Terrence Malick é uma das personalidades mais reclusas do Cinema e, ainda assim, está entre as mais polêmicas. Desde que lançou “The Tree of Life“, o diretor polarizou a audiência acostumada com seus trabalhos anteriores. De uns, ganhou amor renovado; de outros, um extremo desgosto diante de tal virada na carreira. Estou entre os que não gostam deste novo estilo abstrato de cinema, trabalhando com narrações de uma frase, narrativa obscura e poucas semelhanças com o cinema convencional. Fui assistir a “Song to Song” mais por curiosidade do que por interesse, surpreendendo-me por encontrar uma obra menos confusa e intangível do que o esperado, embora ainda seja um resultado mediano.
Entre esperanças de amor e ambições profissionais, os limites destas esferas fundem-se com a chegada de um músico em ascensão. BV (Ryan Gosling) colhe os frutos de seu sucesso através da parceria com Cook (Michael Fassbender), um produtor usualmente embriagado em luxos e exageros. Enquanto acostuma-se com o novo estilo de vida, BV conhece novos horizontes. Algo longe da música, simples como a aproximação entre um homem e uma mulher. Faye (Rooney Mara) conquista seu interesse, mas o relacionamento entre os dois mostra-se mais complexo do que parece por conta do passado da garota com Cook.
Não tenho problema nenhum com grandes ambições ou escopos gigantescos. O objetivo é maior, assim como o risco. Ou nas palavras do clássico ditado: quanto mais alto, maior o tombo. Um filme como “The Tree of Life” não falha porque fala de ciência, religião, realidade e fantasia numa mesma trama, e sim porque não consegue executar tudo a que se propõe de forma satisfatória. Se a idéia é subir o Everest sem equipamento, então não morra no meio do caminho. A simplicidade temática de “Song to Song”, em essência, torna superior o resultado de um estilo narrativo parecido. Há menos para explicar, menos pontos para conectar e menos sentido para se fazer. Saindo do cinema, pude dizer mais tranquilamente que entendi de onde o longa parte e aonde ele quer chegar.
Retirando todos os elementos abstratos de “Song to Song” — história não linear, pouquíssimos diálogos, cortes bruscos e cenas de significado obscuro —a trama é simples. São dois triângulos amorosos envolvendo um músico, uma aspirante à música, um produtor e uma garçonete. Retirando um elemento desta equação, que entra mais tarde e não tem um impacto tão profundo na trama, resume-se ao envolvimento do músico com a aspirante, que já tinha um passado com o produtor. Tratando de enredo, o longa não tem muito a dizer e permanece raso na abordagem das ramificações deste relacionamento complexo. Mas esta não é uma história preocupada com criar um trajeto bem definido para cada indivíduo, ela busca explorar a personalidade de cada um quando colocados contra a parede. É um exercício simples de desenvolvimento de personagem, uma forma de explorar personalidades em contextos diferentes do social, onde máscaras reinam sobre a essência de cada pessoa.
Para ilustrar esta proposta, Terrence Malick cria um modelo de comportamento peculiar. BV e Faye são quase sempre colocados em situações que os isolam do mundo civilizado. Suas interações nunca são falsas, regidas por aparências ou pela insegurança tão venenosa para relacionamentos. Há o toque pelo simples prazer de estar em contato com outra pessoa, como se fosse um impulso de prolongar uma conexão psíquica no plano físico. Ambos Ryan Gosling e Rooney Mara mostram-se convincentes na representação de uma relação tão atípica. Comunicam que, até onde importa para o casal, eles são as únicas pessoas relevantes do planeta. Como um contraponto interessante a esta demonstração genuína de afeto, Malick traz novamente a narração como ferramenta. Dessa vez, ela serve como uma voz mental, os pensamentos reais dos personagens como reforço ou oposição às atitudes mostradas.
Como um complemento, funciona espetacularmente em ocasião. A mesma narração, elevada ao posto de elemento essencial para a compreensão da história, não tanto. O grande problema de “Song to Song” não é carecer de um enredo concreto ou tradicional, pois sua proposta se diferencia quando prioriza personagem sobre trama. Entretanto, até esse modelo de história necessita de algum tipo de arco, uma conclusão ou sensação de finalidade. Sem isso, qualquer conteúdo apresentado no meio do caminho torna-se exposição. Mostra-se os conflitos internos de Faye e como ela mentalmente questiona e repensa seu relacionamento. Isso exalta profundidade de caráter e desperta um maior interesse sobre ela, especialmente a respeito de como essas características influenciarão sua relação com outros indivíduos. Contudo, quando os créditos começaram a rolar, percebi que confirmou-se uma sensação que tive lá por três quartos de filme: o gás da obra havia acabado.
Chega um ponto de “Song to Song” em que as idéias de Terrence Malick parecem ter se esgotado. Um dos arcos principais chega numa virada muito semelhante a uma conclusão e todo o resto chega com uma cara de epílogo aquém do que se viu antes. Desde então, o filme perde um pouco do sentido por estender, ao invés de continuar, sua história. Até pode-se argumentar que havia mais para ser contado sobre o casal principal, mas tudo que surge não passa de uma reciclagem de temas velhos e introdução de outros que não não tiveram desenvolvimento nenhum antes. Tanto ritmo como os sucessos anteriores são afetados. Já não tinha mais tanto interesse na prolongação do enredo inicial por ele não ser tão bem conduzido, o que me deu uma sensação de que o filme não acabaria nunca. Até mesmo a atmosfera singular entre os personagens, que valorizava o toque entre dois indivíduos, chega perto de se tornar uma piada. Deixa de ser uma exclusividade de personagens seletos, passando a acontecer com qualquer um em qualquer momento.
Logo após de sair do cinema, cheguei a comentar com um amigo como Emmanuel Lubezki fez falta na Direção de Fotografia de “Song to Song”. Havia dito que Malick havia feito escolhas infelizes em termos de ângulos e movimentos de câmera, os quais foram ainda piores por não poderem gabar-se de capturar imagens esteticamente impressionantes. Para minha surpresa, Lubezki esteve bem presente na produção; sua presença inconfundível, não. A performance vista em “The Tree of Life” não encontra-se aqui, apenas um esforço que ocasionalmente chama a atenção quando a Direção de Terrence Malick permite. É compreensível que ele não chame a atenção aqui, dadas as circunstâncias. Quando o diretor usa câmeras de mão atoladas numa multidão ou quando os movimentos de câmera lembram uma mosca rodando uma pessoa, imagino que seja difícil fazer um bom trabalho. Como pode haver uma amplificação dos eventos em cena com uma câmera olhando erraticamente para o rosto do ator, depois para pés, braços, tórax e outras partes do corpo?
Embora tenha surpreendido por ser melhor do que a polêmica obra de Malick de 2012, “Song to Song” não chega a colocar-se como um bom filme. Num lado positivo, temas mais simples de serem abordados tornam a execução geral melhor sucedida, o que é sempre bom quando a narrativa continua tão filosófica e contemplativa como antes. O grande problema é faltar um esqueleto de história melhor construído, que deixa a desejar principalmente em sua conclusão, quando não conclui coisa nenhuma. Até aqui, nenhuma grande surpresa ou indício de que o diretor vai mudar este estilo incomum de fazer filmes.