Descrito como um projeto muito pessoal de Martin Scorsese, uma forte obsessão e uma maravilhosa história verdadeira, “Silence” é um filme que está no ar desde 1990, adiado uma vez após outra por inúmeros motivos, nenhum deles favorecendo o amor do diretor pelo projeto. Finalmente lançado em 2016, o longa abriu em vários cinemas para uma recepção fraca nas bilheterias e ainda pior pela falta de indicações ao Oscar — houve apenas uma para “Melhor Fotografia”. Pensando bem, não é muito difícil ver o porquê desta obra ter feito pouco barulho: falta apelo. Os motivos para chamar as pessoas ao cinema não são muito fortes e, para piorar, os que tentam manter o público preso à história também não são dos melhores.
Dois padres jesuítas, Rodrigues (Andrew Garfield) e Garupe (Adam Driver), entram numa busca pela pessoa que os inspirou e orientou por tanto tempo, o Padre Ferreira (Liam Neeson). Mas ele está desaparecido faz tempo em sua última missão ao Japão e as perspectivas não são das melhores: ele pode ter sido morto na onda de perseguição aos cristãos pelo governo japonês. Isso não impede os dois rapazes de concretizar sua missão, pelo contrário, apenas os encoraja a procurar Ferreira e espalhar o evangelho naquela terra inóspita.
Outro detalhe na lista de motivos para não se empolgar por “Silence” — e um dos problemas aqui — é sua duração de 161 minutos. A 19 minutos de chegar nas famosas 3 horas dos grandes filmes, esta história assusta por não deixar imediatamente claro como a jornada de dois padres preencheria todo esse tempo. Ver que esta é uma adaptação de um premiado livro japonês pode aliviar um pouco as dúvidas sobre esse ponto, embora, para mim, tenha apenas levantado questões sobre o próprio livro. Ele é tão lento quanto o filme ou será que a adaptação foi menos objetiva do que poderia ter sido? Um dos maiores problemas de “Silence” é executar sua proposta simples sem absolutamente nenhum senso de urgência, fica claro qual é o objetivo daqueles dois homens desde o começo e ainda assim demoram para colocá-lo em ação. Tudo bem, parte da missão inclui continuar a catequização dos japoneses, porém o que fez eles viajarem, em primeiro lugar, foi a procura por seu mentor. Foi ele quem começou a espalhar o cristianismo por lá, então faria sentido buscá-lo para saber como está seu progresso antes de qualquer atitude.
O enredo não é dos mais felizes em estabelecer uma progressão concreta, falta uma sensação de que os personagens estão realmente indo para algum lugar. O começo, em especial, não é muito bom em apresentar eventos que prendam a atenção do espectador e o deixem interessado pelos longos minutos ainda por vir. Uma bagunça de temas a serem desenvolvidos pelo enredo deixam pouco claro qual será o caminho a ser trilhado, emaranhados numa sequência que menos introduz cada um e mais deixa o começo de “Silence” um tanto sem rumo. Demora um tempo considerável até a trama engrenar e finalmente dar um sentido forte à jornada dos padres. Mas, pelo menos quando ela entre nos eixos, o resultado é muito positivo. São estes os momentos que exploram as questões realmente relevantes da trama, deixam de lado a falta de foco para trabalhar questões religiosas e existenciais em contextos idealistas e práticos.
Esse eventual acerto deve muito à narrativa, sem dúvida. Ela explicita certos temas que poderiam passar despercebidos, sobretudo quando o enredo peca pela falta de foco. A narração é típica de outras obras de Martin Scorsese: o protagonista relata os eventos que vive, dessa vez sem a redundância de descrever exatamente o que se vê. A diferença é que “Silence” aproveita essa ferramenta para direcionar a atenção a conflitos enraizados no espectro subjetivo de seus personagens, coisas como a dualidade da fé ou os julgamentos de uma pessoa que devia se abster de julgar e apenas levar adiante a palavra divina. Acima de tudo, a narrativa delineia quais são as partes mais importantes do que já foi visto ou do que está sendo mostrado. Quando as imagens do começo falham em estabelecer uma base sólida, um ponto de partida que ao menos sugira o que pode se esperar do filme, é a narração quem ajuda a dar um norte. O discurso de Rodrigues, alguém sonha com um mundo contagiado pela compaixão, cai de um paraíso utópico a uma Terra que rechaça esses valores e todas pessoas associadas a eles. Quando o mundo inteiro parece discordar, até o mais fervoroso tem seus momentos de dúvida e insegurança; e o roteiro não negligencia a importância disso na vida de alguém como o protagonista.
No mínimo, a narrativa serve como um complemento para os esforços de Andrew Garfield como ator. Ele faz um bom trabalho, no geral, e chega a se destacar em algumas cenas por tocar em cantos da personalidade de seu personagem que eu não esperava ver, vistos principalmente na insanidade temporária e na emoção fulminante de um homem cuja fé talvez não seja mais o bastante para moderar suas atitudes. No entanto, os esforços que pareciam satisfatórios são colocados em xeque pela presença de outro elemento, que eleva o padrão e levanta questões sobre atuação e até a própria duração. Todo o esforço de Garfield na construção de seu personagem são afrontados pela presença de um ator mais experiente, visivelmente mais competente em evocar os sentimento que o outro construiu por tanto tempo. Claro que num filme sempre haverá divergência de talento entre o elenco, mas o caso de “Silence” é mais peculiar. Senti que talvez todas as horas investidas não fossem totalmente necessárias para chegar naquela conclusão, não quando um ator entra em jogo depois de muito tempo de filme e entrega um personagem até mais complexo que o protagonista, com mais camadas de conflito mascaradas numa expressão de sofrimento silenciado.
Talvez uma escolha de elenco pudesse resolver essa questão, talvez seja um detalhe de roteiro mesmo. É difícil dizer, mas fica claro que a duração é longa demais para a história que querem contar e longa o bastante para ser cansativa. “Silence” é uma história muito feliz em evocar temas tão díspares e conseguir costurá-los em um mesmo personagem, mas que poderia ter sido um pouco mais sucinta em seu argumento.