacos homicidas, todo o perigo da trama gira em torno de um elemento familiar do cotidiano, algo que não costuma ser considerado uma ameaça. A pessoa em quem costuma-se confiar e que faz parte da vida pessoal do indivíduo torna-se a fonte de sua angústia sem que este perceba. Certamente é um conceito bem diferente do que ver um morto-vivo de máscara de hóquei derrubando a porta a machadadas e, de quebra, um que expande as possibilidades dentro do gênero.
Claire Bartel (Annabella Sciorra) está para ganhar um bebê. Num check-up de rotina, ela descobre que será atendida por um novo doutor, mas a consulta é um tanto diferente do comum. Claire sente que o doutor estava tirando vantagem dela e, incentivada pelo marido, faz uma denúncia. Quatro outras mulheres se apresentam com a acusação inicial e o doutor acaba cometendo suicídio, levando sua viúva (Rebecca de Monay) a perder o bebê por conta de todo o estresse. Esta, por sua vez, descobre que Claire foi a responsável por tudo aquilo e promete vingança, disfarçando-se de babá dos Bartel.
Uma das qualidade do Terror — ao menos idealmente — é trazer a tona elementos desagradáveis da psique humana, expô-los e enfrentá-los ao mesmo tempo. No tempo dos monstros, quando estes eram maioria no gênero, eles eram frequentemente considerados metáforas para alguma característica negativa humana ou aspecto da realidade. É uma forma criativa de comunicar algo que poderia ser dito de uma forma simples demais ou, por vezes, existe sem que ninguém fale sobre ele. Neste ponto, filmes de terror mostram ousadia na transformação dessas palavras não ditas em algo palpável. King Kong, por exemplo, simboliza a ganância e estupidez do ser humano, além de seu costume de remediar problemas criados por ele com seu próprio poder destrutivo. “The Hand that Rocks the Cradle” parte para uma situação mais íntima ao trazer o terror para dentro de casa. O perigo agora é invisível, de certa forma, sendo mais difícil para o cidadão comum identificar o mal quando ele se mistura na normalidade.
Se por um lado pode parecer que o filme perde apelo por abrir mão do fantástico, “The Hand that Rocks the Cradle” transcende este possível pré-conceito com a criação de uma vilã competente em sua simplicidade. A babá de uma criança consegue ser uma fonte interessante de antagonismo, muito mais do que eu esperaria se me contassem a premissa por cima. Sua eficiência vem de sua simples e imutável determinação de criar problemas ao mesmo tempo que tenta parecer uma mulher adorável. Essa dinâmica dual prende a atenção não tanto por quão chocante seus atos são, já que ela deve manter seu disfarce, mas pela forma criativa que ela arranja de sistematicamente sabotar aquele lar. Numa variação clichê, ela seria a babá assassina que volta para matar as pessoas responsáveis por sua ruína. A idéia é ser mais sutil. Não muito, apenas na medida certa para manter as coisas num nível relativamente aceitável.
A idéia é tornar a presença da babá algo possível. Mesmo que seja uma situação fora do comum, “The Hand that Rocks the Cradle” tenta fazer minimamente plausível a situação de uma mulher corroendo uma família de dentro para fora. Em primeiro lugar, isso só poderia funcionar com uma atriz convincente na representação de uma pessoa duas caras. A tarefa de Rebecca de Mornay é ser falsa. Ponto. Ela deve ser maquiavélica e adorável, rancorosa e confiável, diabólica e jovial e consegue. Talvez um pouco melhor na parte malévola, mas eficiente em manter o disfarce apesar de todas as coisas que faz. Depois de se surpreender com quão lazarenta a personagem é em uma maquinação complexa, é ainda melhor ver que ela consegue carregar o bebê no colo com todo o cuidado do mundo, sorrir de uma orelha a outra e oferecer alguma gentileza espontânea. Ela equivale as ações com sua personalidade, deixando claro que ela é totalmente capaz de cometer todos aqueles atos.
Por um lado, é imperativo que o espectador seja convencido da eficiência da vilã no papel. Se o espectador não acreditar no que é apresentado, o filme falha em sua tarefa primária de promover a imersão e, assim, prender a atenção da audiência eficientemente. Mas ainda há um porém: o espectador pode contar com algo chamado suspensão de descrença. Ele pode dar um desconto aqui e ali por algumas coisas, as quais podem ser mais toleráveis ou menos, dependendo de quem assiste. Por outro lado, a relação entre personagens é diferente. Suspensão de descrença aplicada a um personagem é o mesmo que burrice. No caso de “The Hand that Rocks the Cradle”, chega a ser um pouco incômodo como ninguém desconfia de nada nunca. As suspeitas demoram para surgir e fica claro que alguns personagens são criados quase exclusivamente para serem mais inteligentes que os outros, os que plantam a semente da desconfiança nos burros. Não dá para dizer que os personagens estão virando o rosto para o lado de propósito.
“The Hand that Rocks the Cradle” é um filme quase totalmente causal. São os eventos que movem a trama, os planos da babá determinam a situação dentro de casa e isso, consequentemente, define se o enredo vai para frente ou não. Uma tramoia pode ser menor e deixar as coisas como estão, piorar a situação e deixar o ambiente mais pesado ou ser descuidado e deixar margem para alguém suspeitar. Nada de errado com a proposta em si, mas não gostei tanto da sequência de eventos como um todo. Em várias ocasiões era possível prever exatamente o que ela planejaria antes de cometer o ato em si ou saber se a babá tiraria proveito da situação. Quanto a isso, dificilmente acho que é por causa de ver filmes parecidos que usaram truques usados inicialmente aqui. De todos os filmes de Terror e Suspense que vejo, pouquíssimos são semelhantes a “The Hand that Rocks the Cradle”. A narrativa visual simplesmente é pouco sutil na exposição das intenções da antagonista.
Não diria que “The Hand that Rocks the Cradle” é um clássico ou algo parecido, mas é curiosamente competente na execução de sua proposta. Se alguém viesse me recomendá-lo, provavelmente minha primeira impressão não seria de empolgação. Considerando que é a história de uma babá que invade uma família para se vingar, ela merece um mérito especial por extrair alguns ótimos momentos dessa proposta. A vilã é convincente e faz jus à sua personalidade vingativa com planos assombrosos por sua complexidade. Por mais que alguns tenham me feito pensar “Ela obviamente vai fazer isso agora”, outros me fizeram pensar “Ela tem que ser muito filha da puta para planejar algo assim”.