Adaptações cinematográficas de animes só não são tão temidas quanto adaptações de video-games. O histórico desse segundo inclui bombas como “Assassin’s Creed” e “BloodRayne”, enquanto o primeiro, embora esteja um pouco melhor, também tem sua cota de fiascos representada por absurdos no nível de “Dragonball Evolution”. Não acompanhei o desenvolvimento de “Ghost in the Shell” por não ter visto o anime original até uns dias atrás, então não estava na expectativa. Mesmo assim, tive receio de que não capturariam a essência da obra original ou que adaptariam mal aspectos que só funcionam com animações, como os diversos exageros nas ações e expressões. Vi este remake antes das animações e gostei do que vi. Este filme é um grande marco positivo para as adaptações de animes.
Major (Scarlett Johansson) é uma ciborgue de última geração. A primeira de uma linha que só conserva o cérebro como órgão humano em um corpo inteiramente robótico, ela é uma das melhores agentes da Seção 9, uma divisão do governo que lida com problemas politicamente delicados. Quando robôs são hackeados para assassinar membros da Hanka, organização líder em equipamentos cibernéticos do mundo, Major e seu esquadrão são enviados atrás de um suspeito chamado Kuze. Inesperadamente, ela encontra seu passado e verdades sobre si em meio a uma investigação cheia de segredos escondidos dela.
Mais do que as duas animações anteriores, o grande foco de “Ghost in the Shell” é Major, a protagonista. Seu passado é explorado mais a fundo e funciona como o maior pilar da trama por girar muito em torno de sua identidade além do que lhe é dito. Ao mesmo tempo em que o enredo arrisca explorar o que veio antes da história, ele também se aventura na busca da protagonista pela definição de qual espectro da existência ela ocupa, humana ou máquina. Não poderia ter sido uma decisão melhor, pois a interpretação de Scarlett Johansson é certeira na captura da personalidade singular da personagem. No anime, ela é inexpressiva. Seu rosto mal se mexe e nem pisca, sugerindo alguém que, além de ser praticamente um andróide, está num constante transe, perdida em pensamentos. Este remake muda um pouco isso. Johansson segue o caminho similar de adotar uma expressão inquietante, dessa vez mudando para alguém que está meio enfezada, meio sem compreender o mundo à sua volta, o tempo todo distante. Diferente, mas faz todo o sentido, dado o foco à procura de algo que nem ela sabe direito o que é. Nada disso interfere em seu trabalho, sempre feito com precisão milimétrica e sem erro; algo que na prática também resulta em cenas de ação que aproveitam muito bem a capacidade da protagonista, ainda que não sejam muito frequentes. Tive vontade de vê-la mais em ação, afinal se trata do ciborgue mais poderoso daquele universo. Major alguém que demonstra sua capacidade em várias cenas
Major é um ser robótico que conserva sua alma humana — o chamado “ghost”. Essa é a certeza que ela tem, ou ao menos a que lhe foi dada, a respeito de sua existência. De certa forma, sua humanidade é única constante em sua vida além do trabalho. No entanto, ela mesma aparenta não estar completamente satisfeita com isso, pois quando lhe perguntam sobre seu passado, ela brevemente responde que ele está ali, dentro de sua mente. O que gera a suspeita sobre sua própria condição, acima de tudo, são falhas em sua visão. A rua vazia, que não deveria ter nada além da solidão urbana, contém imagens distorcidas de eventos que não deviam estar ali. Essa é apenas a introdução da criatividade visual, um dos maiores atrativos daqui.
Computação Gráfica de última geração nunca prejudicou nenhuma obra, embora nunca tenha salvado um filme ruim de si mesmo. “Ghost in the Shell” vai além de ser impressionante numa tela IMAX com óculos 3D ao adaptar fielmente um importante aspecto do anime: a caracterização visual da cidade e como ela é usada. As duas cidades serem diferentes não deve ser motivo de crítica, pois um design de produção que reproduz exatamente o que se viu no anime apenas estaria fazendo um serviço aos fãs. Ir além desses limites pré-estabelecidos executa o conceito de uma forma diferente e até melhor. A cidade representa realmente o que eu esperava de uma metrópole japonesa futurística: os incontáveis letreiros de propaganda tingindo os prédios com uma aquarela de cores, hologramas colossais vistos à milhas de distância e gente na rua vivendo uma realidade virtual.
