Novamente mostrando que menos talvez realmente seja mais, “The Kid” apresenta em menos de 1 hora mais conteúdo que outras obras ralam para mostrar em 2 horas e até mais. Não é para menos que este esteja entre os trabalhos mais elogiados de Chaplin e de todo o Cinema Mudo. Mesmo após outros sucessos nos anos seguintes, depois de satirizar o fascismo e o capitalismo, a imagem que vem na cabeça quando falam em Charlie Chaplin é seu clássico personagem sentado nas escadas com uma criança ao seu lado. Outra vez ele mostra que seus filmes falham miseravelmente em deixar a audiência chegar perto do tédio.
Os sentimentos de uma mulher (Edna Purviance) após ter um filho são de confusão e tristeza. Ela decide abandonar a criança em frente a uma mansão na esperança de que alguém cuide dela, mas muda de idéia pouco tempo depois apenas para descobrir que a criança já não está mais lá. O bebê acaba nas mãos de um bondoso andarilho (Charles Chaplin), que não vê opção e acaba tendo de cuidar da criança sozinho. No entanto, nem todos concordam que os dois formam uma dupla incrível, trazendo problemas para essa relação peculiar.
“Um filme com um sorriso — e talvez, uma lágrima”. Poucas vezes uma frase definiu um filme tão bem como os créditos iniciais definem “The Kid”. Este estilo, a comédia com traços dramáticos, se tornaria uma característica definitiva da obra de Chaplin nos anos seguintes; a qualidade da diversidade dando substância a um filme que poderia muito bem ter seguido no caminho seguro da comédia. Em tempos de um cinema avançado, que resgata atores já falecidos usando a tecnologia, as dinâmicas da comédia do movimento perdem um pouco de seu charme. No fundo, ela ainda demonstra a forma cinematográfica em seu auge, servindo como referência para cineastas até hoje de como contar a história por meio de ações, ao contrário de se apoiar no diálogo. Mesmo assim, a dinâmica de uma narrativa física são tomados como dados, embora não passem sem elogios. O grande acerto aqui é não se prender a esse aspecto engraçado da obra ao expandi-lo até os limites do Drama de melhor gosto.
Além das rotinas de malandragem do protagonista, há um fator essencial para o sucesso aqui: sua relação com o garoto. De um jeito ou de outro, sempre há alguma coisa nos filmes de Chaplin para contrapor a Comédia. Em “The Gold Rush” foi a expectativa de romance, já aqui apelam para um ponto mais tocante, algo menos comum que o amor de uma mulher. “The Kid” mostra como um romance de casal é trivial perto da relação entre um homem e uma criança que nem é dele, mas da qual ele cuida da melhor maneira que sua vida humilde e seu jeito atrapalhado deixam. Um homem divide o nada que tem com um garoto que aprende a amar esse esforço. Dessa relação, baseada nos mais puros sentimentos humanos, surgem momentos verdadeiramente emocionantes. No plano de fundo, mas não menos importante, o personagem de Chaplin traz uma carga semântica em cima da feição de seu personagem clássico. O termo andarilho se encaixa aqui melhor do que de costume quando representa toda uma situação econômica, um estilo de vida diferente que molda suas atitudes e cria uma gama de oportunidades para o roteiro — usando uma condição social para plantar a semente de uma série de cenários dramáticos.
Talvez sua condição financeira não seja a melhor para uma criança que precisa de todo cuidado, especialmente quando ele não sabe nada sobre como ser um pai. Mas não é a paternidade atrapalhada que “The Kid” aborda, e sim que tipo de vida um homem pobre pode oferecer. Nos olhos céticos da sociedade, nada. Ela enxerga apenas um homem que esqueceu faz tempo o cheiro de lençóis limpos. A audiência, por outro lado, tem a oportunidade de conhecer um lado que nem todos vêem. Em toda sua miséria, é impressionante e louvável seu esforço, revoltante quando os outros não enxergam isso e tentam estragar tudo que foi construído pelos dois. Em pouco menos de 1 hora, este filme desenvolve a relação, a coloca em perigo e faz uma verdadeira transição da Comédia para o Drama; aproveitando o plano de fundo por trás do terno surrado do protagonista para os melhores momentos deste longa. É simples o bastante e potente por contar com Charlie Chaplin em uma interpretação que dispensa comentários e exala carisma, além de Jackie Coogan em uma das melhores performances por atores infantis que já vi. Se no lado subliminar o Andarilho brilha, na execução quem faz a diferença é o garoto. A relação entre os dois não poderia ser mais natural, expressando toda a pureza de uma relação paternal, e não desaponta quando o tom parte para o lado mais sentimental. Toda a sensação de desespero e tristeza dos conflitos é vista em Coogan, sem dúvida dirigido pelas mãos sublimes de Chaplin, que sabia quando a emoção era demais e quando era certeira. Este é um dos bons exemplos de filmes mudos que dosam suas atuações bem a ponto delas não envelhecerem mal e ficarem exageradas hoje.
Com uma história sem perda de tempo, “The Kid” entra para a história em menos de 60 minutos usando o melhor de dois mundos em sua composição: a comédia do movimento, dominada por um dos mestres do Cinema Mudo, e o bom e velho drama, representado pelo mesmo Jackie Coogan que anos mais tarde interpretaria o Tio Chico da Família Addams. Longe de sua personalidade maluca no seriado clássico, aqui ele é o contraponto perfeito para as risadas de um cinema inteligente: sentimentos mais nebulosos para contrastar corpos irradiantes.