Depois da desastrosa adaptação americana de 1998, a Toho lançou a Era Millenium de sua série japonesa para consertar o estrago e, ao final dela, anunciou que ficaria 10 anos sem fazer outro filme de Godzilla. Enfim, 10 anos depois não foi a Toho quem reviveu o personagem, ele voltou às telonas por mãos americanas pela segunda vez. Tinha tudo para ter dado certo: os erros do “Godzilla” de 1998 foram vários e graves o bastante para dar o recado; além do mais, dessa vez a responsável era a mesma Legendary Pictures de “Pacific Rim“, a carta de amor de Guillermo Del Toro aos filmes de kaiju japoneses. Mesmo assim, a recepção do público não foi tão positiva quanto suas impressões iniciais dos trailers. Por mais que algumas de suas críticas sejam válidas, este longa ainda é um dos melhores da franquia e certamente um dos mais injustiçados.
Um acidente mal explicado destrói completamente uma usina nuclear no Japão, trazendo a morte da esposa de Joe Brody (Bryan Cranston) e sua eterna revolta. Anos depois do ocorrido, Joe continua sem aceitar que foi um simples terremoto e insiste em querer expor a verdade, para a grande dor de cabeça de seu filho, Ford (Aaron Taylor-Johnson). Mas quando teorias da conspiração bizarras começam a fazer sentido, isso acontece da pior maneira: a mentira do governo encobria a existência de uma criatura gigante responsável pelo desastre. Com uma nova ameaça à solta, apenas outra criatura igualmente ameaçadora tem chance de resolver a situação.
De tudo o que podem falar deste longa, acredito que os visuais e o som conseguiram se safar das reclamações. “Godzilla” finalmente aproveita os benefícios de uma produção multimilionária. Não que isso seja absolutamente necessário para o sucesso, pois a maioria absoluta das produções japonesas foram de baixo orçamento e algumas foram muito boas. Mesmo assim, a experiência proporcionada pelo dinheiro é outra coisa, aqui valorizada por um design de produção tão bom na representação visual quanto no uso da arte para efeito dramático. É uma experiência explosiva de fazer inveja a qualquer outra obra da franquia: em nenhum momento foi tão potente ver e ouvir monstros sendo jogados contra prédios, devastando a cidade no processo.
Por outro lado, é bem comum ouvir reclamações sobre o tempo de tela do próprio Godzilla, que mal aparece num filme que leva seu nome. Proporcionalmente, ele aparece muito menos que seus inimigos ou que os humanos da história, portanto não é nenhum absurdo argumentar sobre isso quando os números não mentem. Entretanto, há dois pontos que considero importantes. Em primeiro lugar, se as lutas entre monstros tivessem mais espaço não tenho dúvidas que o desgosto continuaria, só que dessa vez reclamariam que o filme nada mais é do que porrada descerebrada. Apenas monstros gigantes quebrando tudo com uma história risível para maquiar a destruição. Outra questão válida é que as cenas sem o kaiju não são negligenciáveis como sugerem. A trama dos humanos não é uma obra-prima dos roteiros, porém consegue se sustentar bem e colocar a situação fantástica de monstros gigantes num contexto plausível. Evitam a rotina de cientistas discutindo a fera em sequências lentíssimas e, em seu lugar, apresentam um protagonista humano que ao menos é relacionável naquele contexto. Ford Brody considera seu pai problemático e só liga de verdade para sua mulher e filho, os quais fica meses sem vê-lo quando ele viaja a trabalho. Esta não é sua luta e ele não tem a resposta para derrotar os monstros, apenas foi colocado naquele caos sem a mínima vontade de estar lá e com pouco apreço por aqueles monstros. Independente de quem está salvando quem, Ford não cria carinho por uma criatura que coloca sua família em perigo.
Mais do que isso, existe toda uma dinâmica envolvendo esses poucos minutos do Grande G na tela. Não é uma ausência total que muda quando chega o final, mas uma revelação gradual que também compõe o ponto mais forte do filme. É pouco tempo? De certa forma, sim. Porém a forma como trabalham pista e recompensa é certeira. A opção escolhida é revelar Godzilla aos poucos; primeiro mencionar indiretamente, depois mostrar ele brevemente e ao longo da trama aumentar a qualidade dessas aparições. Sua presença é conhecida sem que seja exposta de uma vez, assim o espectador valoriza cada segundo de tela do personagem através de breves relances até que ele apareça em toda sua glória reptiliana de 100 metros de altura. Mas se isso não for o bastante, os monstros antagonistas têm um tempo de tela consideravelmente maior que o do monstro principal, rendendo diversas sequências de qualidade para que a história não seja feita só de humanos.
Para mim, a recompensa de ver os monstros destruindo tudo no final do filme faz todo o trajeto valer a pena. Ao final de tudo eu já nem pensava em quanto tempo Godzilla apareceu em tela; aqueles últimos momentos são bons demais para deixarem qualquer outra coisa ocupar a mente. No entanto, por mais que eu não tenha achado esse tempo breve o bastante para ser um problema, acho que não reclamaria de um pouco mais do Rei dos Monstros em ação. Talvez não mude nada para os críticos do filme, como mencionei anteriormente, mas, particularmente, não acharia ruim. Há ainda uma série de momentos clichês que estragam um pouco o lado do humano da história. Nem perto do que um “Jurassic World” faz, que frequentemente beira o ridículo, apenas evidente o bastante para incomodar um pouco. Por vezes é a atuação exagerada de Bryan Cranston, em outros momentos é a dramatização forçada na expectativa de aprofundar a história e há ainda cenas que se esforçam demais para evidenciar o tamanho dos monstros, colocando a figura de um homem diante de uma criatura de 100 metros em mais de uma ocasião. Talvez numa primeira vez funcione, na quarta ou quinta já não tem o mesmo impacto.
Não é o melhor filme do ano, o melhor de ação ou o melhor Godzilla, mas nem por isso deixa de ser entretenimento de qualidade. Talvez a história pudesse se beneficiar com uma presença maior dos monstros, talvez não. No final das contas, o que apresentaram foi mais que o suficiente para render um bom resultado, uma história que faz os poucos minutos de ação desenfreada serem antecipados fervorosamente e apreciados mais do que seriam sem toda aquela planejada revelação gradual.