É quando a trama se desenvolve que começam os problemas de “Ghost in the Shell”. Simplificaram todo o material do original de 1995. Por um lado, deixar a trama complexa de antes mais direta ao ponto se encaixa na proposta de ser um filme mais acessível. Aproveitando sequências icônicas do primeiro e as adaptam, deixando-os apenas semelhantes o bastante para lembrar o passado enquanto constrói-se algo novo em cima dele. Em contrapartida, essa simplificação prejudica muito o contexto filosófico, uma das melhores partes do original. Uma das primeiras falas já indica o que está por vir: a Doutora Ouelet (Juliette Binoche) explica com todas as palavras que Major é mais que uma casca, ela é definida por sua alma. De todas as maneiras de esclarecer o que já era relativamente claro no título, escolhem a mais expositiva e simplificada.
É uma pena, pois a discussão acerca do significado de ser humano e de como a tecnologia flexibilizou os limites entre humanidade e máquinas tornou-se muito simples. Isto não instiga o espectador a dar uma atenção maior a estes temas, quem dirá pensar no assunto como uma questão de pós-filme. Para ser justo, os dois primeiros animes não são os melhores em termos de exposição: o primeiro transmitiu muitos de seus ideais em longos monólogos, o segundo usou citações de pensadores tiradas direto do papel. Pelo menos estes tinham algo relevante e profundo a dizer, já não é o que acontece com este remake. Pior do que simplificar a expressão dos temas é tornar os próprios temas simples. É como se haver um cérebro ou não já anulasse qualquer necessidade de discussão posterior.
Não esperava muita coisa de “Ghost in the Shell”. Havia perdido a sessão especial do anime, exibido pelo Cinemark, e teria que fazer um esforço para ver este remake num horário livre. Além do mais, ainda havia a sombra de más adaptações de animes no passado para diminuir a empolgação, que já não era muito grande em alguém que não tinha visto o original. Apesar dos diálogos expositivos beirando a ofensa, é uma adaptação competente. Mais parece uma obra originalmente japonesa do que uma versão americana imbecilizada. O público ser de outro país não é uma justificativa boa. Uma história de qualidade transcende limites geográficos.
1 comment
Acompanho a obra em geral a um tempo e devo dizer que sou um grande fã, o filme de 1995 é realmente esplendido, e uma participação maior de nossa querida Major Kusanagi teriam sido muito bem-vinda no segunda filme, o que em minha opinião fez falta em Ghost in the Shell: Innocence, mas sem desmerece-lo claro, mas a rápida aparição dela em um ciborgue hackeado pela mesma me decepcionou um pouco.
Indo agora para o mais novo filme, o remake com a magnifica Scarlett Johansson como Major, algo muito criticado por muitos, mas que achei uma ótima escolha logo de cara quando soube e confirmo mais ainda agora que já assisti ao filme. Essa adaptação não tem a grandeza filosófica do primeira, pois penso que os monólogos do primeiro filme seria algo visto como tedioso nesse remake, afinal aqui no ocidente as pessoas querem ação no cinema, principalmente nessa geração heróis que estamos.
Como um fã, fiquei ansioso para assistir o remake, e ele não decepciona, pelo contrário, o filme me surpreendeu bastante, mesmo que não tenha ido bem na bilheteria, podendo ficar no negativo, o que é uma pena. A ambientação e caracterização do filme é impecável, o enredo que aqui aborda o passado de Kusanagi ficou bem feito e com cenas tiradas direto do clássico de 1995, para a alegria dos fãs. Realmente fico triste em saber que dificilmente teremos uma sequência, algo que o diretor Rupert Sanders planejava, pois penso que o melhor ainda estava por vim.
O filme está bem feito tanto para quem já conhece a história quanto para quem nem sabe que se trata de um remake. Imagino que como pensado para ter uma sequência, os próximos filmes teríamos mais aproximação com o original de 1995, inclusive com o “vilão” Puppet Master.
Enfim, o filme é muito bom, a ambientação, caracterização, enredo, trilha sonora, elenco, efeitos especiais…. Fui assistir no cinema e com toda certeza comprarei a mídia física ou digital quando estiver disponível para venda, e repito que fico triste por provavelmente não haver uma possível sequência pela baixa bilheteria que está tendo, o filme realmente merece mais, é sem dúvida a melhor adaptação de anime em live-action já feito!