Do mesmo diretor que entregou “Seven” 12 anos antes, “Zodiac” marca o retorno de David Fincher às investigações de assassinos em série. Existem similaridades, como é de se esperar: o criminoso da história não chama a atenção somente pelo fato de matar gente demais, ele possui um jeito especial de tirar a vida alheia. Antes, o assassino usava os sete pecados capitais como modelo para suas vítimas, cada uma representando um pecado; aqui a execução é um pouco diferente e não tem nada a ver com Astrologia. Numa história única como essa, nada é tão direto ao ponto como pode parecer.
Começa pelo fato do foco ser a investigação acima de qualquer outra coisa; sem um personagem dominando a história e sem um estilo bem definido. Um jovem casal é assassinado a tiros em seu carro por um assassino misterioso, que aproveita a ocasião para engrandecer seu crime. Ele envia aos grandes jornais de São Francisco uma carta confessando outros crimes e um criptograma misterioso, exigindo também que seu enigma seja publicado sob o risco dele voltar a matar caso não façam o que foi pedido. Paul Avery (Robert Downey Jr.) e Robert Graysmith (Jake Gyllenhaal) são os dois mais interessados na investigação e, de seus jeitos peculiares, acompanham os crimes junto com David Toschi (Mark Ruffalo), o policial encarregado pelo caso.
Francamente, nunca tive muito interesse por esse filme. Parte do motivo é por eu ter sido enganado pelas mesmas primeiras impressões tão traiçoeiras. Eu achei que essa era outra obra nos moldes de “Seven” sobre um assassino que usa os signos do zodíaco como inspiração para seus crimes. Eu estava errado. Da mesma forma como “Zodiac” parece ter tudo a ver com ser de Aquário ou Capricórnio, ele pode se passar como mais uma investigação sobre um criminoso excêntrico, mas é muito mais. O interessante aqui é como o roteiro brinca com as expectativas do espectador sobre para onde a história vai caminhar a seguir, de uma história Policial a uma sobre Jornalistas e outra sobre a obsessão de um homem. Pela publicidade e elenco, parece bem claro que Robert Downey Jr. e Jake Gyllenhaal são os dois protagonistas do começo ao fim; um jornalista e um cartunista formando a dupla esquisita que funciona melhor do que deveria. Poderia ser o padrão dos heróis por acaso, que coloca duas pessoas em situações que não fariam parte de seu dia-a-dia, e até faria sentido, pois onde um cartunista se encaixaria numa investigação policial?
Mas logo ele some por um tempo e outro personagem, como o jornalista sarcástico e boçal de Downey Jr., assume a vanguarda da investigação, tornando-se a fonte dos fatos alimentados a audiência. Seu estilo já mostra-se bem diferente de antes e muda o tom do enredo. Ele é escroto e parece não ligar muito para o que realmente vai sair daquela investigação. Seu interesse é vender jornais e ter material para sua coluna, que não deixa de ter umas mentiras para apimentar ainda mais o caso. Já nas mãos do personagem de Gyllenhaal, investigar é como a oportunidade de entrar em algo maior que qualquer coisa que ele já fez na vida; com certeza melhor que fazer uns rabiscos para o editor categorizá-los como lixo, lixo e não tão lixo. Um está ali pela coincidência de estar trabalhando como jornalista na época dos crimes, o outro usa sua curiosidade quase juvenil para chegar no fundo de toda aquela bagunça. E como se não fosse gente o bastante, ainda abrem espaço para um policial de verdade entrar no jogo. O jornalista tem a inteligência sem a vontade; o cartunista tem a vontade sem os recursos; e o policial finalmente tem os recursos. Cooperação seria a chave se ela funcionasse tão bem quanto deveria, luxo do qual eles não dispõe. “Colaboração, somos assim, a todo custo”, como o próprio David Toschi fala ironicamente.
Finalmente chega um ponto em que acompanhar personagens específicos não funciona mais, “Zodiac” faz questão de manter apenas a investigação como assunto recorrente. Pode ser confuso no começo, mas traz o benefício de pontos de vista diferentes e, com eles, ritmos diferentes; cada um pontuado perfeitamente por atuações que martelam as características definitivas de cada indivíduo com precisão, sem nunca dar espaço aos exageros para não acabar com a sutileza desse contraste. Cada personagem varia a narrativa com seu próprio estilo, dando uma boa ajuda para uma obra que ainda parece longa demais no final das contas. Não dá para apontar um trecho e dizer que ele poderia ser retirado, mas parece que havia margem para deixar a história um pouco mais enxuta do que foi, principalmente quando a investigação volta a caminhar num ritmo mais constante e objetivo do que até então. Neste caso, o contraste de estilos não é tão positivo quando parece que menos tempo poderia ter sido usado para falar algo relativamente simples: a investigação é uma bagunça. Este é o ponto em que toda a estranheza do roteiro passa a fazer sentido e finalmente ganha significado narrativo, com todo o revesamento de protagonistas dando chão para o resto do enredo, especialmente o final. Há um certo charme em filmes que mostram cenas estranhas e parecem estar cometendo deslizes quando, na verdade, estão preparando terreno para alguma virada mais à frente. “Zodiac” é um desses casos. A falta de foco do começo é um elemento-chave para o modo como as coisas terminam.
Não há muito para falar mal de “Zodiac” exceto por algumas questões pontuais, como a duração e alguns desastres em CGI. A representação dos Anos 60 e 70 é tão boa quanto poderia ser, captura as mudanças de ambiente e figurino conforme os anos vão passando e a investigação se estendendo. Por algum motivo, certas cenas em computação gráfica tiveram de marcar presença por um capricho do diretor, talvez; mas desnecessárias e ainda piores por terem envelhecido mal, de qualquer forma. De resto, apenas uma duração que se prolonga demais mancha os sucessos de uma investigação que começa como o maior dos clichês e logo caminha para uma das maiores reuniões de supostos peritos, curiosos e ignorantes já vistas. Vale a pena passar pela barreira das aparências para ver do que essa obra se trata realmente.