O motivo que me fez ter interesse por “The Philadelphia Story” foi ver Cary Grant e James Stewart contracenando, duas grandes estrelas que colaboraram com Alfred Hitchcock. Isso foi na época em que tinha visto “North By Northwest” pela primeira vez, uns quatro anos atrás. Hoje, vejo que esta premiada comédia talvez tenha uma reputação grande demais para o que realmente é, todo o aplauso não me pareceu inteiramente justificável. Embora existam vários momentos bons por parte do elenco, muitos alimentados por lapsos de qualidade no roteiro, a experiência ficou aquém de sua fama.
Tracy Lord (Katharine Hepburn) é uma mulher difícil: rica, de gênio forte e com opiniões bem definidas sobre vários assuntos, especialmente homens. Sua experiência com C.K. Dexter Haven (Cary Grant) garantiu isso. Os dois separaram depois que ele ficou farto da soberba dela e ela da bebedeira dele. Depois de um tempo, ela anuncia seu mais novo casamento: um evento que é complicado quando Dexter e Mike Connor (James Stewart), repórter de uma revista de fofoca, marcam presença.
Numa lista de clássicos superestimados, “The Philadelphia Story” seria incluído sem dúvida alguma. Seis indicações ao Oscar. Duas vitórias. Aceito na Biblioteca do Congresso em 1995. Considerado um dos 10 melhores filmes do ano. Se prêmios fossem argumentos irrefutáveis de qualidade, então estaria errado em dizer que não gostei tanto desta comédia. Mas como esse não é o caso, não há preocupações. Aliás, esta obra traz uma contradição curiosa em relação a isso: os prêmios não estão em consonância com as verdadeiras qualidades, as quais foram relativamente criticadas no lançamento. 1938 ficou marcado como o ano em que uma infame matéria de jornal denunciou estrelas que recebiam salários enormes e eram competentes, mas não davam retorno financeiro na bilheteria. Entre os citados estava a própria Katharine Hepburn, uma das melhores partes deste longa.
Chega a ser absurdo pensar que Hepburn, uma das atrizes mais celebradas de Hollywood, a única vencedora de 4 Oscar, estaria em qualquer lista que denegrisse sua imagem. Ainda que tal matéria reconhecesse a habilidade dos envolvidos, não deixa de ser publicidade negativa. A solução para a ansiedade da MGM foi colocar não uma grande estrela para contracenar com a atriz, mas duas: Cary Grant e James Stewart. Não foi, então, muito surpreendente que foram eles quem chamaram minha atenção para “The Philadelphia Story” tantos anos depois. Os três principais estão muito bem, com destaque para Grant e Hepburn. A química entre esses dois, facilmente a mais forte do elenco, funciona especialmente bem porque eles são escritos com características cuidadosamente díspares. Seguindo a lógica “Não posso viver contigo, mas não vivo sem você”, a personalidade manipuladora e atrevida bate de frente seguidamente com um ego colossal, começando quando o ex-marido aparece para o novo casamento da ex-mulher. A astúcia espertinha de Cary Grant contra o gênio arrogante de Katharine Hepburn.
Justamente os dois melhores atores foram os que receberam menos atenção na época. O único Oscar de atuação foi para James Stewart, enquanto Hepburn ficou só com uma indicação e Grant nem isso. Quanto a isso, que não haja engano: Stewart está longe de uma performance ruim, mas ele mesmo achou que sua vitória foi para compensar a derrota no ano anterior. Ele nem planejava comparecer à cerimônia de premiação. Os outros dois atores principais estão claramente em melhor forma. Seus personagens são melhor escritos e as performances correspondem esse destaque maior, fazendo o humor do roteiro ser sentido. Diálogos bem escritos combinados com um elenco competente tornam “The Philadelphia Story” uma experiência divertida, que me deixava na expectativa para ver quão mais esquisitas as coisas poderiam se tornar.
Uma dupla de jornalistas infiltrados no casamento de uma socialite que está casando de novo e tem de lidar com o retorno de seu ex-marido na véspera da festa. Por que qualquer pessoa toleraria a presença de um ex em seu novo casamento, especialmente quando o término foi tenso? É de despertar a curiosidade. Infelizmente, a execução dese mostra decepcionante. Os atores e o roteiro trazem diversas partes engraçadas, algumas indubitavelmente excelentes por combinar o melhor desses. Não há como acusar “The Philadelphia Story” de não ter seus momentos bons. A história, que uma vez me cativou por sua situação peculiar, deixa a desejar quando se desenvolve bem e deixa para resolver tudo de uma forma simples, um adjetivo que certamente não combina quando se fala numa situação complexa. Tanto o arco principal como os secundários são solucionados em poucos momentos, até mesmo simplificando e expondo algo que estava no subtexto de uma forma drástica e muito pouco sutil. Prejudicam muito “The Philadelphia Story” em poucos momentos.
Há também outra questão grave, o relaxo da edição traz revela sua cota de barbaridades logo cedo. Numa cena com C.K. Dexter Haven e outros dois personagens, o primeiro muda de posição grosseiramente bem no meio de um diálogo. Em outras palavras, ele passa para outro lugar numa fração de segundo, como se tivesse teleportado. Pode parecer que estou procurando defeitos mínimos para ter munição de crítica, mas é um erro bem claro uma vez que aparece. Faltou cuidado e sobrou desleixo. Várias transições menores entre cortes são pouco fluídas, com quadros repetindo ou movimentos iniciados numa tomada sendo incoerentemente representados na próxima, cortados ou ignorados. Nem dá para dizer que é um deslize comum da época, pois filmes do mesmo ano e inúmeros outros de décadas anteriores, incluindo o Cinema Mudo, já mostraram competência nessa parte.
Este é um filme que define bem que ser clássico não é exalar qualidade, e sim entrar para a história por algum motivo. Neste caso, imagino que todos os prêmios tenham feito sua parte de cimentar essa popularidade. Já o fator qualidade deixa um pouco a desejar por limitar “The Philadelphia Story” a um filme divertido, mas que falha em suas soluções narrativas simples e edição muito abaixo do aceitável. Vale pelas atuações de três gigantes da Hollywood clássica, se não por qualquer outra coisa.