Assim como “Star War: The Force Awakens“, “Rogue One” levantou certo suspense sobre o futuro da franquia. O primeiro foi uma manobra arriscada, a ressurreição de uma galáxia muito distante após 10 anos sem filmes. Como a Nova Trilogia recebeu um número considerável de críticas, sobrou para o novo episódio não cometer os mesmos erros e honrar os clássicos da Trilogia Original. Tenho minhas ressalvas, mas dá para dizer que o resultado agradou mais gente que os últimos filmes. Então chega o primeiro spin off da série: uma oportunidade para fugir da mesmice ou o começo da saturação de Star Wars? De certa forma, um pouco dos dois.
Jyn Erso (Felicity Jones) é a figura central nesta história que alavanca a jornada de Luke Skywalker em “A New Hope“. Uma garota afastada dos pais cedo demais, ela aprendeu a se virar pela galáxia sem um porto seguro para chamar de casa. Finalmente, a galáxia mostra os planos que tinha para ela. Seu pai, um dos responsáveis pela criação da Estrela da Morte, torna-se uma figura-chave para a Aliança Rebelde: ele tem informações confidenciais sobre a arma e pode ajudar a virar o jogo contra o Império. Jyn, uma criminosa desconhecida, pode ser a mais inesperada fonte de esperança para os rebeldes.
Depois de uma experiência parcialmente estragada por uma falta de originalidade explícita, a série precisava de algo novo e distante do que foi visto antes. Por um lado, sempre existe o medo da novidade significar uma trama envolvendo política e federações comerciais. Mas acho que valia o risco, mesmo sem desgostar tanto dessa parte da Nova Trilogia. Uma história fora dos moldes — ou melhor, sem ser uma reprodução descarada — poderia tirar um pouco o gosto ruim do ano passado. É exatamente isso que “Rogue One” traz. Talvez um resultado bom como esse não seja tão bom a longo prazo, uma vez que pode incentivar ainda mais a produção de outros spin-offs e criar uma aversão global ao tema clássico de John Williams, saturando a franquia com uma leva de filmes, séries e produtos até a fonte secar. Mas não há por que se preocupar agora. Gareth Edwards não dá motivo para reclamações neste primeiro spin-off da franquia, tomando ótimas decisões em mudar o filme para não cair na mesmice, incomodando uns, nem sair muito fora da linha e incomodar outros.
Quando “Rogue One” sai do que já é conhecido e explora novas abordagens dentro do universo Star Wars, os pontos fortes surgem. O roteiro, embora limitado ao espaço entre dois outros filmes, é ousado e não tem medo de tomar certas decisões não tão comuns na série. O melhor exemplo disso é a entonação mais séria da trama. Sempre aplaudida — especialmente em “The Empire Strikes Back” — mas não tão utilizada, essa abordagem mostra um lado diferente da galáxia; sem personagens feitos para o público infantil ou a cara de aventura que mata qualquer suspense. Aqui a Aliança Rebelde é explorada mais a fundo, mostrando como as coisas funcionavam — ou não funcionavam — antes de Luke Skywalker liderar o esquadrão X-Wing que faria toda a diferença na guerra. Os rebeldes ainda estão se organizando e, ao contrário de uma facção unida, estão mais para um bando de descontentes com algumas armas e poucos planos para usá-las de forma eficaz. Eles são como uma guerrilha espacial e, como toda guerrilha que enfrenta um oponente treinado e organizado, sofrem para conseguir qualquer sucesso. Pessoas morrem, batalhas são perdidas e a esperança anda no fio da navalha. Num ritmo destes, não há muito futuro para um movimento que quer mudar o cenário político da galáxia inteira. O roteiro aproveita muito bem este cenário derrotista para fugir do típico cenário lotado de obstáculos facilmente superados pelos heróis, mostrando um lado mais sombrio de uma guerra em que vitórias surgem a um alto custo e nem sempre parecem valer o esforço. Longe dos sabres de luz e da Força, vão mais para o lado das batalhas espaciais e das operações envolvendo gente na terra, nos ares e no espaço ao mesmo tempo, coordenando estratégias para ter sucesso numa missão assombrada por chances mínimas.
