Falar o nome “comédia romântica” atualmente é trazer alguns olhares tortos. Incontáveis histórias estereotipadas saem com o aparente propósito de arruinar a reputação dessa dupla de palavras, apoiando-se principalmente no nome dos atores principais para chamar o público. Não posso dizer que “Sabrina” passa muito longe dessa última parte com seu trio principal de estrelas, mas não há nada aqui que sugira um filme ruim. Esta obra mostra como o gênero já foi respeitável o bastante para ter alguém como Billy Wilder na direção. Com um grande diretor, três respeitados atores nos papéis e um roteiro com toques inteligentes aqui e ali, quem se importa com a trama água com açúcar?
A história se concentra na grande mansão da família Larrabee. O império corporativo dos Larrabee é administrado por seus dois filhos: mais por Linus (Humphrey Bogart), o filho mais velho, e menos por David (William Holden). Os dois são quase completos opostos, com Linus passando batido pelas frivolidades do amor e David mal sabendo quais suas responsabilidades na empresa; um está soterrado em documentos e reuniões, o outro na saia de alguma mulher. Nessa confusão, a jovem Sabrina (Audrey Hepburn), filha do motorista da família, volta de Paris em grande estilo, chamando a atenção não de um irmão, mas dos dois.
Curiosamente, na mesma semana tive a oportunidade de ver dois filmes em sequência com a mesma característica peculiar: ambos apresentam um casal muito pouco provável. Não só isso, como essa combinação explicitamente esquisita foi amenizada pela competência dos dois atores envolvidos. Na história simples de “Sabrina”, a garota é perdidamente apaixonada pelo David de William Holden, um rapaz de mente jovem e, apesar de mais velho que ela, ainda tem uma aparência de rapaz. Depois o Linus de Humphrey Bogart entra na história com uma feição claramente mais perto da meia idade. Não é para menos, o ator nasceu 30 anos antes que Hepburn. É um par inicialmente esquisito, mas que funciona bem o bastante peelos envolvidos trabalharem seus papéis com profissionalismo e competência. Bogart tinha suas ressalvas sobre o talento de Hepburn como atriz e até em relação filme em si, nunca deixando isso atrapalhar sua performance e estragar a reunião de três grandes atores do cinema americano. Se algum deles talvez teve filmes ruins em sua carreira, não é quando os três estão juntos que isso acontece.
“Sabrina” é movido pelas relações do trio principal. A protagonista volta de Paris com uma formosura que não possuía antes — ou é isso que a história diz, pois a transformação não é das mais fantásticas — e não demora para atrair os olhos dos homens. Uma garota para dois James Bonds de qualidades diferentes: David está mais para Pierce Brosnan, inconsequente e jovial; Linus seria Roger Moore em seus últimos filmes. Ambos são considerados bonitos e elegantes de seus jeitos diferentes, cada um com sua própria cota de limitações. Em “A View to a Kill”, por exemplo, Moore era mais velho que a mãe da Bondgirl. Sua aparência não evitaria que ele seja um Bond pior, desde que a obra se adapte ao seu novo estado. Pensando nisso, confesso que considerei apontar um coroa cortejando uma jovem adulta como um defeito por alguns momentos, mas eventualmente mudei de idéia por ver que onde não há química naturalmente, ela se cria com atuações bem executadas. Por Bogart ser um dos atores mais charmosos de todos os tempos — a prova viva sendo o absoluto clássico “Casablanca” — devia ter pensado que uma hora as coisas teriam de se encaixar, mesmo parecendo esquisitas antes. Ele é bom ator demais para não ser convincente na hora de se relacionar com uma mulher muito mais nova, tornando possível que a história se desenvolva com certa naturalidade. Não só isso, como há também uma personagem verdadeiramente elegante para atrair os dois homens. Quanto aos atores, não há porquê se preocupar. Holden e Hepburn, em especial, merecem destaque por conseguirem fazer personalidades estúpidas não resultarem em personagens ruins. Suas decisões convenientes e bidimensionais são amenizadas por atores que fazem o espectador virar um pouco o rosto.
Um pouco, não tanto assim para deixar de enxergar alguns detalhes sobre o roteiro. Um acontece logo no começo, quando Sabrina viaja para a Paris e volta transformada. Ela pode ter voltado usando Chanel, penteados extravagantes e com quatro maletas de grife, mas, bem, ela ainda é Audrey Hepburn; e a produção simplesmente não fez muito para distanciar a atriz de sua própria beleza no começo. Então vem uma das viradas importantes da trama, envolvendo uma certa dualidade de intenções por parte de certo personagem. O roteiro o coloca falando sobre seus planos, expondo seus objetivos e só. Não há mais nada na história para reforçar este outro lado da moeda de sua personalidade; há uma cota de deslizes e simplificações de roteiro que deixam tudo fácil demais às vezes, sem uma real profundidade ou complicação dos conflitos apresentados. Por outro lado, este mesmo roteiro traz as já conhecidas características de WIlder para melhorar a situação com diálogos espertos, que beneficiam muito o festival de flertes em torno da radiante Hepburn. Ela pode não mudar tanto assim depois de sua viagem por continuar tão bela quanto era antes, porém essa mesma beleza é acompanhada de uma personalidade jovem, resultando na atraente aura de sua personagem. No fim das contas, é o que realmente importa quando toda a história gira em torno de uma mulher irresistível.
Enquanto a trama é simples o bastante e não muito longe de exemplos contemporâneos, não há como dizer que o resto acompanha. “Sabrina” conta com três grandes atores e um diretor sublime, mais que o bastante para sustentar uma história de dois homens mais velhos que são hipnotizados pela juventude afrodisíaca.