Enquanto é extremamente comum que certos filmes entrem para história por serem bons, outros o fazem pela importância que tiveram na época. Às vezes, os dois motivos se encontram, mas às vezes eles são confundidos. Algumas obras lançam atores ao estrelato, ganham algum prêmio importante ou colocam em prática uma técnica nova. Tais feitos não devem ser ignorados de forma alguma, contanto que não sejam determinantes automáticos da qualidade da obra. “Ikarie XB 1” é uma Ficção Cientifica tcheca dos Anos 60, quando o país ainda era território soviético. Dentre as divisões citadas, este longa se encaixa mais entre os importantes. Sua influência é clara por grandes obras dos anos seguintes seguem vários preceitos iniciados aqui.
No ano 2163, a nave Ikarie XB 1 é enviada numa missão de exploração espacial em busca de planetas em condições habitáveis na galáxia Alfa Centauri. É uma viagem longa até lá, mas a tripulação está mais do que bem preparada para encarar essa excursão. No entanto, o espaço tem sua própria cota de mistérios e perigos. Logo, obstáculos inesperados se apresentam e colocam a missão em risco – de ameaças externas, como uma nave alienígena abandonada; a problemas de dentro da própria nave.
Quando trouxe duas divisões para filmes que entram para a história, os ditos clássicos, não quis dizer que é uma separação binária. Ou seja, uma obra não precisa pertencer a um grupo só, ser importante ou boa, ela pode ser ambas. “Ikarie XB 1” é uma destas. Pende mais para o primeiro grupo por conta de suas qualidades serem mais únicas que excelentes. Contudo, seria completamente injusto dizer que ele apenas inova sem ser necessariamente bom. Mesmo nos dias de hoje, posso dizer que gostei do que vi. O valor de uma história vai além de efeitos especiais e valores de produção gigantes. Aliás, este longa constitui o exato oposto do que se vê hoje em dia: história e personagens priorizados, em vez de um espetáculo visual com o resto em segundo lugar. Depois que efeitos especiais e visuais excêntricos deixaram de ser novidade, as obras que continuaram usando-os como apoio logo perderam seu apelo. “Ikarie XB 1” é da época em que sua proposta era inovadora em todos os sentidos, tanto nos visuais como no tipo de história contada. Hoje, muitos deles ainda se sustentam bem.
O primeiro aspecto lembra outro clássico logo de cara: “2001: A Space Odyssey“. O detalhe é que a ficção científica de Stanley Kubrick foi lançada só 5 anos depois desta produção tcheca. Uma das obras mais influentes de todos os tempos, que ajudou a definir o gênero e estabeleceu padrão para futuros projetos, tem suas influências traçadas até aqui. Basta dar uma olhada nos ângulos de câmera inteligentes valorizando o ambiente e tornando-o ainda mais exótico e atraente. Eles lembram muito o que Kubrick aperfeiçoou mais além. Independentemente da fotografia em preto e branco, a semelhança é notável. Ambos trazem fotógrafos com olhos bons para incrementar seu produto; para destacar os corredores longos e cheios de luzes ou fazer salas parecerem maiores do que são e, assim, fazendo a nave ser percebida como algo grandioso em vez de um estúdio. O design de produção é criativo e introduz algumas idéias tão boas que foram eternizadas. Há um robô comicamente atrapalhado e não necessariamente versátil para seu tempo, algo como o que se vê nos dróides de “Star Wars”: cumprem sua função, mas são um tanto desajeitados.
Além disso, dão um uniforme padrão para a tripulação. Este segundo ponto, em especial, remete a outras obras famosas da ficção científica. A história de “Ikarie XB 1” é simples numa visão geral, mas tem uma série de pequenos outros arcos incluídos na premissa breve. De longe, é uma expedição espacial em busca de um planeta habitável. Nos detalhes, envolve intrigas entre tripulantes e dificuldades com nébulas radioativas. Nada muito diferente do que foi visto 3 anos depois em “Star Trek” e mais tarde em “Babylon 5” e outros seriados. A dinâmica é a mesma: as aventuras de uma equipe em suas viagens pelo espaço. Ora visitam um planeta novo e sua cultura, ora estão se bicando dentro da nave pelos motivos mais variados. Além disso, já valorizam aqui o elemento que une tantas aventuras diferentes e evita que sejam episódicas demais. Sem personagens carismáticos e de personalidades diferentes, não há incentivo para acompanhar suas empreitadas.
A semelhança está ali tão fortemente que até mesmo alguns defeitos estão presentes. Resumidamente, a grande jornada é uma coletânea de aventuras, como episódios compilados num longa-metragem. Mas como acontece com muitos seriados, alguns episódios simplesmente não são tão bons. Não diria que as escolhas de “Ikarie XB 1” são as mais eficientes. Nesse sentido, o lado da inovação pesa mais que o da qualidade. Apresentam variedade com arcos envolvendo conflitos dentro e fora da nave, além de uma trama maior envolvendo progresso e esperança de um futuro melhor. Só não achei que as histórias contadas foram as mais empolgantes. Não por já terem sido contadas várias vezes posteriormente, mas por terem sido melhor contadas por outros trabalhos. Originalidade não define qualidade e o que apresentam aqui não está entre o melhor do gênero. Outro ponto negativo é a trilha sonora de qualidade inconstante. Ela não consegue manter o nível de seus ocasionais melhores momentos, nos quais eu não via alternativa além de me entregar àquela expedição intergaláctica. Nas instâncias mais fracas, só conseguia pensar em como os efeitos sonoros usados eram artificiais, além de distrativos e ineficientes por mais parecerem uma sequência de sons clichês numa ordem aleatória. Se tentaram depender da sorte para acertar nessa aleatoriedade, não tiveram muito sucesso.
“Ikarie XB 1” foi uma experiência interessante. É este o tipo de filme que eu valorizo num festival de cinema, uma obra influente e, mais importante, cuja influência é notável pelo público. Não é preciso ser um acadêmico da sétima arte para apreciar o que este longa tem para oferecer. São várias cenas em que pode-se pensar “Olha, é parecido com ‘Star Trek'” sem estar errado ou fazendo uma comparação ampla demais. Os pontos são conectados sem esforço e, por consequência, a experiência se torna acessível. Não é perfeito, mas é simples e facilmente apreciável.