Para ajudar na luta, é introduzido um elenco cheio de figuras únicas, gente poderosa e carismática, mas que se opõem a um inimigo muito mais forte. Alguns membros da equipe nova, que não acerta totalmente em todos seus integrantes, são: um monge cego que se guia pela força, mas não é Jedi; seu parceiro com um blaster pouco humilde; e o espetacularmente cínico K-2SO, um dróide sem freio nos circuitos vocais, que fala o que quer quando quer. Não é de se surpreender que o melhor personagem de “Rogue One” empreste sua ousadia de outro dróide icônico: HK-47, do jogo “Star Wars: Knights of the Old Republic”. Ambos lutam do lado do bem, mas não deixam de mostrar um lado meio sádico quando possível, opondo o protagonista sem ligar muito para quem ele é ou sua importância. Mesmo não sendo isento de falhas, o elenco é competente o bastante. Seus maiores defeitos surgem mais por conta do que a história faz com eles em vez de por sua caracterização ou atuação. Felicity Jones, por exemplo, se sai bem de acordo com a música que o roteiro a faz dançar. Se a cena pede uma atuação mais rebelde, ela entrega; se é uma cena mais tocante, ela entrega. Se a soma destes fatores funciona, é outra história que não é sua culpa, e sim de um enredo ocasionalmente preguiçoso, que resolve certas questões importantes com discursos que fedem a clichê. Entretanto, os personagens propriamente ditos são adições legais ao universo de Star Wars e não só isso: eles são bem aproveitados quando, finalmente, são colocados em risco pela história. Não existe mais aquela garantia de que alguém vai ficar vivo porque são os heróis da história, aqui os personagens são ferramentas do roteiro, não o contrário — como quando sua importância limita a história. Guerra é guerra, para protagonistas e coadjuvantes sem exceção.
Ao mesmo tempo, a parte ligada ao universo já estabelecido não se sai tão bem. “Rogue One” começa devagar. Os primeiros momentos parecem ter saído da mente de um roteirista que não sabia por onde começar sua história, então partiu do ponto mais óbvio: a infância da protagonista. As cenas são lentas, um tanto desnecessárias e atrasam o desenvolvimento de uma história que já não vai muito além do que é descrito em sua sinopse — um dos pontos mais negativos aqui, sem dúvida. Meu grande problema com uma história localizada entre dois outros filmes é ela parecer um tapa-buraco, um jeito de preencher uma lacuna para tirar mais dinheiro da série. “Clone Wars”, por exemplo, sofreu com isso em vários episódios quando se limitou a mostrar uma guerra que todos já tinham uma idéia de como aconteceu; mas o formato era outro e os impactos não tão notáveis como numa história mais compacta. Em meio a uma competência técnica verdadeiramente invejável pode-se ver os efeitos de uma trama pouco engajante; que cumpre sua promessa bem, mas falha em apresentar material que deixe o espectador ansioso pelo que está para acontecer. A sinopse é explicativa o bastante e as duas horas de duração mostram-se mais como a expansão de uma idéia que caminha para um fim conhecido desde o começo.
“Rogue One: Uma História Star Wars” é exatamente o que o título sugere, embora não seja uma experiência com um rosto conhecido. O maior pecado está nas mãos de uma trama que sofre por ser previsível, mas, felizmente, muitos acertos evitam que este seja um problema muito grande. Expandindo o conceito de buscar os planos da Estrela da Morte, o filme mostra ousadia em sua entonação visivelmente mais sombria, que coloca uma distância muito bem-vinda da fórmula repetida tão descaradamente em “The Force Awakens“.