É possível que um filme seja único por uma simples coisa? “The Man Who Laughs” mostra que sim. Na verdade, não é muita novidade uma obra ficar na memória por causa de algo como trilha sonora ou uma cena marcante. A diferença é que, nestes casos, a referência é considerável, diferente do que acontece neste filme mudo. O que basta para fazê-lo entrar para a história é bem simples: um sorriso. Adaptado de um livro de Victor Hugo, este filme até mistura elementos de terror e fantasia, quando está mais para uma tocante história sobre alguém que procura seu lugar no mundo.
Um nobre se recusa a beijar a mão de seu próprio rei e recebe duas punições severas: ele é executado friamente e seu filho tem o rosto desfigurado para o resto da vida. Abandonado ao mundo pelas mesmas pessoas que estragaram seu rosto, Gwynplaine (Conrad Veidt) é adotado por um filósofo e dramaturgo, que viaja o país se apresentando ao público. Ele fica popularmente conhecido como “O Homem Que Ri”, mas seus sentimentos nem sempre refletem sua expressão eternamente sorridente. Num retorno à sua cidade natal, Gwynplaine é reconhecido por antigos inimigos e arrastado até planos mal intencionados.
Se me dissessem que a fonte de popularidade de “The Man Who Laughs” hoje em dia não é sua qualidade, não duvidaria. De fato o sorriso do protagonista é algo a se considerar, um visual digno de fazer história, e que acabou fazendo; não sozinho, mas por meio daqueles que inspirou. O maior destes exemplos está entre os melhores personagens da cultura popular: ninguém menos que o Coringa, arqui-vilão do Batman. Talvez nem seja preciso apontar a ligação, a semelhança é óbvia o bastante. Cabelo desgrenhado, roupas chamativas e, claro, o sorriso. Uma boca exageradamente grande e dentes fadados a sempre mostrar um sorriso escancarado. Entretanto, existe um mar de diferença entre dois personagens que só compartilham uma aparência macabra. Para o Coringa, o sorriso é o símbolo de sua insanidade e a antítese de sua natureza malévola; para Gwynplaine é seu maior tormento, um peso que arrasa seu bom coração toda vez que é mostrado ao público. Eles riem, ele chora e Conrad Veidt fascina.
Na falta de uma narrativa forte, o protagonista naturalmente assume sua posição de liderança, justificando e muito o título levar seu nome. “The Man Who Laughs” pode muito bem ser caracterizado pelo sorriso do personagem-título, mas de forma alguma a obra ou personagem se limitam a isso. Conrad Veidt consegue, quase sozinho, protagonizar o trajeto que este filme percorre entre gêneros cinematográficos diferentes, tornando a experiência mais uma história livre de amarras conceituais do que uma definida por eles. Seu rosto desfigurado serviu de modelo para outros filmes de monstro e os próprios pôsteres dão a impressão de que ele é um tipo de vilão ou monstro horrendo. Gwynplaine tenta esconder sua bocarra de qualquer forma por ela estar longe de uma fonte de orgulho. Ele é uma pessoa bondosa e sensível, que mal pode se expressar adequadamente e, embora a platéia de seus shows só veja graça, o espectador enxerga perfeitamente seu conflito em movimentos faciais limitados, porém muito expressivos.
A boca do homem que ri é o elemento mais chamativo ali, sem dúvida, mas eles não são a única coisa importante na atuação de Veidt. Se fossem, acredito que sua expressão seria limitada e tantos elogios injustificados. Um mesmo rosto risonho comunica tanta coisa que são as cenas pequenas que fazem “The Man Who Laughs” valer a pena. Francamente, a trama não é muito interessante e não chega a impressionar ou engajar com suas reviravoltas. São cenas íntimas, do protagonista sozinho ou interagindo com outros, que exprimem a alma desta obra: sofrimento, tristeza, insegurança, incompreensão e desamparo. Nada mais que o conceito do monstro com sentimentos em uma de suas primeiras representações no cinema, não muito diferente do que aconteceu em “Frankenstein” e com o próprio Corcunda de Notre-Dame. Todos adoram ver seu rosto para seu próprio entretenimento, vê-lo relegado a um palco com uma vaca de cinco patas, anões e outras atrações. Por mais que ele nunca fale, fica bem claro que ser objeto de sátira dos outros não é o que ele quer para sua vida. Neste contexto, surge um conflito interno enraizado em dentes bizarros e expressões exageradas. Uma pessoa é rasgada ao meio pela dualidade: Gwynplaine sabe que é um homem por dentro e quer ser reconhecido como um, ao passo que o mundo o ama justamente pelo fato dele não ser um. Seu único consolo é o amor de uma doce mulher cega, Dea (Mary Philbin), mas nem essa satisfação é completa. Ele acredita que ela só o ama porque nunca viu seu rosto, que seu amor é alimentado pela ignorância.
No final das contas, “The Man Who Laughs” é muito menos a atmosfera aterrorizante sugerida pela publicidade, pela feição do protagonista e pelos visuais expressionistas; e mais o estudo de um personagem dilacerado emocionalmente por um mundo que não o compreende. Ser muito mais Drama que Terror é justamente a receita para o sucesso, ainda que eu tenha sentido falta de uma narrativa forte. Tirando a interpretação impressionante de Conrad Veidt, não há muita base para a história, que acaba sofrendo e até cansando por não engajar o espectador.