Quando se fala em filmes de espionagem, algumas coisas vêm à mente: um smoking, uma Walther PPK e um homem charmoso acompanhado de uma mulher estonteante. Não poderia estar falando de ninguém menos que James Bond, o agente 007. Entretanto, todo seu sucesso e carisma não são exatamente coincidentes com a realidade por uma dezena de motivos. Em comparação com “Tinker Tailor Soldier Spy”, uma verdadeira história de espião, é fácil notar como praticamente todas as coisas que tornam o Agente 007 tão interessante são impossíveis. No mundo real, inteligência vale muito mais do que charme ou frases bem colocadas. O espião propriamente dito é mais um burocrata esperto ou um peão mergulhado num mar de política muito maior que ele.
O MI6 enfrenta um sério problema em plena Guerra Fria. Dois agentes, o líder da organização e George Smiley (Gary Oldman), são afastados de seu trabalho na inteligência britânica quando uma missão buscando revelar um espião dentro da organização falha miseravelmente. Percy Alelline (Toby Jones) é apontado como novo líder, mas algumas pessoas ainda sustentam suspeitas sobre um agente duplo. Smiley é recrutado para a tarefa de investigar seus ex-colegas de trabalho e descobrir quem é o traidor entre eles.
Antes de qualquer coisa, vale dizer que há uma diferença colossal entre a idéia romantizada de espião vista em James Bond e o que “Tinker Tailor Soldier Spy” apresenta. No primeiro, é muito comum encontrar vilões com características singularmente vilanescas — maneirismos, cicatrizes, tons de voz, deformidades etc — tentando dominar o mundo ou destruí-lo. Sem dúvida é uma receita interessante para entretenimento, mas muito raramente aproxima-se do mundo real. No segundo caso, nota-se uma abordagem incomparavelmente mais mansa, com armas de fogo aparecendo raramente e eventos espetaculares reservados para as partes grandes do longa, como o clímax. E, mesmo assim, não há como descrever tais momentos como explosivos, bombásticos ou qualquer coisa que envolva picos de adrenalina. Aqui as coisas são um tanto mais presas ao espectro do possível, sem nada como uma licença para matar que dá carta branca a uma pessoa para distribuir o caos ao redor do mundo sem consequências.
Considerando o contexto da Guerra Fria, quaisquer atitudes são tomadas com uma precaução infinitamente maior, pois um ato inconsequente ou descuidado pode facilmente acabar com o equilíbrio político entre nações que se opõem por trás dos panos. Toda ação se passa longe dos olhos do público, que nunca chega a vislumbrar carros esportivos equipados com foguetes e controle remoto. “Tinker Tailor Soldier Spy” mostra que a espionagem funciona na base da inteligência. Os verdadeiros jogadores são aqueles que conseguem farejar problemas e evitar que eles aconteçam sem que ninguém saiba que houve chance disso. Eles possuem suspeitas frequentemente bem sustentadas e sabem onde cavar para revelar verdades. Esse é o personagem de Gary Oldman, em essência. Ele não tem bordões espertinhos, mas possui um meio-sorriso constantemente estampado em seu rosto; como se soubesse de algo que os outros — inclusive a audiência — não sabem.
É exatamente esta a intenção. No começo de “Tinker Tailor Soldier Spy”, o espectador sabe de tão pouco que qualquer coisa pode ser abraçada como a verdade. Conforme a investigação progride e outras informações surgem, o todo vai se tornando mais claro e finalmente mostra qual era a função daquele personagem misterioso no início. Ou talvez confirma uma suspeita sobre um personagem que agiu estranho por meio segundo e deixou dúvida no ar. George Smiley parece saber da verdade desde o começo, porém segue adiante com sua investigação para confirmar suposições e evitar fazer papel de bobo. Novamente, não há espaço para achismos e pseudo-racionalismo quando o mundo pode ser virado ao avesso com palavras proferidas no calor do momento. Dessa forma, o longa mantém-se firme na proposta de lidar com o concreto ao usar Smiley como uma forma metódica e confiável de transmitir informações. De quebra, é um caminho que a audiência trilha sem a companhia do protagonista. Afinal de contas, ele dá a entender que sabe mais do que diz, despertando a curiosidade sobre quais tipos de segredos e suspeitas ele esconde por trás de suas poucas palavras.
Com isso em mente, a progressão de “Tinker Tailor Soldier Spy” é bem direta ao ponto. Todo o mistério provém da falta de informações em vez de uma manipulação orquestrada pela narrativa para fazer o espectador pensar algo e desmentir isso mais tarde. A questão central para a trama é uma só: existe um espião no alto escalão do MI6. Descobrir quem é o indivíduo já resolve o filme inteiro, porém este é um problema gigantesco e dificilmente resolvido. Recorrer a acusações levianas não é uma opção, logo uma postura sistemática é adotada para juntar evidências e chegar numa conclusão. Smiley contata gente que investigou o assunto no passado e absorve seus achados, encontra-se com figuras controversas e engendra seu próprio tipo de espionagem clássica ao flexibilizar o conceito de legalidade em alguns momentos.
Tudo isso acontece sequencialmente e com poucas viradas que jogam no ventilador os achados em prol de uma nova verdade. Assim como o modo de operação dos espiões de “Tinker Tailor Soldier Spy”, as descobertas são frutos de um raciocínio lógico e causal. Uma coisa leva à outra e chega a trazer uma surpresa vez ou outra até finalmente chegar no resultado almejado, um processo sem muita firula em sua progressão. Se é o melhor jeito de contar uma história, não sei dizer. Várias vezes senti que a abordagem escolhida foi exageradamente lenta, beirando o tédio, por apoiar-se numa certa constância de atmosfera durante muito tempo. Um ou outro intervalo mais intenso dão uma quebra neste processo quase rotineiro de investigação, o qual é dominado pelos mesmos tons apagados e acinzentados. Por outro lado, não diria que é um jeito incorreto de contar esta história. A identidade visual constante tira o charme das empreitadas frequentemente romantizadas dos espiões e mostra como a realidade possui muito mais do tempo nublado londrino do que das praias ensolaradas da Itália. Da mesma forma, os maiores esforços são feitos com a cabeça, não com um dedo no gatilho. Incoerente é algo de que eu não posso acusar este filme.
Mesmo assim, não posso ignorar o fato de que “Tinker Tailor Soldier Spy” me perdeu em alguns momentos. Não tanto por falta de informação que resulta em tédio, mas de um desenvolvimento que segue no mesmo ritmo em demasia. Um pouco de variação não faria mal, com certeza. E nem me refiro a distorcer a essência da obra por algo que seja mais acessível porque seria uma saída barata e infiel aos princípios da história. Talvez uma narrativa dinâmica, incrementada mais fortemente por trilha sonora e edição pudesse fazer a diferença em um filme que, mesmo com suas falhas aqui e ali, conta uma história impressionante.