Apesar de ter falhado em enxergar a genialidade do primeiro “Kingsman”, nunca disse que era ruim. Assim como os piores filmes de James Bond, ele tem algumas qualidades para se gabar, como a ação frenética e criativa e até alguns acertos eventuais no humor — também responsável pelas maiores falhas. “Kingsman: The Golden Circle” segue a mesma linha de seu predecessor em todos os sentidos. As diversas referências à série 007 e outros seriados de espião dos Anos 60 retornam como a substância de uma história que satiriza obras desse estilo. Com Matthew Vaughn de volta na direção, a experiência é o que se espera da série, dos acertos aos erros.
Depois da infeliz morte de Harry (Colin Firth), Eggsy (Taron Egerton) assume o codinome Galahad e continua seu trabalho pela Kingsman. Então um inimigo do passado ressurge e, com ele, a ruína de todos os agentes da Kingsman, exceto por Eggsy e Merlin (Mark Strong). Desamparados, eles seguem um protocolo de emergência e descobrem a existência de uma contraparte americana de sua organização: a Statesman, que opera sob a fachada de uma destilaria. Junto do agente Whiskey (Pedro Pascal), Eggsy deve impedir a ameaça de Poppy (Julianne Moore), uma megalomaníaca que usa o tráfico de drogas para fazer o mundo de refém.
Esta é uma das análises em que eu não me sinto especialmente compelido a argumentar sobre qualquer coisa porque a experiência foi insípida. Saí da sessão pensando que “Kingsman: The Golden Circle” foi nos moldes de seu predecessor, com uns acertos aqui e uns erros ali, porém sem pender para nenhum dos dois lado de forma notável. Não foi dessa vez que pude dizer que consertaram os erros de um filme que não gostei tanto em sua continuação. E pensando pelo lado bom, não foi outro exemplo infeliz de continuação, remake ou reboot amplamente criticado fazendo as pessoas questionarem se sua existência era necessária ou desejável. Em suma, foi uma impressão morna e sem nenhum tipo de exaltação de minha parte, positiva ou negativa. Enquanto pode parecer uma afirmação branda, ela diz muito sobre minha experiência com o longa.
Mesmo com minhas críticas a “Kingsman: The Secret Service“, não posso acusá-lo de não ter personalidade ou, no mínimo, de não possuir certa ambição de construir sobre a proposta de satirizar e homenagear as histórias de espião. Não acho que deu tão certo quanto várias outras pessoas acham, mas foi visível que tentaram criar algo novo ali. Não é o mesmo que posso dizer de “Kingsman: The Golden Circle”. Ele carece da intenção de ser algo a mais, contentando-se com continuar aquilo que já foi feito antes sem nem tentar reciclar os maiores truques. Abrem mão da originalidade, se posso dizer. Sobrou apenas o grosso da obra: sequências de ação, vários apetrechos, referências ao passado, exageros e uma piada eventual. Tudo isso tem muito potencial para bons resultados num filme de ação, mas por si não é o bastante. Falta um toque especial, o carisma e charme de um James Bond e suas seis versões distintas, coisa que Eggsy e o resto do elenco não têm. Há o lado britânico com os ternos de corte fino e acessórios cavalheirescos, os americanos excessivamente caipiras e a vilã direto de um filme de Austin Powers. Com tudo isso, o mais longe que seja é o estereótipo de pouco apelo.
Tomando como exemplo o clímax do primeiro, em que a cabeça de todos os capangas explodem por conta do chip em seus pescoços, pode-se notar uma decisão artística peculiar. Trocam a violência explícita, que viria em peso pelo número de explosões, por fogos de artifícios cartunizados em uma sequência coreografada e sincronizada ao som de música clássica. Passou do ponto, em minha opinião, mas foi uma escolha audaciosa. Não há nada disso aqui. Assistir a “Kingsman: The Golden Circle” é um ótimo exemplo de estética sobre essência, forma sobre conteúdo, estilo sobre substância. Sem momentos grandes, a extensa duração de 2h21 é preenchida de ação que nunca chega no mesmo sucesso da sequência da igreja. Por sua vez, este é um momento extravagante do primeiro filme e muito bem justificado narrativamente, o que não acontece aqui. A regra vigente soa como adicionar uma nova organização, mais personagens, novos apetrechos e abusar dessa nova variedade. Funcionaria melhor se a execução não fosse totalmente preocupada com a estilização da ação. Um novo apetrecho, como um chicote cortante, serve para pouco mais que fazer os protagonistas se contorcerem e deslizarem pelas paredes no meio de uma luta feita de tomadas longas.
O lado bom — ou menos pior — de ser mais morno no geral, possuir menos altos e baixos, é errar menos gravemente. A tal sequência dos fogos de artifício é ambiciosa e todo o mais, porém foi ali que “Kingsman” me perdeu. Criatividade na representação da violência não foi sinônimo de qualidade nesse caso. Sem momentos como esse, “Kingsman: The Golden Circle” ficou sem sal, sem aspirações de ir além e sem exageros prejudiciais como este. Similarmente, o enredo fica numa faixa de qualidade apenas decente. Seus piores momentos envolvem falhas em alcançar o impacto desejado em diferentes tipos de cenas. As de ação ainda se salvam por serem divertidas a despeito de sua execução puramente estilística na história, já as ocasiões dramáticas, satíricas e narrativas são indefensáveis. Felizmente, não estão em número o bastante para ser um problema, porém fazem questão de ostentar sua ruindade quando dão as caras. Tirando a presença aleatória de Elton John como um personagem que vai de participação especial a inclusão intrusiva, não há momentos em que olhei para a tela e pensei que haviam ido longe demais.
“Kingsman: The Golden Circle” traz o mesmo de antes com ferramentas novas sem mudar muita coisa, no final das contas. Para alguns, pode ser uma característica negativa encontrar pouca inovação e a volta da rotina, mas não é como se o longa fosse uma simples repetição. A história, mesmo com seus erros, é bem concebida e não sofre muito com as barbaridades ocasionais, como reviravoltas toscas e a presença de Elton John. Por outro lado, uma anestesia no fator ousadia diminui tanto as possibilidades de inovação criativa como as de exagerar na empolgação e estragar o filme de novo. Uma experiência sem sal é o preço que se paga para evitar grandes desastres. No fim, a qualidade permanece mais ou menos a mesma e o filme, facilmente esquecível.